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  Flavio Leonel – do site Roque Reverso

O clássico álbum “Arise”, do Sepultura, completou 30 anos de existência nesta quinta-feira, 25 de março de 2021. Obra-prima do thrash metal, o disco representou um momento histórico da banda brasileira, fazendo com que o grupo fincasse sua bandeira entre os grandes do heavy metal mundial.

Com músicas de qualidade, peso e rapidez, além de um entrosamento admirável, o “Arise” traz o Sepultura no início de sua melhor fase, condição que levaria o grupo ao estrelato internacional e consagraria a banda como orgulho nacional para sempre.

Para muitos fãs de carteirinha do Sepultura, o álbum “Arise” é considerado o melhor da banda. Para a maioria da crítica especializada, o disco de 1991 faz parte da “trinca sagrada” da banda.Esta trinca também conta com os grandes “Chaos A.D.”, de 1993, e “Roots”, de 1996.

O fato é que “Arise” traz o Sepultura com aquela fome dos grupos jovens querendo mostrar para o mundo que são os melhores do universo. Se o ótimo disco “Beneath The Remains”, de 1989, foi praticamente um passaporte para a banda brasileira penetrar no cenário internacional do heavy metal, o álbum de 1991 traz o grupo dando aquele “chute na porta”, chamando a atenção definitivamente de todo o cenário do heavy metal.

Contexto da época

Nos tempos atuais, nos quais tudo é possível com um clique no celular, pode até ser estranho para as gerações mais novas, mas tudo era mais difícil em relação à divulgação, vitrine e consagração de uma banda de rock pesado, ainda mais quando ela é de um país sul-americano e sem qualquer tradição no heavy metal internacional, mas sonha em entrar neste mundo.

Com o “Beneath The Remains”, o Sepultura já havia sido notado internacionalmente e já participava de alguns festivais internacionais, como clássico Dynamo Open Air em 1990. Mas, apesar do sentimento geral de quem gostava de heavy metal, ainda era uma banda coadjuvante no death metal e ainda mais no thrash metal, perto de gigantes históricos, como Metallica e o Slayer.

Com planos ambiciosos, o Sepultura tinha com o Arise a possibilidade de gravar seu segundo álbum consecutivo com a gravadora gringa Roadrunner Records. Se, com o “Beneath The Remains”, a gravação foi feita no tradicional estúdio brasileiro Nas Nuvens, no Rio de Janeiro, com o disco de 1991, a estrutura já foi diferente.

Tudo porque os músicos gravaram o “Arise” na Flórida, nos Estados Unidos, no Morrisound. Agora, o produtor Scott Burns, que já havia cuidado do “Beneath The Remains”, estava em seu território e com todo a aparato de um estúdio preparado para um som de heavy metal.

Foi possível, com isso, tirar o máximo dos músicos. Max Cavalera (vocal e guitarra), Igor Cavalera (bateria), Andreas Kisser (guitarra) e Paulo Júnior (baixo) finalmente poderiam começar a lutar de igual com a bandas gringas e mostrar que queriam conquistar o mundo.

No Brasil, em tempos onde a internet não existia e a MTV Brasil ainda não tinha 1 ano de existência, gostar, seguir e se informar sobre o heavy metal era coisa para guerreiros. Eram tempos de undeground puro e, para ficar antenado sem ter que comprar revistas importadas em pleno período de hiperinflação, o fã tinha como fonte de informação a revista Rock Brigade, o programa Comando Metal, da 89FM, e o programa Backstage, então na 97FM.

As duas rádios paulistas (uma da capital e a outra do ABC) eram as que traziam mais rapidamente os materiais novos por meio destes dois programas. Especificamente no Rio de Janeiro, ainda havia a Fluminense FM, popularmente conhecida como “Maldita”, por focar a programação no rock e dar oportunidade para bandas novas.

