IMAGEM; REPRODUÇÃO/YOUTUBE
As influências de Cássia Eller são perceptíveis, mas a referência para o blues e o rock visceral que faz é muito mais do que inusitada: Maysa Matarazzo, ou simplesmente Maysa, a musa da música brasileira romântica, e exasperada, no samba-canção…
Indira Castillo é uma artista diferente e luminosa. Sua abordagem musical do rock pesado calcado no blues e no jazz é algo arrebatadora, do ponto de vista puramente espiritual – e isso ajuda a explicar a influência de Maysa em sua carreira.
De forma não surpreendente, a cantora que hoje está na banda Malvada, está divulgando o seu primeiro EP solo, gravado antes de ser anunciada no quarteto feminino paulista de hard rock.
“Êxtase” tem oito minutos e três músicas, e expõe a alma de uma artista refinada e sofisticada. Acima de tudo, é uma moça corajosa e suficientemente segura para abraçar o rock pesado com tamanha contundência.
“Minha abordagem artística tem uma certa dose de coragem, mas acima de tudo está encharcada de paixão e vontade de buscar o novo”, disse a cantora em entrevista exclusiva ao Combate Rock durante a audição o EP para a imprensa.
A postura é a mesma de uando entrou na Malvada meses atrás, quando substituiu Angel Sberse, mas ela admite que a forma como conduz o seu trabalho solo a obriga a fazer um trabalho adicional de saber onde está pisando, digamos assim. E a chave vira automaticamente em relação aos dois mundos.
O som da carreira solo é mais pesado e intenso, além de mais experimental, enquanto o hard rock da Malvada surge mais festivo e menos introspectivo, ao menos por enquanto.
“Era a intenção colocar is guitarras e deixar o som do meu EP mais pesado e abordar outro tipo de tema. Foi concebido antes de eu entrar na banda e reflete o meu momento ali em 2022 e começo de 2023”, analisa a cantora.
Depois do lançamento de “Wiser”, no ano passado, um hard rock poderoso e totalmente bluesy, Indira sentiu a necessidade de se expressar em português. A receptividade do primeiro single, em inglês, a surpreendeu, mas em nenhum momento ela hesitou em compor e gravar “Tempo”, que está no EO recém-lançado.
A base é um blues embebido em altas doses de paixão, com batida pesada e uma letra reflexiva sobre ausências e necessidades de seguir em frente – um tema musical e lírico bem apropriado para um eventual disco da Malvada, inclusive. O trabalho de guitarras é notável e moderno, mesclando timbres à la Black Crowes e Black Country Communion.
Como cantora, ela tem um registro forte e alto, como ficou evidente em “Tempo” e no blues pesado “Êxtase”, onde abusa de uma rouquidão ao melhor estilo de Cássia Eller na primeira metade – depois a música descamba para um stoner de responsa, emulando Suzi Quatro e Rita Lee. Na segunda canção ela conta com a participação especial de Igor Godói, vocalista da banda Sioux 66.

Tudo é muito intenso e rápido, quase fugaz. As duas canções têm dois minutos, em urgência quase punk. A balada “dark blues” “Delírio”, conduzida pelo piano, em uma lembrança do Barão Vermelho de Cazuza, evidencia um ecletismo raro de ver no rock nacional.
A produção caprichou na ambientação, que deixou a música pesada e densa mesmo sem precisar explodir os falantes com guitarras lancinantes. O belo arranjo de cordas se encarrega de dar o acabamento sofisticado em uma letra que contesta a mesmice e impõe a necessidade de mudar sempre.
“São escolhas que precisamos fazer sempre, e isso se reflete diretamente no que compus”, afirma Indira. “Só que, acima de tudo, é também uma questão de necessidade, é o tipo de música que aflora e sai com essa intensidade. Não poderia estar mais satisfeita com o resultado.”
E as escolhas vieram bem cedo na incipiente carreira da cantora, e foram mais profundas do que o mergulho no rock pesado regado a blues. Apesar de ter percebido ótima receptividade do primeiro single, “Wiser”, o dilema sobre qual o idioma adotar chegou logo, e a decisão não demorou, e nem teve a ver com o convite para entrar na Malvada. “Eu senti a necessidade de uma maior conexão com o público brasileiro, o as pessoas que me apoiam aqui na minha frente, do meu lado. Cantar em português se tornou necessário e se revelou importante porque minha arte se expressou perfeitamente com a troca.”
Tanto na carreira solo como na Malvada a questão da sensualização supostamente excessiva que insiste em perseguir muitas artistas mulheres – de Anitta e Ludmilla a Malvada a Lady Gaga – voltou à baila com a chegada dela ao quarteto feminino paulista, algo até esperado por conta da imagem que Indira criou há muito tempo. Isso chega a incomodar?
“De forma alga. A banda lidou be com isso quando surgiu e ocorre o mesmo com a minha entrada”, diz a cantora. “Essa é a nossa música e o nosso jeito de ser, a gente veste a música que produz e a vive intensamente, com todo o engajamento e empoderamento que caracteriza as mulheres que estão vanguarda da música. O próximo disco da banda terá muito disso.”
E onde entra Maysa nessa história toda? “Tenho muitas referências internacionais o jazz e no blues, mas no Brasil uma que é muito forte é a da roqueira Maysa, que tinha na essência de sua interpretação a emoção e o sentimento, coisas que sempre fiz questão de trazer para o meu trabalho. Ela é uma referência musical e pessoal por conta de sua trajetória de coragem e comprometimento com a música.”
“É ótimo ver um projeto sendo concluído em um EP com composições em português. Sinto que agora consigo me comunicar de forma completa com o público e resumir grande parte da minha arte pra todos que ouvirem”. Nas letras, Indira colocou algumas de suas experiências pessoais. “E conta uma história com diferentes fases”, ela completa.