Escolha uma Página

Alex Malheiros, do Azymuth (FOTO: EUGENIO MARTINS JUNIOR)

Eugenio Martins Junior – do blog Mannish Blog

Os navegadores do passado se orientavam pelo azimute em suas grandes jornadas pelos mares do planeta, sempre baseados no horizonte à frente. Isso nem sempre garantia uma viagem tranquila, pois, como diria o poeta, “o mar da história é agitado”.

O caminho traçado pelo Azymuth, grupo brasileiro de jazz criado no começo dos anos 70 por Roberto Bertrami (teclado), Alex Malheiros (baixo) e Ivan Conti (bateria), compreende um mar de histórias, entre perdas e glórias.

Desde o começo glorioso e a parceria com Marcos Valle que valeu o nome ao grupo, às excursões e gravações com a nata da música brasileira ao longo das décadas seguintes – Clara Nunes, Hyldon, Tim Maia, Airto Moreira e Flora Purim. Com a primeira perda de um integrante, Bertrami, no final dos anos 80. E a segunda, Malheiros uma década depois.

À glória dos anos 90 com o reconhecimento pelas bandas gringas da nova onda de acid jazz – Jamiroquai, Incognito e Brand New Heavies – pelo trabalho pioneiro do Azymuth, este sim, especialista em fundir o nosso jazz com o deles. É fusion que diz?

Também nessa época, muitos DJs internacionais seguiram as manhas do Azymuth em suas próprias jornadas, criando sons e amealhando plateias ao redor do planeta.

À volta por cima com a banda completa novamente gravando a fazendo shows até a perda definitiva de Bertrami em 2012.
À entrada de Kiko Continentino (teclado) trouxe a brisa marítima de volta ao som do grupo.

E foi em frente ao mar, na praia de Costazul, que assisti à incrível apresentação do Azymuth com o DJ Nuts no festival de Rio das Ostras, em novembro de 2021. Segundo Malheiros, eles não haviam nem ensaiado para esse show.

Com meio século de história, o Azymuth tem essa capacidade, a de reunir uma plateia de jovens. Percebi que, após o show, toda uma galera que estava na frente do palco saiu dali para falar com o Mamão, o Alex e o Continentino, inclusive, músicos de outras bandas que estavam ali, hipnotizados, assistindo o show no cockpit, integrantes da banda do Jon Cleary e Delvon Lamarr

Ivan ‘Mamão’ Conti, do Azymuth (FOTO: EUGENIO MARTINS JUNIOR)

Essa entrevista ocorreu no dia seguinte ao show. No café da manhã da pousada onde eu e o Alex estávamos hospedados.

Eugênio Martins Júnior – O que achou do show de ontem?

Alex Malheiros – Foi uma volta retumbante. Gostei muito. Foi a primeira vez que a gente tocou após todo esse tempo de pandemia. A gente fazia as coisas em casa, mas não é a mesmo coisa. Com público é outra coisa. Quanto mais com um público bacana. Só tenho a agradecer.

EM – Quantos ensaios precisaram pra voltar à velha forma?

AM – Esse era o nosso problema. Não tivemos ensaio. Passamos só uma música, eu na minha casa, o Kiko Continentino e o Mamão, a distância. A trilha não fica certinha, mas deu pra fazer. E acabou que não a tocamos. Fomos lembrando as músicas e tocando. Iniciamos numa boa e no meio do show já estava ótimo.

EM – Hoje estão todos no Rio?

AM – Não exatamente. Eu moro em Niterói, na região oceânica, que é em frente a Copacabana. O Mamão mora num lugar mais perto de Rio das Ostras, que é um lugar chamado Saquarema. Lá é o lugar do surfe e do vôlei.

EM – O Azymuth é uma banda que surgiu no final dos anos 60 e começo dos 70 no Rio de Janeiro, quando ainda era chamada de cidade maravilhosa. Esse Rio de Janeiro ainda inspira vocês a fazer essa música ou está muito barra pesada.

AM – Tá barra pesada. O Rio de Janeiro é outra coisa. Mesmo morando em Niterói, eu saí garoto para tocar nas boates do Rio, no Beco das Garrafas. E veio a turma de Minas, o Milton Nascimento, o Wagner Tiso, Pascoal Meireles. Éramos todos da mesma idade. Era outra coisa, a gente trabalhava até as quatro da manhã em uma boate, em outra, uma escola. Dava pra andar, por lá. O estado do Rio de Janeiro caiu muito. Com o aumento da densidade demográfica é normal que isso aconteça, é no mundo todo. Não há muito saída.

EM – A saída é a condição de vida melhorar para todos e não só para alguns.

AM – É o que que gente sempre espera e não acontece. O Brasil tem um potencial maravilhoso e fica na mão das pessoas de qualquer maneira. Tanto de um lado quanto do outro as pessoas aproveitam. Já é uma tradição desde o Império. A dilapidação da nossa riqueza. Respeito Portugal, é lindo, maravilhoso, mas o nosso ouro foi embora. Mas a gente não vive de ouro. A gente vive de esteio, de segurança, compartilhamento, e isso foi acabando. Eu sou um socialista por natureza, de coração. Fui para a França e fala: “Viva l’,anarchie!”. Meu sogro me falava para não falar aquilo. Como não? É como os índios vivem. Em completa união. Tem o chefe, mas ele é o tutor e não o mandatário. Não é o coronel.

