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 Flavio Leonel – do site Roque Reverso

O dia 9 de outubro de 2020 marca o aniversário de 30 anos do excelente disco “Seasons in the Abyss”, o quinto do Slayer. Pertencente à fase mais importante da lendária banda norte-americana, que compreende justamente o período dos cinco primeiros álbuns, o disco traz o Slayer em grande momento de qualidade musical e no auge da técnica, dando uma verdadeira aula de como se faz o bom e velho thrash metal.

“Seasons in the Abyss” vem após dois discos de grande qualidade, mas de sons um pouco distintos. Enquanto “Reign in Blood”, de 1986, é considerado, ao lado do disco “Master of Puppets”, como o maior álbum de thrash metal da história e um dos mais rápidos e brutais do heavy metal, “South of Heaven”, de 1988, manteve o grupo no topo das preferências dos headbangers, mas com um som mais cadenciado em boa parte do álbum.

O quinto disco de estúdio do Slayer traz praticamente uma junção musical dos dois álbuns anteriores. Há momentos com um thrash/speed metal avassalador e também períodos mais cadenciados, mas ricos em peso e técnica. Tudo isso acontece com a banda extremamente entrosada e amadurecida, justificando a condição de uma das maiores do estilo.

No álbum, o vocalista e baixista, Tom Araya, aparece cantando demais. Os guitarristas Jeff Hanneman e Kerry King trazem uma tempestade sonora de qualidade e instrumentos que se completam como poucas vezes na historia do heavy metal. O baterista Dave Lombardo, por sua vez, parece ser absurdamente uma máquina, que consegue aliar rapidez, cadenciamento e técnica apuradíssima.

Completa a lista como componente positivo o fato de a produção, feita pelo mago Rick Rubin, ao lado do excelente Andy Wallace, ser uma das melhores feitas na história do heavy metal. A dupla já havia estado presente em “Reign in Blood” e “South of Heaven”, mas parece ter atingido o auge com o “Seasons in the Abyss”.

Contexto

Importante sempre ressaltar que o contexto da época no thrash metal trazia uma verdadeira competição entre as bandas de quem fazia o álbum mais trabalhado e complexo. 

Após o Metallica lançar, ainda em 1988, o complexo e excelente “…And Justice For All”, as bandas de thrash seguiram a tendência que trazia canções mais longas do que o habitual do estilo, variações de andamento, viradas repentinas e inesperadas de ritmo, além de riffs diversos e distintos dentro de uma mesma faixa.

Depois do sucesso de vendas do “…Justice”, o início dos Anos 1990 trouxe o Death Angel com o ótimo e complexo “Act III” e as bandas do aclamado Big Four (que traz, além do Metallica, o Slayer, o Megadeth e o Anthrax) numa linha parecida.

O fã de thrash metal teve um baquete à disposição em 1990 com uma série de grandes discos a partir do segundo semestre daquele ano. 

O Anthrax lançou o “Persistence of Time” em agosto, o Megadeth trouxe o “Rust in Peace” em setembro e o Slayer lançaria o “Seasons in the Abyss” em outubro.

Vale destacar que, das quatro bandas do Big Four, o Slayer sempre foi a que trouxe um som mais agressivo, cru e rápido, pouco se importando com complexidade e sempre mais preocupado em chocar tudo e todos com suas letras e seu peso sonoro. Mas é justamente com “Seasons in the Abyss” que a banda traz exatamente seu disco mais complexo e trabalhado.

Abertura avassaladora

O lado A do álbum já começa com a tempestade sonora de “War Ensemble”. Com uma introdução matadora que reúne guitarras pesadíssimas e uma bateria espetacular de Dave Lombardo, a faixa poderia estar tranquilamente no “Reign in Blood”. Logo de cara, o fã de thrash metal já entende que o termo “headbanger” precisará ser seguido à risca e que eventuais torcicolos serão inevitáveis.

“Blood Red” é a segunda do disco e uma das mais bem elaboradas da carreira do Slayer. Não é rápida, mas cadenciada e com Dave Lombardo dando um show nos pedais duplos da bateria. É a preferida deste jornalista, que quase entrou em estado de transe, em 2006, no saudoso Via Funchal, quando a banda surpreendentemente a executou no showzaço realizado em São Paulo.

