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Cartaz de show na Alemanha, em 1973: da esq. para a dir., Jeff Beck, Tim Bogert e Carmine Appice (FOTO: REPRODUÇÃO)

Uma carreira estrelada na Inglaterra que foi abandonada de forma intempestiva para cair no rock pesado nos Estados Unidos. Bem, nem tanto de forma intempestiva, mas o suficiente pra irritar ex-companheiros de banda e empresários.

Jeff Beck ficou essa fama de irascível e turbulento quando resolveu dissolver a primeira encarnação do Jeff Beck Group, formado em 1966 depois que saíra dos Yardbirds. Era banda que tinha “só” Rod Stewart no vocais e Ron Wood no baixo…

E então o guitarrista inglês, provavelmente o melhor da história do rock depois de Jimi Hendrix, cumpriu a promessa de um dia tocar com a “cozinha” do Vanilla Fudge – Tim Bogert (baixo e vocais) e Carmine Appice (bateria), ambos americanos. Surgia, então, há 50 anos, uma das mais subestimadas bandas de rock pesado dos anos 70: Beck, Bogert & Appice. 

Era para ser a terceira formação do Jeff Beck Group, mas as saídas de dois músicos amigos – o vocalista Bob Tench e o tecladista Max Middleton, que eram da formação anterior – mudaram os rumos da história.

A grande questão é que Beck sempre teve pouca paciência, muito tédio e um monte de projetos para realizar. Já era uma estrela dos Tridents entre 1963 e 1964. Era tido como um geniozinho da guitarra e logo ficou amigo de gente importante na indústria do entretenimento de Londres. 

Então é necessária uma certa contextualização da carreira do temperamental guitarrista para entender como ele se metendo no rock pesado.

Gostinho do sucesso

Foi por isso que acabou indicado para substituir Eric Clapton nos Yardbirds por ninguém menos do que Jimmy Page, então músico de estúdio. Os dois eram amigões e viviam enfurnados na casa de Beck tocando por horas seguidas.

Quando Clapton odiou a guinada pop dos Yardbirds com “For Your Love”, em 1965, saiu de forma conturbada da banda em direção ao purismo da banda de blues John Mayall’s Bluesbreakers.

Todo mundo sabia quem deveria ser o substituto: Jimmy Page, então com 21 anos e um dos mais talentosos músicos de estúdio da época. Só que ele não quis trocar o salário alto e o conforto de não precisar viajar em vans velhas e recusou o convite, mas indicou Beck para o posto.

Foram quase 18 meses de ascensão, aprendizado e muita experiência, além do sucesso almejado e esperado, mas Jeff Beck era difícil de lidar e encrencava com todo mundo na banda, incluindo empresário e assistentes.

Ao contrário o que se supunha, Beck odiou quando o amigão Page aceitou, em 1966, largar o emprego nos estúdios e substituir o baixista Pual Samwell-Smith, mais um cara durão que não aceitava certos direcionamentos musicais e gerenciais. Saiu tretado, mas não brigado.

Beck sabia o que ocorreria em menos de um mês: o outro guitarrista, Chris Dreja, apenas mediano, aceitou trocar de posto com Page, que faria a dupla de guitarras com Beck. Estava instalada a competição interna e a crescente ascensão do experiente Page como líder dos Yardbirds.

Novos ares

Foram pouco mais de  quatro meses de convivência até Jeff Beck ficar doente durante uma excursão pelos Estados Unidos. Já entediado e buscando novos horizontes, Mandou um telegrama para a banda avisando que estava voltando para casa, e os Yardbirds se tornaram um quarteto até o seu fim, dos anos depois.

Curiosamente, em um ensaio non final daquele ano em um estúdio londrino, Beck reencontrou Page e decidiram gravar um tema composto pelo então amigo reconciliado. Um amigo estava de passagem por ali e quis participar da brincadeira. Era Keith Moon, baterista do Who, na época muito amigo de Beck.

Quando Page se preparava para gravar o baixo, Moon interrompeu tudo e fez uma ligação. Em dez minutos John Entwistle, baixista do Who, chegava para dar uma “força”. nascia então “Beck’s Bolero”, que foi incluída no álbum de estreia solo de Beck.

Aventou-se a possibilidade de formar ali nova banda, já que a cozinha do Who estava insatisfeita e queria sair. Entwistle seroa o vocalista, mas tudo não passou de um sonho de músicos bêbados e nada rolou. “Não tinha como aquela banda decolar e fazer sucesso. Seria tão pesada que ficaria no solo, com se fosse um zepelim de chumbo”, disse Moon aos amigos e depois numa entrevista. Page guardo o nome (“Led Zeppelin”) para usá-lo no futuro.

Page ajudou a formatar o Jeff Beck Group em sua criação e gostou quando Rod Stewart e Ron Wood aceitaram tocar com Beck, assim como o ótimo baterista Mick Waller. Foram dois ótimos discos – “Truth” e “Beck-Ola” até que houvesse crise de ciúmes entre o cantor e o guitarrista. A banda implodiu em 1969.

Foram mais de doze meses para formatar um novo grupo, mas que seria voltado para a música negra americana, com menos rock e mais rhythm & blues, com pitadas de jazz. Entre 1970 e 1972, Bob Tench e Max Middleton foram figuras carimbadas.

