Escolha uma Página

 Marcelo Moreira



A maior banda de rock do mundo perde um de seus guitarristas em meio a uma fase de pouca inspiração e consumo oceânico de drogas e bebidas. Ninguém se preocupa. Afinal, são a maior banda do mundo e qualquer instrumentista faria tudo para obter a vaga.

Só que, segundo a lenda, um irlandês beberrão recusou o convite para tocar nos Rolling Stones e preferiu tocar em palcos menos nobres no interior da Inglaterra e da Irlanda com seu trio. E, até o final da vida, garantiu que não se arrependeu da decisão.

A figura em questão é Rory Gallagher, um mestre do blues rock europeu e um instrumentista admirado por todos os concorrentes na Inglaterra e nos Estados Unidos. Outra lenda diz que Jimi Hendrix teria dito que o guitarrista irlandês seria o melhor do mundo na época, 1970.

Com enormes doses de exagero, o fato é que alguém sugeriu o nome de Gallagher para substituir o demissionário Mick Taylor a Mick Jagger no começo de 1975. Isso seria, nas declarações de gente que gravitava em torno dos Stones, o máximo que Gallagher teria chegado na disputa pela vaga. 

O guitarrista, por sua vez, nunca gostou de tocar no assunto, mas admitiu certa vez que teria sido “sondado” na época sobre a possibilidade. O mesmo teria acontecido com Eric Clapton e Peter Frampton.

Soterrado por muitas lendas a seu respeito, Rory Gallagher na verdade se tornou um mito na Irlanda, equiparado ao de Phil Lynnot, o baixista e vocalista que criou o Thin Lizzy. É um patrimônio nacional venerado por gerações de instrumentistas e amantes do rock.

Morto em 1995, aos 47 anos, em consequências de complicações de um transplante de fígado, tem discografia póstuma quase tão importante quanto a que registrou em vida, em um catálogo que é controlado com mão de ferro por um sobrinho.

“Notes from San Francisco” e “Beat Sessions” foram os principais lançamentos dos últimos dez anos, e agora ganham a companhia de “Cleveland Calling”, álbum ao vivo que foi lançado para o Record Store Day deste ano.

Mas não é um álbum ao vivo qualquer, como vários lançados ao longo dos anos. É o registro de uma audição acústica, só voz e violão, para uma emissora de rádio de Cleveland em 8 de agosto de 1972. Essa é a raridade do produto, já que ele dificilmente aparecia sem seus companheiros de banda.

Para a rádio WNCR, ele tocou oito canções em um desempenho elogiado amplamente por quem ouviu na época. Privilegiou canções mais obscuras em vez de seus hits habituais e mostrou grande competência na interpretação de temas como “Don’t Know Where I’m Going” e “Out of My Mind”.

“Blow Wind Blow” e “Bankers Blues” são exemplos de blues mais tradicionais mas com pegada folk, um especialidade de Gallagher, enquanto que “Should’ve Learnt My Lesson” mostra um show na condução melódica e nos dedilhados surpreendentes. 

Para quem duvidava de que o baú dele ainda pudesse conter coisas diferentes, “Cleveland Calling” é uma boa notícia por revelar a destreza de um mestre do blues no violão. Não apenas um item para tfanáicos ou colecionadores.