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Edição da revista Manchete que comemorava, em 1982, os 20 anos do lançamento do primeiro compacto dos Beatles. Os fascículos eram amarelos em foram publicados semanalmente por várias edições

No saudosismo que tomou conta de e gerações de roqueiros nesta quarentena imposta pela pandemia de covid-19, muita gente mergulhou no passado ao se enfronhar em suas coleções de LPs e CDs, aproveitando para apresentar os formatos aos filhos, netos sobrinhos.

Sobraram histórias boas de visitas à Galeria do Rock, no centro de São Paulo, e boas lembranças de lojas de discos nas ruas, principalmente nos centros de São Paulo e Rio de Janeiro.

O rock e o blues entraram pelas veias em uma loja do tipo, mas nem sempre elas tinha algo tão importante quanto a música: a informação sobre a própria música e seus artistas.

Por que tão pouca gente se lembra de contar histórias bacanas sobre as bancas de jornal?

A partir dos anos 80, elas se tornaram fonte primordial de informação e de consumo sobre música, desde um simples jornal do dia, que anunciava o lançamento de tal disco ou o show de tal banda, até aquela revista especial sobre tal banda e tal artista. Mais para frente, começaram a vender CDs e DVDs baratos, mas que serviram para formas turmas de roqueiros e, por que não, músicos.

Minha admiração pelos Beatles só aumentou quando completei a coleção sobre a história da banda publicada em fascículos amarelos na revista Manchete, em 1982. De autoria de Roberto Muggiati, tinha texto leve e saboroso e mostrou um panorama bem interessante do quarteto.

Quando não tinha dinheiro para comprar a revista, rodava pelos barbeiros do bairro implorando para permitir que eu destacasse os fascículos que, aparentemente, atraíam pouca atenção e iriam para o lixo tempos depois.

Foi em uma banca de jornal de Guarulhos que comprei a primeira revista-pôster dos Rolling Stones, com a discografia até então e a história resumida da banda.

Foi em uma banca de jornal que achei uma fita pirata ao vivo do Led Zeppelin, no centro de Santo André, que me abriu as portas para conhecer a banda e completar a coleção de LPs ao longo dos anos.

E o que dizer do Kiss, que tocou no Brasil em 1983? Envolta em diversos preconceitos, a banda era amada e odiada, principalmente depois que os jornais sensacionalistas começaram a explorar as lendas idiotas a respeito do quarteto.

Coube à imprensa séria “desvendar” a história daqueles “monstros mascarados” que já tinham dez anos de carreira e que caminhavam para abandonar as máscaras,

Revista-pôster dos Rolling Stones, da Som Três, reeditada várias vezes no Brasil nos anos 80

E foi numa banca de jornal, na Vila Guarani, pertinho do Jabaquara, na zona sul de São Paulo, que pude ler e entender o que era o Kiss quando o seu Afonso, o dono da banca perto do colégio, me deixou ler todos os jornais e revistas que traziam informações do Kiss por pelo menos três semanas.

Os DVDs “quase piratas”, e depois os oficiais, começaram a ganhar espaço em revistarias e postos de gasolina nas estradas, e também nas bancas de aeroportos.

Ao mesmo tempo, muitas revistas de rock nacionais aderiam à moda inglesa de encartar CDs coletâneas e DVDs, isso já nos anos 90. Era uma excelente sacada, tornando-se a porta de entrada para o rock e para metal no caso de muita gente.

Quantas bandas brasileiras boas não conhecemos por meio dessas revistas? Dark Avenger, Dr. Sin, Torture Squad, Wizards, Karma, Destra, Eterna, Oficina G3 e muitas, muitas outras.

A banca de jornal era um parque de diversões tão importante quando as lojas de música. No auge, ofereciam quase 20 títulos, entre revistas semanais, jornais, revistas mensais de instrumentos e vendendo os próprios CDs.

Na avenida Paulista, em São Paulo, houve um tempo em que os funcionários das bancas permitiam um monte de moleque sentar em corredores das imensas bancas para folhear as revistas estrangeiras, então proibitivas pelos preços altos de importação.

Eram horas de alegria para ler alguma coisa em inglês ou em espanhol de artistas novos ou especiais imensos sobre os clássicos – Kerrang!, Burrn, Metal Hammer, Q, Melody Maker, Rolling Stone, New Musical Express…

Ao final da degustação, os garotos sempre compravam alguma revista brasileira, fosse a Backstage, a Roll, a Rock Brigade, a Som Três, a Música, a Bizz, a Guitar Player, a Cover Guitarra…

As bancas de jornais foram fundamentais para a disseminação de informação entre os roqueiros brasileiros e são parte indissociável da expansão do gênero musical por aqui.

A mudança radical na comunicação neste século praticamente relegou as bancas a oferecer produtos para pequenos nichos. Vende-se cada vez menos jornais e revistas, que estão desaparecendo com certa rapidez.

As bancas tiveram de se reinventar, a pandemia veio para jogar mais um pouco de pá de terra no segmento. Já não vemos mais revistas de música u de arte – não vemos quase revistas, na verdade.

Perdeu-se uma referência importante de mercado, e mais ainda, de informação, ou de falta de informação. É uma tendência que segue firme ao tsunami que se abateu sobre as lojas de CDs e DVDs, que não existem mais.

Tirando a Galeria do Rock, em São Paulo, só é possível achar CDs, DVDs e LPs em sebos. As centenas de lojas do bairro de Pinheiros, na zona oeste, deram lugar a cafeterias ou lojas de telefonia celular.

Algumas resistem, como a Metal e A Gruta, em Santo André, Heavy Metal Music, em Americana, a Merci, em São Bernardo, e a Iron Fist Rock Wear, em Santos.

A impessoalidade predomina no consumo de música digital nos dias de hoje. São os downloads ilegais, com seu som péssimo, ou a coisa sem emoção dos serviços de streaming. Conversas e debates sobre rock, hoje, estão restritos a chats ou lives em redes sociais, quando não nas tretas em comentários de posts.

Não dá para ser ranzinza ao ponto de dizer que antigamente era melhor. Era bem diferente, com mais interação e, aparentemente, um interesse maior em informação. E a banca de jornal era tão importante quanto a loja de discos.

Ao som daquele LP importado de The Who, uma coletânea inglesa, ou de “Painkiller”, obra-prima do Judas Priest que completa 30 anos, saudemos a banca de jornal nestes tempos nostálgicos de clausura e isolamento social.