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Toda banda tem um cérebro, um coração e uma alma. Ozzy Osbourne era a alma do Black Sabbath, enquanto que Tony Iommi era o coração que empurra tudo e Geezer Butler, o cérebro que escreveu as melhores letras. 

No Uriah Heep, banda inglesa contemporânea do Sabbath, o guitarrista Mick Box era o cérebro e o coração, mas a alma atendia pelo nome de David Byron, um dos mais viscerais cantores de hard rock e rock pesado. Se estivesse vivo, completaria 75 anos neste final de mês de janeiro.

Transtornado, agressivo e, ao mesmo tempo, sutil e delicado, Byron se tornou, para muitos, o protótipo do vocalista de hard rock antes mesmo de Ozzy virar ícone – Ozzy era tachado de tosco e pouco virtuoso, enquanto que Ian Gillan, do Deep Purple, era acusado de ser “virtuoso demais, de cantar demais, de ser artificial demais” – só rindo de tamanha bobagem… 

Byron, que morreu há 37 anos em um final de fevereiro por conta de falência de órgãos relacionada ao excesso de álcool – e coloque excesso nisso -, alcançou um status de lenda por conseguir dosar essa agressividade, como na veloz e icônica “Easy Livin”‘, e delicadeza como em “The Wizard”, um hino folk dos mais belos.

Ao contrário do que se poderia imaginar, o líder e dono do Uriah Heep, Mick Box, com seu inconfundível timbre de guitarra e seus riffs magistrais, adorava ficar em segundo plano. Achava que tinha ganho na loteria ao recrutar alguém tão talentoso quando Byron, por mais que soubesse o quão autodestrutivo e indomável fosse o cantor. 

Sabia também não não duraria muito a presença dele na banda. Como músico, David Byron era passional e intenso. Mergulhava fundo nas canções místicas e existenciais do mago Ken Hensley, o tecladista que era um melodista de mão cheia.

O cantor também se arriscava em compor versos, mas admirava o tecladista pela habilidade em aliar letras diferentes e estruturas harmônicas e melódicas de qualidade, bem próximas do rock progressivo.

É muito difícil imaginar outro vocalista tentando implantar dramaticidade a coisas como “July Morning” ou a maravilhosa “Look at Yourself”. Como substituir a interpretação com alma de Byron no mágico álbum “Salisbury” ou no essencial “Demons and Wizards”?

Foram dos palcos, a vida louca vida deixava muitas vezes os integrantes do Who, Led Zeppelin e Rolling Stones para trás. Sua esbórnia guarda semelhança com as “performances” etílicas de gente como Keith Moon (baterista do Who), Bon Scott (vocalista do AC/DC) e Phil Lynnot (baixista e vocalista do Thin Lizzy). 

Não é mera coincidência que todos eles morreram cedo em consequência dos excessos com álcool e drogas – Moon em 1978, com 32 anos, Scott em 1980, com 33, e Lynnot em 1986, aos 36 anos, meses depois de Byron.

Em algumas entrevistas ao longo de quatro décadas, Mick Box lembra, com resignação, que o vocalista mais impressionante da banda era difícil de segurar. E então o cantor mergulhou no assustador e assombroso mundo dos excessos das “estrelas do rock”. 

“Tudo era muito fácil e estava perto, mesmo que não víssemos muita grana. Às vezes dava para perceber uma certa frustração em David, mas em outras ele parecia realizado e pronto para ganhar o mundo. Ele via Robert Plant como um deus do rock e Mick Jagger como um astro completo e pensava: ‘Eu posso fazer o que eles fazem’. Era um fenômeno como artista”, guitarrista em entrevista no final dos anos 90.

Byron era doce e gentil, mas teimoso e intempestivo. Queira muito, e mais, e ficou extremamente decepcionado quando o sucesso do Uriah Heep bateu em um certo teto. 

A banda começou a patinar a partir de 1975 e não demorou muito para o cantor acirrar os ânimos com os companheiros e partir pra outros projetos e uma carreira solo bastante errática. 

O álcool e outras substâncias viraram companhia constante a partir de 1976 e o consumo aumentou muito, em uma proporção inversa em relação à sucesso e à entrada de dinheiro. 

Foram quatro álbuns solo, sendo que apenas os dois primeiros tiveram boa repercussão, embora não tenham vendido muito – “Take No Prisioners” (1975), “Rough Diamond” (1977), “Baby Faced Killer” (1978) e “On The Rocks (1981)”. 

Gravou canções medianas e optou por som mais comercial. Entretanto, ficou claro que a guitarra de Box e os teclados e as canções de Hensley, fortes e épicas, faziam falta.

Sem um caminho definido e abandonado por muitos dos amigos que fez no rock por conta do comportamento imprevisível e encharcado de bebida, terminou seus dias em um apartamento modesto e sem traços do luxo que pouco desfrutou na década anterior. 

Foi encontrado morto aos 38 anos caído na sala de casa em 28 de fevereiro de 1985, vítima de um ataque cardíaco. Os médicos autores da necropsia escreveram no laudo possivelmente que o infarto teve grandes chances de ter origem no excesso de bebida, já que outros órgãos, como rins e fígado estavam debilitados.

Não erra quem diz que a voz de Byron é quase sinônimo do rock pauleira dos anos 70 – e olha que a concorrência era brava, com Robert Plant, Roger Daltrey, Ozzy, Ian Gillan, David Coverdale, Glenn Hughes, Dan McCafferty, Freddie Mercury…