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 Marcelo Moreira



Uma reunião surpreendente, que terminou rápido e também de forma surpreendente, mas que nos legou dois grandes álbuns e estabeleceu um marco no heavy metal moderno;

Tudo bem, não há nada de novo ou de espetacular nas novas edições duplas, em CD, de “Heaven and Hell” e “Mob Rules”, do Black Sabbath. Mas é extraordinário que as duas obras, que têm Ronnie James Dio nos vocais, ainda soem atuais e modernas, com muito peso. 

As músicas receberam novo tratamento, mas, em essência, não há alterações dignas de nota. Nos CDs extras, o que predominam são gravações ao vivo registradas em Hartford, nos Estados Unidos, em 1980, e no Hammersmith Odeon, em Londres, no último dia de dezembro de 1981, que já havia sido lançado há 15 anos em CD próprio.

São shows raros e de ótima qualidade, que evidenciam o que o álbum ao vivo “Live Evil”, de 1982, não demonstrou em sua plenitude: o som do Sabbath ao vivo, nesta fase, enovado e em com novo cantor, era gigante e ptente, com músicas estupendas.

Só relembrando: “Live Evil” provocou as saídas da banda de Dio e do baterista Vinnie Appice, que disputavam quase no tapa a preponderância na mixagem do disco ao vivo. De manhã, os funddores Tony Iommi (guitarra) e Geezer Butler (baixo), ao lado do engenheiro de som, elevavam o som de seus instrumentos e baixavam voz e bateria; à noite, Dio e Appice mandavam o engenheiro fazer o contrário. Somando-se a um excesso de saturação e a algumas correções, “Live Evil”, às vezes, soa meio artificial.

As gravações disponibilizadas agora também receberam nova mixagem e foram remasterizadas e, como se fosse possível, deixam o Black Sabbath ao vivo ainda mais maravilhoso, com o timbre de guitarras monstruoso e incrivelmente pesado, principalmente no show de Londres.

Dio mostrou mais versatilidade e estava mais à vontade com as canções antigas, da era Ozzy Osbourne. é uma banda que se mostra revigorada e disposta a retomar o trono do rock pesado.

As reedições dos dois primeiros discos com Dio, lançados originalmente há mais de 40 anos, são uma excelente notícia em tempos de pandemia, mesmo que praticamente não haja novidades nos extras.

Ronnie James Dio ressuscita o Black Sabbath

Um duende aparece na vida da última banda que realmente criou um gênero musical e a transforma por completo, resgatando-a da ruína e do ostracismo. 

E o anjo do inferno surgiu para o Black Sabbath em Los Angeles para catapultar a banda mais pesada que já existiu a uma nova vida, a um improvável recomeço e a um novo capítulo da história do rock.
“Heaven and Hell” não poderia ser um título mais apropriado para o disco do Sabbath em 1980, promovendo a estreia de Ronnie James Dio nos vocais substituindo o instável e insano Ozzy Osbourne.

Apesar da bom começo e das boas maneiras que Dio mostrou nos encontros com Tonny Iommi (guitarra) e Geezer Butler (baixo), havia uma desconfiança: um norte-americano baixinho, descendente de italianos, no emio de delinquentes dos subúrbios ingleses de Birmingham… 

Os problemas finais de Ozzy na banda foram muitos, mas ele era um deles, comera o pior da comida amassada pelo diabo junto com eles e entendia o que rolava apenas pelo olhar, para não falar no incompreensível dialeto de Aston e West Bromwich.

Mas o que fazer depois da segunda e definitiva demissão de Ozzy? Quem estaria à altura? Não foram poucos os que recomendaram o baixinho que acabara de brigar com Ritchie Blackmore. 

