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 Marcelo Moreira

É constante na história da humanidade observarmos quem supostamente do “lado certo” e do “lado errado”. Em grande parte das vezes, tal conceito depende do ponto de vista de quem se interessa pelo assunto. A coisa é tão complicada que há até quem veja o ditador Adolf Hitler do lado certo.

Nestes tempos de pandemia, seja por desespero, ou simplesmente por desonestidade intelectual/mau-caratismo, estamos observando gente inteligente e que sabe pensar se posicionando de forma horrenda do lado errado. 

Atendo-nos especificamente ao meio musical e roqueiro, são muitos os amigos ou conhecido que ainda merecem respeito, mas que, de forma oportunista, pregam abertamente a desobediência em casso graves de saúde pública.

Por mais que entendamos a crise violenta que atinge o mundo por causa da covid-19, e que devastou o setor de entretenimento/cultura primeiro e muito mais do que outros segmentos econômicos, não dá para tolerar comportamentos criminosos como os de defender a abertura total de bares, restaurantes, shoppings, lojas. 

Não para aceitar nenhum tipo de flexibilização das medidas de isolamento e confinamento social em um momento de superlotação de hospitais, falta de leitos em UTIs e número de mortes ultrapassando 205 mil.

De forma vergonhosa, músicos, profissionais da área de espetáculos e donos de bares e restaurantes estão estimulando uma verdadeira insurreição em lugares como São Paulo e Belo Horizonte, que apertaram as medidas de restrição de movimento para conter a disseminação do vírus.

Partindo abertamente para a desobediência civil, criticam os gestores municipais e estaduais e se fazem de vítimas – como se fossem as únicas -, clamando pelo “direito de trabalhar e ganhar o sustento”.

Épocas excepcionais requerem medidas excepcionais, como o lockdown e a proibição completa de qualquer tipo de espetáculo que provoque algum tipo de aglomeração. 

Cientistas e médicos são categóricos: não é hora de flexibilizar nada, pelo contrário; é preciso restringir mais e mais a circulação de pessoas e as possibilidades de aglomeração em um momento em que o número de casos explode novamente.

Sepultamento em Manaus durante a pandemia (FOTO: ALEX PAZUELLO/PREFEITURA DE MANAUS)

Repetindo: mesmo que, por desespero, músicos, artistas e donos de bares reclamem de forma estridente, com suas razões, pela paralisação de suas atividades, nada justifica bradar por desobediência civil em meio a uma catástrofe sanitária de proporções mundiais. 

Se a pandemia piora com as baixas adesões às medidas de isolamento social, com a sabotagem oficial do criminoso presidente e com parte dos serviços essenciais em funcionamento, imaginemos então como seria a mortandade sem as restrições.

Por mais que seja difícil ficar sem renda e ver os negócios patinarem ou sumirem, é necessário que haja empatia em relação ao que estamos vivendo em 2021. 

Se for necessário que fiquemos sem bares, restaurantes e shows de rock para que o número de mortes diminua e a doença seja controla, que assim seja. 

Que fiquemos sem essas coisas que são caras e importantes para muita gente, que empregam muita gente e movimente parte da economia. 

Infelizmente, ainda que crie precedentes para os fascistas e inimigos das artes e do conhecimento, podemos viver sem a gastronomia, sem o chope com os amigos no boteco e sem o show presencial que tanto amamos. 

Muita gente está morrendo pela imprudência e pelo desprezo de milhões de vagabundos que continuam frequentando praias, festas, bares e restaurantes. Serão estes milhões de vagabundos os responsáveis por outras dezenas de milhares de mortes.

É vergonhoso ver músicos e empresários do setor de entretenimento e gastronomia vomitando que, em vez de restringir, é necessário liberar geral para que “o setor não quebre e para que os trabalhadores voltem a sorrir”.

Sorrisos virão com vacinas e controle da pandemia, o que só ocorrerá, na melhor das hipóteses, em meados do segundo semestre. Até lá, é guerra contra o vírus e isolamento social rígido, que inclui um lockdown ferrenho, com proibição de shows e permissão apenas para que serviços essenciais funcionem. 

Bares, restaurantes e casas de shows não são essenciais e precisam ficar fechados por tempo indeterminado, assim como escolas e faculdades. Simples assim, com as consequências que vierem, por mais graves que sejam. É possível recuperar a economia, mas vidas, não.

É desagradável dizer a amigos músicos, empresários ou profissionais de bastidores de espetáculos que eles estão errados, muito errados, ao reivindicarem a flexibilização e liberação geral das atividades de entretenimento. 

Esse tipo de reivindicação beira o crime sanitário diante da crise em que vivemos, para não falar em desrespeito aos mortos e aos familiares de mortos por conta da covid-19.

Esse tipo de comportamento é um sintoma do que deveremos enfrentar quando a pandemia for controlada: mais polarização, mais divisão, mais ressentimento e mais ódio. 

Quem lutou pela vida e defendeu as restrições comportamentais para conter o vírus será visto como um inimigo da economia e da “pátria”. Serão responsabilizados por alguns como os culpados pela “quebra” do país e pelo “aprofundamento da recessão e da crise econômica”. Que assim seja, se for o preço para que consigamos preservar o maior número de vidas e eliminar o vírus. 

É mais fácil culpar os adversários do que o vírus invisível e devastador. Não deixa de ser surpreendente em um tempo em que é necessário implorar para que entendam a importância da vacinação e repetir exaustivamente que a Terra é redonda.