Escolha uma Página

 Marcelo Moreira

Roger Daltrey (esq.) e Pete Townshend são os sobreviventes do Who (FOTO: DIVULGAÇÃO)


A burrice coletiva é um fenômeno mundial, por mais que a eleição de Jair Bolsonaro no Brasil nos faça liderar nesse quesito. Afinal, como qualificar a eleição de um fascista indigente intelectual como Donald Trump nos Estados Unidos e de seres do mesmo naipe na Hungria e na Polônia?

Os britânicos também merecem estar no topo da lista quando votaram pela saída da União Europeia em 2016, algo que só agora se concretiza e prejudica demais o comércio e a política da Grã-Bretanha. 

Pior ainda, condena toda uma geração de jovens a ficar sem todos os benefícios individuais de uma integração arduamente articulada por quase 50 anos.

O chamado Brexit, no entanto, vai impactar diretamente, em primeiro lugar, o mercado do entretenimento, especialmente os artistas da música. 

Excursionar pela Europa agora ficará bem mais caro, o que significa menos turnês para os artistas ingleses e ingressos mais caros para vê-los, caso resolvam encaram os aumentos significativos de custos. É mais uma notícia terrível em tempos de pandemia e de paralisação total de shows no mundo.

Curiosamente, negacionistas e defensores do Brexit entre os roqueiros mundiais agora reclamam, e muito, do “aumento dos custos” para tocar na Europa., o segundo maior mercado para turnês, depois dos Estados Unidos.

Como “estrangeiros”, os britânicos agora precisarão obter vistos de trabalho para tocar em 27 países europeus e terão de pagar taxas diversas para poder levar equipamentos para esses shows.

Um grupo de artistas de diversas áreas do entretenimento da Grã-Bretanha assinou um manifesto protestando contra o encarecimento do “negócio música” na Europa, exigindo que todas as “novas taxas” não sejam cobradas para evitar a “destruição do mercado musical”.

Entre os signatários de tal manifesto está, curiosamente, Roger Daltrey, vocalista de The Who e também com uma consistente carreira solo. 

Defensor ferrenho do Brexit em 2016, adorava bradar que o mundo dos artes não seria afetado pela saída do bloco europeu e encampava as teorias idiotas de que o Brexit era uma “independência de Bruxelas (sede da Comunidade Europeia)” e que a Grã-Bretanha finalmente se livraria de uma tirania de “mafiosos”.

Isso prova que nem os nomes mais importantes da história do rock estão livres da burrice coletiva e das fake news e do negacionismo – lembremos do caso de Eric Clapton e Van Morrison, que ainda hoje protestam contra as medidas de isolamento social na Inglaterra e no mundo mesmo com as alarmantes notícias de aumento de casos e mortes em muitos países.

Daltrey nunca teve papas na língua e nunca teve de vergonha de assumir posturas polêmicas em vários assuntos, na maioria das vezes para espezinhar e provocar o companheiro de banda, o guitarrista Pete Townshend. 

Apoia um relevante trabalho beneficente de anos e anos, o Teenage Cancer Trust, na Inglaterra, mas sempre se mostrou um ranzinza conservador em assuntos de comportamento e política internacional – algo compatível com a visão de um cara que já é bisavô.

Entretanto, às portas dos 77 anos de idade, parece que é uma tremenda cara de pau assinar um manifesto contra a nova situação fiscal europeia quando foi uma das vozes nas artes que mais defenderam o abandono da União Europeia. 

Bradar contra as taxas e o aumento de custos soa como uma imensa desonestidade intelectual. Que ele e sua banda arquem com as mais altas taxas possíveis caso queiram tocar na Europa para que sempre se lembre de como era boa e necessária a vida dentro da União Europeia.