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 Marcelo Moreira

FOTO: REPRODUÇÃO YOUTUBE


Perdemos a capacidade de provocar e de irritar. São poucos os artistas capazes de fazer os agentes da repressão se mover e agir para cair na armadilha de atacar e se tornar notícia negativa. Por isso o rock e outros gêneros artísticos e musicais estão ficando para trás na resistência ao fascismo e ao mundo bolsonaro.

Tirando algumas poucas – mas preocupantes – investidas policiais contra bandas e eventos punks, a repressão de inspiração autoritária não incomodou muito desde que o presidente nefasto de plantão assumiu o poder.

Nada de concreto surgiu para que as artes se tornassem um alvo constante da atenção repressiva das polícias, e somente uma música da banda Detonautas Roque Clube – “Micheque” – é que enfureceu o gado direitista a ponto de suscitar ameaças de processo judicial.

O rock não só está defensiva e no comodismo como está no fim da lista de alvos do fascismo bolsonarista – o que considero um desprestígio colossal para o gênero que nasceu rebelde e contestador.

Por tudo isso, é revigorante escutar “Polícia”, os Titãs, 35 anos depois de seu lançamento, um soco na cara da repressão seletiva e covarde que sempre caracterizou o aparato de segurança do Estado brasileiro – Forças Armadas e Polícias Civil e Militar.

A banda paulistana soube com nenhuma outra catalisar a raiva e a frustração de ser alvo de uma Justiça mesquinha e de uma policia cínica enquanto os barões do tráfico de drogas e da contravenção pouco eram incomodados.

Fazia apenas um ano que a ditadura militar tinha sido varrida para o esgoto, mas o pensamento autoritário ainda persistia e demoraria para a sociedade se livrar de parte desse ranço.

“Polícia” lavava a nossa alma e debochava de um sistema de repressão que sempre foi podre, pernicioso, preconceituoso e injusto, características que ainda perduram. “Polícia para quem precisa, polícia para quem precisa de polícia!!!!!!!!!!” 

Em 1986, era palavra de ordem e, diante de muitos e constantes abusos, a pergunta ficava no ar sempre que havia reunião pública que roqueiros e torcedores de futebol: quem precisa dessa polícia?

É estranho que, após o golpe contra a presidente Dilma Rousseff em 2016, essa música tinha sido pouco ou nada utilizada em protestos contra o mundo bolsonaro e contra as reiteradas ameaças fascistas.

Tudo bem que a pandemia de covid-19 não tem oferecido chances para que o aparato repressivo do Estado seja “homenageado”, mas antes mesmo do vírus a música ficou esquecida nos protestos. A moçada preferia muito mais “Até Quando Esperar”, uma pérola da Plebe Rude daquela época, mas que é menos incisiva e violenta do que “Polícia”.

Nas raras vezes em que foi entoada em festivais ou shows mais agressivos pelo país nos últimos dois anos, não incomodou policiais presentes, que ou não prestaram a atenção ou decidiram guardar fôlego para outras oportunidades mais “instigantes”.

“Polícia” é uma música que serve perfeitamente pra o nosso tempo, que bate recorde de mortes cometidas pelas Polícias Militares e que vê explodir a intimidação contra ativistas do movimento negro de direitos humanos nos últimos dois anos.

A letra da música, escrita depois de um incidente em que o guitarrista Tony Bellotto e o vocalista Arnaldo Antunes foram presos com pequenas quantidades de entorpecentes, é corrosiva e ácida em sua ironia e sarcasmo diante dos “agentes da lei” sedentos por encarcerar “roqueiros subversivos e maconheiros”. Tornou-se uma canção símbolo de uma geração e do rock nacional.

Que continue nos inspirando para as duras batalhas que virão, onde o mundo bolsonarista fascista vai esticar ainda mais a corda para provocar rupturas com o apoio de policiais militares igualmente fascistas e milícias criminosas beneficiadas com a facilidade de compra de armas.