Adeus, Ace Frehley

Foto: reprodução

Roberto Capisano Filho *

A morte de Ace Frehley no último dia 16 foi uma enorme surpresa. Ele havia sofrido uma queda em sua casa, cancelado shows, mas nada indicava uma situação tão séria. Soube-se que ele tivera uma segunda queda, esta de uma escada, também na casa dele, e batido gravemente a cabeça, o que causou a hemorragia cerebral.

Diferentemente de uma doença que avança gradualmente até levar a pessoa embora, a morte por acidente é sempre algo brutal, porque é repentina, ela arranca do nosso convívio sem a menor cerimônia, sem aviso, sem preparação. Interrompe tudo, corta, destrói. É cruel.

Ace era Kiss. Era um dos nossos heróis. E heróis são imortais. Pelo menos é o que a gente se ilude em acreditar, até que a realidade bate e nos esfrega na cara que eles não vão ficar conosco indefinidamente. E isso tem acontecido com uma frequência insuportável nos últimos anos – Ozzy Osbourne, Eddie Van Halen, Neil Peart, Lemmy, só para citar alguns que vimos partir recentemente.

Para alguém como eu, que tem o Kiss como sua banda sagrada desde que a conheceu no início dos anos 80 e que fez a vida ficar muito melhor, a morte de Ace Frehley assim, do nada, é como abrir um buraco na própria história.

Ele estava em atividade, fazendo shows, talvez gravasse um novo álbum. Ele estava conosco.

Ace era o mais rock and roll do Kiss. Era também o mais desencanado, em contraste com a seriedade de Paul Stanley e Gene Simmons, sempre tão focados em que a banda, primeiro, desse certo, e depois ficasse cada vez maior e se tornasse um negócio extremamente bem-sucedido (ainda bem que eles tiveram essa postura, pois por isso durou 50 anos). Ace era só arte, só música.

Ace era a descontração dentro do profissionalismo do Kiss. Era o rock em sua essência mesmo quando o som do Kiss se desviava (disco em I Was Made For Lovin’ You, do Dynasty; pop em Unmasked; álbum conceitual e com orquestra em The Elder).

Ace era um guitarrista brilhante sem precisar de virtuosismo, sem ser aquele músico de técnica perfeita. Jamais fritou notas ou empilhou escalas nos seus solos. Ele era de outra escola, feeling puro, bom gosto, solos melódicos que você podia cantar. Por isso mesmo, marcantes e que inspiraram tanta gente a tocar guitarra.

Ace foi capaz de fazer um álbum solo, o de 1978, impecável e melhor do que alguns da discografia do próprio Kiss. Talento.

Ace tinha seus defeitos, óbvio. Combateu alguns demônios internos, que inclusive contribuíram para suas duas saídas do Kiss e, certamente, atrapalharam sua carreira solo, mas quem nunca se autossabotou na vida que atire a primeira pedra. Ele sabia que errou, reconheceu, não se arrependeu como disse no seu livro. Viveu. Esse era o Ace.

Ainda bem que ele veio ao Brasil em 2017. Agora, aquele show ganha uma importância ainda maior, porque se transformou na última vez que muitos, assim como eu, tiveram a oportunidade de ver Ace no palco pessoalmente.

O Spaceman vai fazer falta, nem que fosse para a gente ouvir aquela sua risada única em alguma entrevista.

Obrigado e adeus, Ace.

*  Roberto Capisano Filho é jornalista do Sebrae-SP e um dos fundadores do Combate Rock

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