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 Marcelo Moreira



Quem diria que o mundo bolsonaro, com sua carga enorme de excrescências e estrume, incitaria fuma verdadeira “guerra dos sexos” no mundo roqueiro atrasado brasileiro.

Enquanto as meninas, cada vez mais presentes e engajadas, partiram para cima condenando e denunciado o descalabro que foi a decisão judicial no caso Mariana Ferrer, os homens optaram pelo escárnio e pelo desprezo, revelando mais do que machismo, mas profundo e lamentável mau caratismo.

O youtuber Mariana foi estuprada há algum tempo por um playboy em uma festa em Santa Catarina. Em sua denúncia, alegou que foi dopada e violentada e apontou o autor.

No julgamento, em primeira instância, em uma das páginas mais lamentáveis da Justiça brasileira, o autor foi absolvido por falta de provas, no que o site The Intercept chamou jocosamente de “estupro culposo”. 

A sentença e a gravação da audiência são um show de horrores, onde a vítima é humilhada em uma sequência de machismo, falta de respeito e subversão da ordem jurídica – só faltou a moça ser condenada pelo juiz com o apoio do promotor público.

Não só a sentença merece repúdio como o tratamento dado a uma mulher que fez uma acusação gravíssima. Falta de provas? Isso ficou em segundo plano. A vida e o comportamento da youtuber viraram protagonistas do julgamento.

A coisa é tão bizarra – a ponto de a expressão “estupro culposo” ter viralizado – que mereceu a repulsa e a condenação de forma unânime, de clubes de futebol a artistas, de deputados federais e senadores a ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

Praticamente todas as formações de rock nacional com mulheres se manifestaram com indignação diante do desfecho vergonhoso do julgamento em Santa Catarina. Mais do que feminismo, é um grito contra o estupro e a cultura de minimizar a violência sexual contra mulheres.

Quanto aos homens roqueiros, tirando uma ou outra banda punk progressista, houve um silêncio assustador de forma oficial, e comentários nojentos de forma particular aqui e ali.

Fou um show de misoginia, com piadas sem nenhuma graça e um menosprezo atroz quanto à repercussão do fato. Teve um músico idiota, conhecido direitista e adepto do bolsonarismo, que ousou vomitar que a tal youtuber mereceu ser estuprada porque “estava pedindo”. Provavelmente alertado, apagou o comentário em uma rede social.

Os homens que gostam de rock, em grande parte, se sentem desconfortáveis com o assunto é estupro e feminismo. São coisas que os assustam, o ue revelam extrema ignorância e, na maioria dos carros, pura burrice e insegurança.

Os comportamentos machistas são reproduzidos à exaustão e perpetuados, o que expõe o esgoto profundo em que chafurdamos – o que não surpreende neste mundo bolsonaro nojento em que estamos presos. 

O fato não só de não haver condenação, mas quando sim de endosso ao estupro ao justificá-lo e minimizá-lo deixa claro que o rock não difere do rap gangsta no tratamento vil e asqueroso que dispensa às mulheres.

Muito se fala, ainda, na falta de união entre músicos e fãs de rock para que a cena seja revitalizada e volte a ter alguma relevância. Não dá para falar em união quando não existe respeito e o básico a respeito de educação no trato com o próximo.

Uma das mulheres mais engajadas na luta pelos direitos humanos e contra a violência contra a mulher é Fernanda Lira, baixista e vocalista da banda Crypta e ex-Nervosa. O relato dela nas redes sociais é contundente:

“ESTUPRO CULPOSO NÃO EXISTE.

Uma menina foi dopada, estuprada, foi encontrado e comprovado sêmen do cara nela, sangue, tem imagem do cara deixando o local e uma condenação que era pra ser estupro de vulnerável, virou estupro culposo, crime que NÃO EXISTE.
Veredito que ocorreu após o advogado do cara, pra mostrar que ela ‘estava pedindo’, mostrou fotos aleatórias da menina de biquíni e o juiz aceitou. Disse que o cara não teve intenção de estuprar, então na lógica dele estupro sem intenção de estuprar é estupro culposo, crime que não existe. Como ninguém pode ser condenado por um crime não previsto na lei, o cara foi absolvido.
O perigo da margem que essa acusação inventada pode abrir, o precedente que se pode abrir, é tenebroso pras mulheres.”
É necessário um esclarecimento aqui: a expressão “estupro culposo” não foi utilizada no julgamento e não está na sentença. Foi uma expressão criada pelo site The Intercept  para ironizar a sentença. O acerto na utilização foi tão grande que acabou viralizando e, de forma errônea, foi atribuída ao juiz lamentável do caso.