EM – Nem o capitão.

AM – Nem o capitão. Capitão é pouco. Três estrelinhas. Eles têm essa onda, né? “Ah eu sou mais do que você”. Como é que você é mais do que um cientista que descobre as vacinas? É muito duro, na idade que estou, passar por um mundo desse. Meu pai já falava que não conseguia ver melhora. Eu já passei da idade dele e será que não vou ver? Ontem a Marieta Severo na televisão disse “Será que eu, com a minha idade, ainda vou ver a coisa ficar bacana novamente?”

EM – Podemos voltar na política daqui a pouco. O Azymuth parou um tempo, até pela sua saída. E nos anos 90 um movimento de da bandas europeias de acid jazz colocou o nome do Azymuth em evidência novamente. Vocês voltaram e não pararam mais. Gostaria que falasse sobre isso.

AM – Foi muito bom ser reconhecido pelos DJs jovens. O pessoal que conhecia o Azymuth desde garoto. A data de 1975 foi do primeiro disco, mas a gente havia feito muitas outras coisas. O nome vem do disco do Marcos Valle, era dele, mas na verdade era Orquestra Azymuth. Era um conjunto de estúdio. Nós nos apropríamos do nome, numa boa. Pedimos à gravadora, como se o Marcos fosse o nosso padrinho. Quando chegou nos anos 90 essas gravadoras indie e os DJs adotaram o Azymuth novamente. Porque tem uma linguagem fácil. É bom de samplear. Os caras se apaixonaram. Essa tendência fez com que fossemos conhecidos por cada vez mais jovens. Ontem eu fiquei impressionado. O Stênio, o produtor do festival chamou a nossa atenção para o público de jovens que estava lá na frente. Nós já estamos vendo isso há um tempo. Chegamos na França em 2016 e já havia um pessoal jovem esperando a gente em uma boate famosa, a New Morning. E eles cantavam!

EM – Você diz que é simples mas quando vocês começam a quebradeira não é bem assim.

AM – (risos). A irmã do Kiko, que mora na Alemanha, diz que é uma música xamânica. É verdade, a gente está sempre puxando coisas do astral. O lance espiritual, transcendental. Tem gente que não acredita. Mas isso é muito bom para o Azymuth.

EM – Ontem eu estava na frente do palco fotografando e vi muitos jovens chegando ali, mas logo após o show terminar muitos foram embora. Ou seja, eles estavam ali só por causa do Azymuth.

AM – Isso é muito legal. Ontem encontramos com o baterista norte-americano, de New Orleans, que já conhecia o Azymuth. E ficou ali reverenciando o Mamão. Isso é importante porque o tempo fez com que a coisa não morresse.

EM – Como surgiu a ideia de chamar o DJ Nuts?

AM – Já havíamos tocado com ele. Nos encontramos nos Estados Unidos em um festival em Los Angeles. De lá para cá fizemos várias coisas.

EM – E essa procura pelos DJs e gravadoras abriram as portas para o Azymuth na Europa?

AM – Com certeza. Na verdade nós já tínhamos discos internacionais, lançamos nos Estados Unidos, Japão, pela Fantasy, famosa no cenário jazzístico. As músicas do Azymuth não são complicadas, já li críticas importantes que a nossa música é simples, mas especial. Entendeu? É única, nossa. E gostamos de dar essa oportunidade de todos usufruírem dessa simplicidade.

EM – O quê a entrada do Kiko Continentino acrescentou ao Azymuth?

AM – A linguagem é a mesma, mas trouxe algumas novidades. Eu e Mamão somos de uma época diferente. Começamos nos anos 60 e ele começou a estudar o que a gente fazia, mais as coisas naturais da época dele, nacionais e internacionais. E como todo jovem assimila as coisas com muita facilidade. Quando éramos jovens nós também procuramos nosso espaço, por isso fomos parar na bossa nova.

EM – Voltando a falar sobre o Brasil, estamos tentando retomar a vida, mesmo com essa tragédia que está acontecendo, cinco milhões de mortos pela Covid-19 ao redor do mundo e mais de 610 mil no Brasil. O brasileiro não contou com nenhum apoio do Governo Federal. Como você analisa essa situação? E também como vê o tratamento do governo com a cultura?

AM – Os caras não se importam com o outro. A cultura pra eles não existe. Acho que temos de respeitar todas as opiniões. Como disse antes, tem a ver com o anarquismo, de envolver a tudo e a todos, de não ter um chefe. A vida é tão curta. Ontem mesmo perdi um amigo, um jornalista com 55 anos. A gente fica triste de ver tantas perdas. O mundo mudando totalmente. Era para o ser humano ter aprendido tanta coisa, mas ainda não alcançou esse momento sublime, o de entender que tem de haver uma harmonia. O homem não precisa de ninguém mandando nele, dessa hierarquia. Isso é coisa do passado. Com todo o respeito à esquerda, direita, centro, todos almejam o poder. Isso é muito triste no ser humano, ser poderoso. “Eu sou o poder”.

EM – Como estão as composições novas?
AM – Mexo muito com tecnologia, estúdio, conheço alguma coisa. A minha filha que é cantora me ajuda. Ela já tem um nome lá fora, aqui ninguém conhece, Sabrina Malheiros.