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 Marcelo Moreira



Os ingênuos vão dizer que vivemos tempos muito estranhos, em que o negacionismo domina debates familiares e acadêmicos; os pessimistas vão dizer que tudo estava escrito e que é consequência da burrice política e educacional de um povo de índole desprezível e de extremo egoísmo e falta de empatia; os isentões apenas vão reforçar a máxima de 45 anos atrás cuspida pela cantora americana Patti Smith: “Jesus morreu pelos pecados de todos, mas não pelos meus”.

O mau-caratismo coletivo do brasileiro, o falso cordial e alegre diante das dificuldades da vida, nunca esteve tão evidente como nestes tempos de lixo bolsonaro e de pandemia devastadora. 

Ninguém se importa com as mais de 220 mil mortes pela covid-19, ninguém dá a mínima para regras de isolamento social, com praias, festas e bares, lotados, assim como hospitais e todas as UTIs.

Nunca a burrice foi tão incensada e tão festejada. Médicos criminosos e youtubers nojentos morrem pela doença depois de sabotarem os esforços de combate á pandemia e de ampliação da vacinação. Tiveram a coragem de espalhar mentiras a respeito da eficácia das vacinas e das medidas de isolamento e distanciamento social. Nestes casos, o vírus fez bem o seu trabalho. Esses dejetos humanos não farão falta.

Só que a coisa não para por aí. Os tempos sombrios e de trevas da era bolsonara resgatou o fascismo adormecido e espalha a “normalização” de certos comportamentos. 

Nos tempos de bolsolixos vomitando mentiras, é normal ter orgulho da própria ignorância, de ser preconceituoso, de ser racista. 

Nos primeiros 30 dias de 2021, foram inúmeros os ataques racistas a parlamentares municipais negros e de orientação LGBT. Foram dois casos em São Paulo, um em Niterói (RJ), vários em Blumenau (SC) e em Bauru (SP), onde a prefeita é negra, apesar de professar crenças ue esbarram no fascismo.

Ninguém poderia imaginar que 2021 seria marcado por um recrudescimento das batalhas entre civilização e barbárie. 

Quando finalmente o mundo parecia se livrar do lixo Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos, os lixos humanos no mundo inteiro decidiram definitivamente saír dos esgotos e empestear o mundo com violência, ódio, racismo e discriminação.

Os vereadores brasileiros atacados por suas crenças, opiniões e cor de pele fizeram boletins de ocorrência apenas por uma questão formal, já que as polícias e todo o aparelho repressivo do Estado brasileiro, em todas as suas instâncias, não vão se mexer. São instrumentos do próprio fascismo a que servem e ao qual devem favores – e ao qual amam adorar.

A democracia sempre esteve em risco desde o golpe asqueroso e nojento perpetrado por políticos corruptos e execráveis, liderados por nomes importantes do MDB, como o ex-deputado federal Eduardo Cunha e o ex-presidente Michel Temer, gente da pior espécie possível. Quem diria que dejetos ainda piores viriam, ocupar os principais cargos da República…

A questão era a seguinte, em 2018: até que ponto o mau-caratismo político do povo brasileiro estaria disposto a esticar a corda e apostar no fascismo e no autoritarismo para “combater a corrupção” e afastar qualquer possibilidade de o país assumir de vez a opção pela redução da pobreza e da desigualdade social?

O mau-caratismo do povo brasileiro é inerente ao seu DNA. Vota ara presidente ou para vereador sempre endo em mente o que o tal candidato pode fazer para favorecê-lo em todas as esferas da vida. O brasileiro odeia o convívio social e odeia o pobre – e não a pobreza. 

Quem ascende da classe D pra a classe C acha que se tornou “bem de vida” e passa a desprezar aqueles que ainda ficam na classe C. É o pobre de direita, que odeia o pobre mais pobre que ele e que adora gritar que “bandido bom é bandido morto”, desde que seja traficante ou ladrão de galinha, todos de pele negra. É o pobre que despreza seus pares negros, mas nem tão negros assim…

É uma ilusão achar que a sociedade está evoluindo por “abrir” espaço para alguns vereadores negros, LGBTs e de outras minorias que foram eleitos nas últimas eleições. O número de representantes dessas  minorias é pior do que pífio, em uma vergonha gigantesca para este país infeliz.

A sociedade brasileira está cada vez mais preconceituosa, mais violenta e mais racista, e as ameaças abertas contra vereadores negros e LGBTs explicitam essa barbárie. 

A covereadora Carol Iara (PSOL), de São Paulo, que é negra e transgênero, teve sua casa atingida por tiros de arma de fogo recentemente, enquanto que Erika Hilton, do mesmo partido e na mesma Casa, recebeu novamente mais ameaças de morte pelas redes sociais – também é trans e é negra.

Estava mais do que claro que isso aconteceria quando os portões do inferno foram abertos na eleição de 2018, propiciando todo tipo de lixo humano aparelhar o governo federal e empoderar os fascistas que horrorizam a vida brasileira. 

Em todos os segmentos e a todo momento, tudo sempre pode piorar. É o que vai acontecer no Brasil com a suprema ignorância e incompetência bolsonara, que não será apeado do poder por um necessário impeachment. 

A parte mais canalha do Parlamento, que corre o risco de ser a maioria, vai sustentar o lixo bolsonaro e seu governo corrupto, diante de um Judiciário apalermado e extremamente corporativo e de uma sociedade bovina e desarticulada.

Tudo isso está sendo normalizado, desprezado e ignorado enquanto o governo federal refestela-se em hectolitros e toneladas de leite condensado e bombons adquiridos em compras fraudulentas e superfaturadas. Qual era mesmo o governo corrupto?

Sitiados pelo autoritarismo e pela escalada de inspiração fascista, não temos nem mesmo a opção de apelar para o rock de protesto, tão apalermado quanto omisso neste momento tão crítico da vida brasileira. 

Já não soa tão absurda a ideia de uma série de distúrbios sociais e políticos que possam desembocar em uma guerra civil de verdade. Por que não?