Foram dois LPs importantes nesta fase, que acabou quando Beck finalmente viu a possibilidade de trabalhar com Tim Bogert e Carmine Appice, que tocaram juntos no ótimo Vanilla Fudge e no melhor ainda Cactus, sempre com uma sonoridade mais rústica, ríspida e pesada.

Eles já se conheciam desde 1967, quando Beck conheceu o Vanilla Fugde e ficou impressionado com o poder sonoro da banda. Mantiveram contato pelos anos e o guitarrista sempre falava que um dia tocariam juntos.

Som mais pesado

Abandonando a soul music em meados de 1972, Jeff Beck queria soar mais pesado, de olho no sucesso de Led Zeppelin e The Who. Esperava ocupar um espaço que a morte de Hendrix, dois anos antes, tinha deixado.

No começo era a terceira encarnação da banda, com Beck, Bogert, Appice e Middleton, com adição posterior do vocalista Kim Milford. Foi tudo muito rápido: Jeff Beck Group se desmanchava em julho de 1972 e se reagrupava em agosto. Milford só durou seis shows, os de aquecimento pelos Estados Unidos.

Para a miniturnê inglesa, Beck recorreu a Bob Tench. Ainda como Jeff Beck Group, foram 13 shows na terra de Beck até definitivamente o cantor e o tecladista Max Middleton saem da banda. Nasce o trio Beck, Bogert & Appice.

Urgência e potência

Ninguém entendeu muito bem os motivos de Beck querer um som mais “poderoso e violento”, e foi isso o que obteve principalmente com Appice. Sua batida vigorosa e seu ritmo frenético encantaram o guitarrista, que acreditava poder oferecer uma alternativa de som pesado a Led Zeppelin e The Who.

O primeiro disco foi rapidamente gravado e chegou ao mercado no comecinho de 1973. Era denso, poderoso e explosivo, embora não conseguisse captar o caos musical dos palcos. 

Tem clássicos como “Superstition”, de Stevie Wonder, “I’m SoProud”, um rhythm and blues pesado, e um hard rock vigoroso com “Black Cat Moan”, uma tentativa meio desastrada de Jeff Beck assumir os vocais principais. “Sweet Sweet Surrender” e “Why Should I Care” injetam bastante adrenalina no rock do trio, mostrando que a união seria bastante promissora.

Com agenda intensa, a banda passou por Inglaterra, Europa continental e explodiu no Japão, onde fizeram concorridos shows em Tóquio. Os empresários não perderam tempo e colocaram um álbum duplo ao vivo no mercado em outubro de 1973, meses depois do lançamento do álbum oficial.

A agenda frenética e os bons resultados não foram suficientes para que Beck mantivesse o foco. Havia uma certa frustração pelo fato de que o peso dos shows não se refletisse no álbum. 

Impaciente, enxergava uma certa estagnação que pretendia imprimir ao trio e esperava um baixo mais no estilo “trovão”, como Entwistle fazia no Who. Um erro crasso, já que Tim Bogert nunca foi nem sombra daquele instrumentista, com uma forma diversa de tocar.

O guitarrista negava a perda de interesse, embora fosse meio explícita muitas vezes. Tanto que era o maior incentivador de criação de novas músicas para o segundo disco, que chegou a ser gravado, mas nunca finalizado. Mas reclamava da falta de uma grande turnê pelos Estados Unidos, que nunca era marcada.

Os três abdicaram do Natal e ficaram 15 dias nos estúdios em Los Angeles e em Londres, mas inexplicavelmente não terminaram os trabalhos. 

A última gravação foi a de um show que ocorreu no Rainbow Theatre, na capital inglesa, em 26 de janeiro de 1974, transmitido pela BBC. Era o primeiro show da turnê europeia de primavera.

Os shows foram bons, mas já havia um distanciamento entre os músicos. A cabeça de Beck estava em outras praias, e os rumores de separação surgiram logo depois do final da excursão.

Mergulho no jazz

O guitarrista já se encontrava em tratativas com outros músicos e produtores quando Tim Bogert confirmou em maio que a banda estava inativa e que não sabia se o trio continuaria.

Quando Beck entrou em estúdio sob a batuta do produtor George Martin (o mago dos discos dos Beatles), firmemente decidido a entrar de cabeça no jazz (!!!!), o trio Beck, Bogert & Appice não existia mais, com Carmine Appice e Tim Bogert confirmando a informação em julho.

Trilhando um caminho há muito seguido pelo amigo John McLaughlin, Jeff Beck explodiu como artista solo e desfrutou de muito sucesso os dez anos seguintes, enfileirando álbuns instrumentais de sucesso, como “Blow By Blow”, “Wired” e “Live with Jan Hammer Group”.

A partir do roqueiro álbum instrumental “Guitar Shop”, de 1989, o prestígio do guitarrista só aumentou, enquanto que, em sentido inversamente proporcional, os lançamentos discos foram ficando cada vez mais espaçados.

Carmine Appice enveredou pelo hard rock e pelo heavy metal tocando em diversos projetos e bandas. os mais interessantes e bem-sucedidos foram o King Kobra e o Blue Murder.

Entre idas e vindas do Vanilla Fudge ao longo dos anos 80 e 90, Tim Bogert foi lentamente desacelerando. Teve uma passagem pela banda Bob and the Midnites e tocou com várias outras bandas menores. Morreu no ano passado, aos 76 anos de idade, em consequência de um câncer.