Em São Paulo, ainda havia dois redutos de headbangers indispensáveis na época: a loja de discos Woodstock, de Walcir Chalas, que também apresentava o Comando Metal, e a Galeria do Rock – ambos ainda existem e lutam para sobreviver em tempos de streaming. Ainda havia, claro, em Belo Horizonte, terra natal do Sepultura, a mítica Cogumelo Records, que abriu as portas para a banda e tinha forte influência na cena local.

Toda cena underground do heavy metal tinha o Sepultura como uma aposta de que o Brasil poderia dar certo internacionalmente. E o simples fato de a banda já ter brilhado com o “Beneath The Remains” e participar de festivais bacanas do metal já era motivo de orgulho inacreditável entre os headbangers brazucas.

Enquanto isso, com exceção das revistas de metal e dos fanzines, o Sepultura era pouco notado pela grande imprensa musical, com, no máximo, notas de rodapés, ainda que se soubesse da qualidade da banda.

Rock in Rio

Foi então que o grupo foi anunciado para participar em janeiro de 1991 da segunda edição do Rock in Rio, em plena noite das bandas mais pesadas, no Estádio do Maracanã. Era a primeira vez que uma banda brasileira de heavy metal tocava num grande festival.

Na noite que teria o Guns N’ Roses no auge de popularidade como headliner e nada menos que Judas Priest, Megadeth e Queensrÿche (todo eles pela primeira vez no Brasil), estava ali o Sepultura, tocando ainda de dia, mas com uma multidão de mais de 70 mil pessoas, num horário tradicionalmente menos favorável e com aquele calor de janeiro do Rio.

Foi ali que a grande imprensa da música começou a notar pela primeira vez pra valer a banda, enquanto a comunidade brasileira do heavy metal entrava em êxtase.

O “Arise” ainda não estava pronto, mas o Sepultura precisava aproveitar visibilidade gigante do Rock in Rio para angariar novos fãs. E a solução foi disponibilizar um versão do disco com uma mixagem diferente da realizada na versão definitiva por Andy Wallace. A capa também era diferente e trazia a arte incompleta da original.

O álbum

O disco começa com uma trinca matadora de músicas que pode ser colocada entre as mais impactantes do thrash metal. A faixa que dá nome ao álbum, além de “Dead Embryonic Cells” e “Desperate Cry” são daquelas que já valem o disco.

A primeira e a segunda contaram com clipes gravados nos Estados Unidos, sendo que o de “Arise” foi censurado por lá por trazer a imagem de Jesus crucificado com máscara de oxigênio. Logo com a faixa-título era possível ver um Sepultura faminto para mostrar o que sabia. Rápida, envolvente e com a tradicional letra antenada que marcou o grupo na maior parte da carreira, a música já entrava para as favoritas dos fãs.

Com “Dead Embryonic Cells”, o cenário não é diferente e, para muita gente, a faixa é a melhor do álbum. Mais cadenciada, mas recheada de elementos importantes do thrash e um riff empolgante, a música fatalmente está entre as Top 10 do Sepultura. Tente ouvir essa música sem mexer a cabeça e o pescoço pelo menos em algum momento e você provavelmente fracassará.

“Desperate Cry” é outro petardo que não é inicialmente tão rápido como “Arise”, mas traz uma quantidade de variações de andamento que faz o Sepultura não ficar atrás de qualquer banda seminal do thrash metal. Igor Cavalera está simplesmente um monstro da bateria nesta faixa, ratificando a fama de grande músico.

A MTV Brasil entendeu o potencial do Sepultura e rodava exaustivamente o clipe ao vivo de “Desperate Cry” gravado em show em Barcelona já na turnê europeia da banda em maio de 1991. Foi o mesmo show que rendeu o então filme em VHS “Under Siege (Live in Barcelona)”, o primeiro do Sepultura.

O fato é que o clipe e a música ajudaram demais o Sepultura a mostrar que já estava em um outro nível, tocando para uma multidão de espanhóis e levando o nome do Brasil para o mundo.

