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Marcelo Moreira




Todo novo CD do Deep Purple é potencialmente o último de nossa carreira. O que deveria ser apenas uma constatação do baixista Roger Glover ganha ares de profecia em tempos de pandemia de coronavírus e pelo significado de muitas músicas da obra citada.

“Whoosh!” é um bom resumo do que podemos chamar de última fase do Deep Purple, que recomeçou a trajetória da cinquentenária banda inglesa em 2013 com o lançamento do ótimo “Now What?” após oito anos de silêncio em relação a músicas inéditas.

Deixando de lado a grandiosidade e a sofisticação do anterior, “Infinite”, o Deep Purple mostra serenidade e descontração nas novas músicas. Não há nada tão intenso, denso ou pesado como “Time to Bedlam”, do álbum anterior, mas “Whoosh!” transborda alto astral e uma beleza simples e singela.

Abusando de um certo humor tipicamente inglês, o grupo faz alguns joguinhos em vários trechos indicando ora que Glover pode estar certo (quando deu uma entrevista para um site inglês), ora que a banda tem bastante lenha para queimar.

Embora sem canções memoráveis e, de certa, forma, menos impactante do que “Infinite”, “Whoosh!” é muito agradável de se ouvir.

Falta peso? Sim, já que o álbum vem trilhando esse caminho desde 2013, optando por um rock mais clássico ao invés do hard rock que sempre caracterizou a banda. E não é por culpa de Steve Morse, o guitarrista que substituiu Ritchie Blackmore em 1994.

O instrumentista comete extraordinários solos e riffs complexos por todo o álbum, mais notadamente na nostálgica “Nothing At All” e na pesadinha “Man Alive”, talvez a melhor do disco.

Morse também brilha na surpreendente instrumental “And the Adress”, onde as linhas melódicas remetem ao jazz rock, mas a tendência que domina mesmo é a predominância cada vez maior dos teclados de Don Airey.

Já tinha sido assim nos dois álbuns anteriores, com os teclados ganhando cada vez mais espaço nas músicas, assim como o crescente protagonismo de Airey nas composições. Não é coincidência que a melhor música do Purple no século XXI seja “Uncommon Man”, do disco “Now What?”, com seu jeitão de Emerson, Lake and Palmer e os teclados intensos e grandiosos.

“Throw My Bones”, o primeiro single e música que abre o álbum “Whoosh!”, é o melhor retrato da “nova sonoridade, digamos assim, e representa bem essa fase da banda: grandes riffs, refrão ótimo e uma levada bluesy contagiante.

Afastando-se do clima mais sombrio de “Infinite”, a canção envereda por ambiente mais “ensolarado”, com letra irônica e com certo humor.

“Drop the Weapon” tenta embarcar no mesmo clima, mas não segura a onda é bem comum e sem muita inspiração, apesar do bom trabalho de guitarras.

A coisa volta a melhorar na faixa seguinte, “We’re All the Same in the Dark”, com os teclados comandando tudo e Steve Morse mostrando suas qualidades nos solos interessantes.

Formação atual do Deep Purple (FOTO: DIVULGAÇÃO)

As boas ideias também surgem em canções com jeitão setentista e totalmente calcadas em riffs vintage, como “The Long Way Round”, que tem certa imponência, e “The Power of the Moon”, que volta a abusar do sarcasmo típio das letras do cantor Ian Gillan.

Uma antiga paixão de Gillan e de Glover, o rockabilly datado dos anos 50, dá as caras em “Dancing in My Sleep”, que fecha a obra, deixando o clima leve e ameno.

“Whoosh!” é inferior a “Infinite”. Carece de contundência e de ganchos que transformem as canções em algo próximo do memorável. O álbum anterior tinha duas ou três músicas assim. O novo não tem nenhuma.

A banda acerta em quase tudo, mas fica a sensação de que faltou um pouco mais de ousadia, como em “Infinite”, ou de grandiosidade e risco, como em “Now What?”

A tentativa de compensar com certa dose de alto astral e maior diversidade nos temas deu certo até certo ponto, mas o suficiente para tornar a obra bem agradável e interessante.

Com 53 anos de carreira, é algo quase impossível esperar um desastre em um disco novo de bandas como Deep Purple. omo quase todos os artistas top do classic rock, a experiência e o domínio de certas fórmulas garantem a qualidade.

Assim sendo, “Whoosh!” supera alguns obstáculos e deixa de ser classificado como um um álbum mais ou menos para se encaixar em um patamar mais acima, o de bom álbum repleto de boas ideias, ainda que longe de serem memoráveis. É o disco adequado para a fase final da banda, na falta de maiores aspirações e inspirações.

Ian Gillan não cansa de dizer que o Deep Purple deve parar em breve. Aos 75 anos de idade, ainda se diverte no palco, como nas recentes apresentações ao vivo com a Don Airey Orchestra pelo Leste Europeu.

Ele e o baterista Ian Paice, nas entrevistas, evitam cravar datas para o encerramento das atividades, ao menos no que concerne a longas turnês mundiais, mas indicam com firmeza que o fim está chegando. Enquanto isso, os cinco integrantes fazem o que podem para esticar a corda.

A atual turnê inglesa com o Blue Oyster Cult foi remarcada para 2021 e a banda prevê pelo menos mais um extenso giro pela Europa e pela Ásia, o que significa que mais uma turnê mundial serpa realizada – com os fãs sul-americanos sendo agraciados com ao menos mais uma passagem pelo continente.