Fora do Rainbow, Dio estava livre e confiante para voar e brilhar no rock pesado, que era a sua intenção. As primeiras conversas com Iommi foram promissoras, mas Dio também estava receoso de assumir o posto de Ozzy em uma banda icônica e gigante, por mais que a decadência se avizinhasse.
Quase dez anos mais velho do que Iommi e Butler, Dio estava à beira dos 40 anos de idade e 25 de trajetória, sendo que tinha conhecido o sucesso apenas com o Rainbow. Seria possível conciliar duas culturas díspares – a rudeza e aspereza de Aston, Birmingham, com o submundo das periferias de Nova Jersey? 
Nas primeiras sessões de ensaios para ver o que rolava, ainda em 1979, a música “Heaven and Hell” brotou, um começo bastante auspicioso, ainda que o vocalista tivesse de tocar baixo, já que Geezer estava enrolado com seu divórcio na Inglaterra. 

Química perfeita

Todo mundo estava se dando bem, mas ainda havia muita desconfiança: daria certo um anão de voz poderosa que gostava de cantar sobre contos de fadas cantando na banda que era sinônimo de peso e trevas?

Demorou muito pouco para a resposta viesse, por mais que Butler, reintegrado, quisesse interferir em quase todas as letras do álbum, para ira de Dio. 

Era a primeira crise, e Iommi foi diplomático e eficiente ao contorná-la. Era inegável que o material que tinham composto, com a adição de contribuições importantes do baixista, era forte e explosivo, com muito potencial.

Houve uma leve sugestão para que o nome da banda fosse trocado, mas o empresário Don Arden e Iommi ignoraram Dio. A ideia era que o Black Sabbath abandonasse o hard rock, o jazz e o rock progressivo de “Never Say Die”, de 1978, para voltar ao “rock pauleira”, já conhecido como heavy metal em 1980. 

A reinvenção do Black Sabbath foi saudada como um dos eventos musicais mais importantes daquele ano. “Heaven and Hell” surpreendeu porque foi a ressurreição de um moribundo, dado como morto. Foi impactante e contundente. 
A voz de Dio era um colosso. Gigantesca, preenchia todo o espaço e empurrava a banda de uma forma nunca vista, complementando os riffs monstruosos de Iommi.

O material novo era impressionante, de qualidade, e o antigo ganhava novas cores, por mais que Dio não escondesse certo desconforto em cantá-lo, assim como Ian Gillan diria três anos depois, ao substituir o próprio Dio. 

Era uma outra banda, revigorada, estridente, poderosa e capaz de se igualar ao trabalho dos dez anos anteriores. “Heaven and Hell”, a música, logo se tornou um hino, com seus mais de sete minutos épicos e o ataque vocal destruidor em toda a música.

Não há uma música ruim no álbum. “Neon Knights” é a abertura dos sonhos de um disco de banda de heavy metal. Rápida, pesada e técnica, é mais um épico da banda, assim como a fantástica “Children of the Sea”, que vem na sequência e que é o mais puro doom metal, com a enganosa introdução “baladeira”. 
“Die Young”, uma porrada imensa, certamente seria o grande hit se não fosse a faixa-título. Riffs mortais e vocais cortantes são a característica da canção.
“Lonely s the Word” é a cara de Dio, com sua levada mais hard e com toques épicos. “Lady Evil” segue a mesma toda, um pouco mais acessível, com riffs matadores de baixo e guitarra e um groove vocal estupendo.

“Wishing Well” e “Walk Away”, diante de avassaladora avalanche de hits, acabam meio escondidas, mas se encaixariam bem em qualquer disco de heavy metal daquela década. 

Ressuscitado e rejuvenescido, o Black Sabbath estava pronto para reinar novamente, e o fez com competência e muito peso até o final de 1982, mesmo com a saída de Bill Ward (substituído pelo então jovem Vinnie Appice, o irmão mão pesada de Carmine Appice, outro baterista excepcional). 
“Mob Rules”, o álbum seguinte, não teve a mesma contundência, mas manteve o quarteto em alta e como referência para os iniciantes do thrash metal californiano e para as bandas consolidadas da ja consolidada New Wave of British Heavy Metal, como Saxon, Iron Maiden e Def Leppard. 
Os 41 anos de “Heaven and Hell” só reforçam a ideia que como foi impressionante a reinvenção do Black Sabbath com Ronnie James Dio. Não está errado quem considera o álbum como o nascimento do heavy metal verdadeiro dentro do rock