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 Marcelo Moreira

David Coverdale (esq.) e Jimmy Page em 1993 (FOTO: DIVULGAÇÃO) 

Não era para dar certo, ninguém estava a fim, ninguém se esforçou muito… Então para que insistir?

David Coverdale, o eterno mentor do Whitesnake, afirmou recentemente que achou alguns trechos de composições da época em que trabalhou com Jimmy Page, em 1993, e que existem pelo menos quatro músicas prontas esperando mixagem, sobras do álbum daquele ano.

E o que Jimmy Page acha disso? Segundo o cantor inglês, estaria propenso a rever a parceria e resgatá-la para 2022 ou 2023 com o material que Coverdale pretende enviar. Podem virar um novo trabalho ou serem incluídas em uma caixa comemorativa dos 30 anos do lançamento do disco único.

Como Page ainda não se manifestou publicamente, parece que a recepção dessas “propostas” não foi das mais efusivas, mesmo o mundo vivendo uma pandemia e as atividades todos, restritas – é bom lembrar que os dois setentões são do grupo de risco da covid-19.

Como diz um bom amigo fã de memorabilia musical, se houvesse realmente algo de interessante nos arquivos já teria sido editado, e muito antes, quando ainda era possível ganhar dinheiro com música e relançamentos.

O projeto Coverdale-Page teria sido uma boa ideia se pensado e colocado em prática alguns anos antes. No auge do grunge, não passou de um projeto passageiro e sem muito entusiasmo dos dois astros do rock inglês.

Foi uma ideia de um empresário que, coincidentemente, trabalhava com os dois músicos em 1992. Jimmy Page procurava algo para fazer e o nome de David Coverdale surgiu. 

O guitarrista confessou depois que nada conhecia do trabalho do cantor, seja no Deep Purple ou no Whitesnake (pouca gente acreditou nessa) e emos princípio descartou a hipótese. Lembrou-se de The Firm, banda que formou com o amigo Paul Rodgers (ex-Bad Company e Free), que terminou de forma melancólica em, 1986.

Diante da insistência de empresários e amigos, decidiu conversar com Coverdale e agendaram ensaios em um estúdio em Londres. 

Ninguém parecia muito empolgado, mas ainda assim alguns músicos foram convidados para jams e tentativas de composição. 

O fato é que uma volta do Led Zeppelin estava sendo negociada à época, mas a iniciativa fracassou por conta de da agenda da Robert Plant e de algumas de suas exigências. Page teria de esperar, o que o enfureceu. Por isso seguiu com o plano B, que era Coverdale.

Para surpresa geral, os dois astros – Coverdale e Page – fizeram cinco músicas em duas semanas e combinaram de gravar um álbum. 

Lançado no começo de 1993, teve boa repercussão e vendeu razoavelmente bem, a ponto de uma turnê ser agendada meio às pressas. 

Entre as músicas que fizeram algum sucesso estão “Shake My Tree”, com seu riff contagiante, o blues pesado “Absolution Blues” e as baladas “Take Me For a Little While” e “Take a Look at Yourself”, para não falar da zeppeliniana “Over Now”.

Os críticos não gostaram. Reclamaram da falta de criatividade e do repisamento de vários clichês dos anos 70 – no que estavam corretos. Além do mais, Coverdale foi crucificado pela gritaria em muitas músicas, como “Absolution Blues” e “Pride and Joy”, sendo acusado de tentar emular Robert Plant em algumas passagens.

Quando a turnê começou pelo Japão já haviam muitas desavenças, principalmente entre Coverdale e os empresários de Page e os responsáveis pelo empreendimento. Foram apenas sete shows no Japão e o fim do projeto que não empolgou ninguém. 

Era o que Page precisava para retomar os contatos com Plant e criar, finalmente, o Page-Plant, que se tornou realidade em 1994 e durou até 1999.

“Coverdale-Page”, o disco, agradou aos fanáticos pelo classic rock, mas soou datado e deslocado em um mundo dominado por algumas bandas grunge ruins e pelo então emergente brit pop de Oasis e Blur.

 O hard rock predominava, mas a base blues soava como cópia do melhor que o Whitesnake fizera nos anos 70, com uma guitarra cansada de Page, totalmente sem inspiração. Por que resgatar algo que não empolgou nem mesmo os protagonistas?

Que se pense em uma caixa comemorativa para 2023, ok, faz sentido e é pertinente, mesmo com o resgate das músicas que não entraram no álbum. Mas voltar à ativa, quase 30 anos depois, pra compor novas canções relativas a um projeto sem grande inspiração? 

É preferível que Coverdale continue sua campanha de resgatar clássicos do Whitesnake com novas mixagens, como fez com “Rock Album”, “Love Album” e “Blues Album”, lançados entre janeiro de 2020 e janeiro de 2021 com resultados ótimos.

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