As faixas “Murder” e “Subtraction” não tem o mesmo brilho das três anteriores do álbum, mas estão muito longe de qualquer classificação de músicas fracas. Elas mantêm a empolgação do disco justamente porque têm qualidade, preparando o terreno para a ótima “Altered State”, preferida deste jornalista.

Com várias mudanças de andamento e com um riff marcante, “Altered State”, talvez, não esteja entre as Top 10 das mais badaladas do Sepultura, mas sempre foi presença obrigatória em boa parte dos shows da banda. E realmente é uma faixa bastante completa em riqueza musical.

“Under Siege (Regnum Irae)”, “Meaningless Movements” e “Infected Voice” também não têm o mesmo brilho de todas as anteriores, mas não podem ser consideradas faixas ruins. O fato é que o thrash é mostrado com qualidade e ainda há espaço para experimentos com outros estilos, algo que se ampliaria nos discos seguintes.

‘Orgasmatrom’ e o show na Praça Charles Miller

Para a maioria das versões comercializadas do “Arise” no planeta, elas fecharam o disco, mas, especificamente na versão brasileira, elas vieram seguidas da faixa bônus “Orgasmatron”, cover do Motörhead.

Com uma versão que, para muitos, é superior à original, a faixa virou outro hit do Sepultura. E ainda ganhou um videoclipe executado exaustivamente na MTV em todo o planeta, sendo fundamental para agigantar o nome da banda.

Vale lembrar que o clipe citado contém cenas do show histórico que o Sepultura fez na Praça Charles Miller, em frente ao Estádio do Pacaembu, em São Paulo, em maio de 1991. Com o sucesso da apresentação no Rock in Rio em janeiro e com todo o apoio que sempre tiveram dos headbangers brasileiros, o grupo decidiu presentear os fãs com um show gratuito num sábado à tarde.

A expectativa era de cerca de 10 mil pessoas, mas apareceram mais de 30 mil!!! Este foi o primeiro show grande visto por este jornalista na vida. E o que foi observado naquele dia é que a organização da apresentação foi surpreendida, e muito, pela quantidade de gente.

E havia de tudo naquele dia: headbangers, punks, carecas, roqueiros normais, menores de rua, curiosos e policiais. Em tempos nos quais as gangues não precisavam de muita coisa para brigas, o período anterior ao show teve de tudo, inclusive uma batalha de latinhas de cerveja gigantesca que pareceu deixar o céu metálico.

Havia um público tranquilo que ficou no vale do Pacaembu, mas a multidão sedenta pelo show do Sepultura estava ali em frente ao estádio. Bastou a banda começar a tocar e o pau começou a comer logo nas primeiras músicas. O resultado foi que seis pessoas ficaram feridas, 18 foram presas e uma foi morta a tiros.

Este jornalista, lá no fundão, viu passar por ele mais de uma pessoa ensanguentada carregada por policiais. O fato é que, mesmo depois de Igor Cavalera sair lá de trás do palco e pedir para as brigas terminarem, muita porrada continuou e o show infelizmente não conseguiu chegar ao fim.

A morte no evento foi um prato cheio para a parte reaça e sensacionalista da imprensa, que fez toda aquela campanha básica de demonização do heavy metal. O Sepultura, por sua vez, soube aproveitar boas cenas do show para o clipe e, apesar do primeiro impacto negativo causado pelas reportagens sensacionalistas, continuou rumando para o merecido sucesso.

Divisor de águas

O álbum “Arise” é só um dos vários “divisores de água” da carreira do Sepultura, mas foi essencial e imprescindível para o grupo fincar seu nome para sempre entre os grandes do heavy metal. A turnê internacional para a promoção do disco foi a maior até então e passou por países que o grupo nem imaginava passar antes de estourar, totalizando mais de 220 shows.

Não por acaso, o disco faz parte do livro “1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer” e é item essencial para qualquer fã de heavy metal.

É, no fundo, uma conquista merecidíssma para uma banda que sempre batalhou muito para chegar onde chegou e que se transformou em verdadeiro orgulho nacional.