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Cercado por coalas, cangurus, morcegos gigantes e improváveis aranhas, lá da Austrália meu amigo Fernando Vives aproveita a segura distância que ele tem e frequentemente me provoca: “Caetano Veloso é o maior roqueiro brasileiro do século vinte e um”. Claro que nem Caetano Veloso aceitaria este título – huuum, pensando bem, é capaz dele aceitar, sim, mas pouquíssimas vezes ele se dedicou ao rock. No entanto, Caetano (80 anos hoje) é, sem dúvida, o mais influente artista brasileiro desde seu surgimento. Até arrisco a dizer, o mais infuente artista brasileiro desde sempre.

Juntamente com seus colegas tropicalistas, antropofagicamente revisou e adaptou a psicodelia que bombava na Inglaterra e nos Estados Unidos nos anos 60 e definiu não só os rumos da música, mas da cultura brasileira a partir de então. Nada passava imune à Tropicália: música, artes visuais, literatura, Cinema Novo, Cinema Udigrudi ou televisão. Hendrix, VIcente Celestino, Coca-Cola, sertão, Maria Fulô, a maior cidade da América do Sul, tudo cabia dentro caleidoscópio tropicalista. Como dizia a música, “É proibido proibir”, tudo era possível. Se ao longo das décadas seguintes, vimos maracatu com rock, forró com hardcore, heavy metal com tambores afroindígenas, tudo isso tem a ver com o caldeirão antropofágico proposto pelo tropicalismo.

Menos músico que seu parceiro Gil, Caetano sofreu mais nos tempos de exílio em Londres. Gil rapidamente se conectou à cena local e infuenciado por bandas como Blind Faith ou pelos imigrantes caribenhos que frequentavam Portobello Road, chegou a projetar uma carreira internacional. Caetano, mais arredio, buscou uma sonoridade mais brasileira, mas ainda assim legou um dos mais importantes álbuns da música brasileira, “Transa”.

Ironicamente, durante o exílio inglês, ele foi apresentado a outro artista igualmente revolucionário (e camaleônico – este adjetivo cai perfeitamente a Caetano): David Bowie. Ralph Mace, produtor dos álbuns londrinos de Gil e Caetano, imaginou que talvez o último pudesse compor com e para Bowie e fez a conexão entre os dois. Diz a lenda que nenhum dos dois, se empolgou com o encontro e a coisa acabou morrendo ali mesmo. O fato é que, assim como Bowie, Caetano é, ao longo de sua carreira, provocativo, ambíguo, vasto e polêmico. Goste-se ou não dele, é impossível ficar alheio ao que ele fala, pensa ou canta. Ou até mesmo quando ele estaciona no Leblon.

Quando Tim Bernardes, um dos principais nomes da música brasileira surgidos nas últimas duas décadas, descobriu o álbum “Transa”, ainda adolescente, ficou incomodado com a ausência de uma coisa. Com a pandemia, ele aproveitou o tempo livre para cumprir uma promessa feita a um amigo de escola (o baixista Guilherme D’Almeida, d’O Terno, assim como Tim): sobrepor à gravação original a guitarra fuzz que ele sempre achou que faltava. O resultado está no vídeo abaixo (espero que Jards Macalé o tenha perdoado):

Parabéns, Caetano pelos 80 anos.