Sem espaço entre as faixas, o disco segue com a insana “Spirit in Black”. Se o fã do thrash metal quisesse um exemplo do que é o estilo, esta música cairia como uma luva. Ela começa pesadíssima e rápida. E traz simplesmente um dos pais do estilo dando sua aula. 

E, se o pescoço já começa a doer, inacreditavelmente, o Slayer aumenta a velocidade na segunda metade da faixa! A reação do verdadeiro fã de thrash metal nessa hora é pensar inevitavelmente em iniciar uma roda de mosh, mesmo que solitária.

Para recuperar o fôlego, o Slayer oferece ao fã duas faixas mais cadenciadas na sequência. Mas, mais uma vez, o peso dá lugar a uma riqueza musical, com variações de peso e riffs marcantes. 

“Expendable Youth” traz novamente Lombardo dando aula, enquanto “Dead Skin Mask” é um dos maiores clássicos da banda e item obrigatório em qualquer show realizado pelo grupo.

Vale lembrar que a música que fecha do Lado A traz uma letra que se refere ao assassino em série Ed Gein, famoso por “decorar” sua casa como a pele das suas vítimas.

Lado B

O lado B começa tão ou mais avassalador do que o lado A. “Hallowed Point” volta a trazer uma velocidade impressionante ao álbum. É uma das mais rápidas da carreira do Slayer e mostra, pela enésima vez, que é muito difícil competir neste detalhe com essa grande banda.

“Skeletons of Society” volta a trazer cadência ao disco, mas muito (e bota muito nisso!) peso. Tente colocar esta música no quarto no volume perto do máximo. Ele certamente vai tremer todo. É mais de obra-prima do Slayer e, curiosamente, um pouco subestimada, até mesmo pela banda, que nunca foi de tocá-la muitas vezes.

“Temptation” vem na sequência com menos peso e um pouco mais rápida, porém com menor intensidade que as mais velozes do álbum. Uma curiosidade da faixa é que ela vem com vocais dobrados de Tom Araya. 

Diz a lenda que a ideia do vocal com as duas vozes em andamento diferente surgiu de um acidente, quando o produtor executou sem querer uma gravação do gosto de Araya e a gravação que havia sugerida por Kerry King. No fim das contas, é justamente esse vocal dobrado que torna a música interessante.

A penúltima do disco é a pesada e rápida “Born of Fire”, que é a que mais tem jeitão de “Reign in Blood” do álbum, tanto na questão do peso como na questão da letra.

Finalmente, o disco traz a faixa-título fechando o disco. Obra-prima das obras-primas do thrash metal, a música “Seasons in the Abyss” é um hino do heavy metal. Traz o Slayer em um dos seus maiores momentos da carreira e um clipe histórico.

Filmado no Egito, em frente às famosas pirâmides, o clipe é daqueles que transporta qualquer fã de metal para um lugar como se ele estivesse tocando com a banda. Foi o primeiro videoclipe da história do Slayer, que, como o Metallica até o clipe de “One”, era avesso a esse tipo de coisa.

“War Ensemble” também ganharia um clipe bacana meses depois, trazendo já imagens da banda tocando na turnê de divulgação do disco.

O fato é que estes dois clipes eram figurinhas carimbadas nos programas de heavy metal de todas as MTVs do planeta. No Fúria Metal, da MTV Brasil, que seria inaugurada no fim de outubro de 1990, o vídeo de “Seasons in the Abyss” era um dos mais esperados e cultuados.

Com a faixa-título, o quinto álbum do Slayer é fechado com chave de ouro, mostrando o motivo de a banda ser uma das maiores do thrash metal. Foi o último álbum de Dave Lombardo na bateria antes do mestre das baquetas voltar, em 2006, no disco “Christ Illusion”.

Não por acaso, o Slayer demorou para gravar um disco à altura dos primeiros cinco que lançou. A química musical entre os quatro componentes clássicos foi o grande motivo de o grupo entrar para a história do heavy metal. E “Seasons in the Abyss” serve justamente para marcar o apogeu da fase clássica da banda.