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 Marcelo Moreira



Os primeiros teóricos do socialismo dito real, aqueles que iam para as ruas tentar “converter” as pessoas, a partir de 1890 até o fim da I Guerra Mundial, batiam sempre numa tecla: a revolução começa no quintal de casa – mantra adotado pelos cubanos de Fidel Castro 40 anos depois.

Muitos artistas e veículos de imprensa, entre eles o Combate Rock, se esforçam para defender a liberdade de expressão e a democracia em tempos cinzentos e perigosos onde nuvens fascistas que rondam nossa sociedade ficam cada vez mais densas.

Mas de que adianta essa cruzada se os próprios roqueiros, que deveriam prezar pela democracia e pela liberdade de expressão, quando não defendê-la, insistem numa suposta isenção que só beneficia os fascistas, em especial o nefasto presidente da República? Isso, obviamente, quando não passa de mera cortina de fumaça para não revelar sua face bolsonarista verdadeira.

Depois de um tempo passando muita vergonha, essa gente isentona e bolsonarista volta à carga, sai do armário e recomeça com a “campanha” de que rock/música/arte não se misturam.

Foi assim que alguns idiotas atacaram uma postagem nas redes sociais de Clemente Nascimento, guitarrista dos Inocentes e da Plebe Rude. Ele publicou um cartum de uma bandeira brasileira vermelha encharcada de sangue, em alusão aos mais de 265 mil mortos pela pandemia de covid-19 – e uma crítica pesada ao presidente genocida.

Foi o que bastou para os imbecis protestarem contra o músico, vomitando que não dá para misturar rock com política e que deixariam admirá-lo, de segui-lo e de escutar suas músicas – uma bênção para Clemente se livrar desses vermes.

Em que momento esses seres desprezíveis não entenderam as letras das músicas dos Inocentes e da Plebe Rude? E nem podem usar a desculpa do idioma, como alguns estúpidos podem um dia alegar em relação ao trabalho de Roger Waters (ex-Pink Floyd), que canta em inglês.

O Combate Rock também foi alvo que questionamentos e tentativas de “cancelamento” por se posicionar contra o fascismo e as ameças constantes à democracia. É a mesma ladainha de sempre: “rock e política não se misturam, ainda mais se for política de esquerda”.

Claro que fica a sensação de estar pregando no deserto quando este tipo de coisa acontece em “nosso quintal”, onde supostos apreciadores de rock supostamente bem informados se mostram alienados e alinhados com pensamentos pútridos de direita e assumindo posturas fascistas em todos os sentidos.

Será que essa gente não entendeu nada do que escutou? Nadinha? Nem mesmo as anedotas musicais bem humoradas de Raul Seixas – e bem certeiras e incisivas? 

Ou será que acham que nem mesmo uma canção instigante como “Inútil”, de Ultraje a Rigor e do hoje inútil Roger Rocha Moreira, é uma peça política contundente?

É desanimador que tenhamos fracassado em catequizar o nosso próprio quintal. Dificulta a difusão da mensagem correta e enfraquece os discursos antifascistas. 

Precisamos de caminhos mais claros e mensagens mais simples para primeiro amenizar a influência dessa gente estúpida, para depois conseguirmos, de algum jeito, neutralizar as ideias fascistas e conscientizar do perigo antes de pensar em converter quem quer que seja.

No entanto, numa sociedade doente e em permanente crise moral, onde as medidas de isolamento social são contestadas e ignoradas em prol da morte, como exigir consciência, bom senso e sabedoria diante de tamanha indigência intelectual e cultural generalizada?