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(FOTO: EUGENIO MARTINS JÚNIOR)

Eugenio Martins Júnior – do blog Mannish Blog

Nada está tão bom que não possa melhorar. O quarto e último dia do festival foi demais. Agendei e cumpri o compromisso de entrevistar o Roosevelt Collier, slider da pesada que toca um instrumento estranho, a lap steel. Collier é um cara muito gentil e espiritualizado, quase um hippie. Logo publico a entrevista no blog.

Mas antes de ele descer fiquei ali no jardim da pousada conversando com o caras da banda do Hamilton de Holanda que estavam esperando a van para levá-los ao palco Iriry. E “os caras”, eram Thiago Espírito Santos, Daniel Santiago e Edu Ribeiro. OS CARAS!

Finalizada a entrevista, bora para Iriry ver a passagem dos malandros mais responsas do jazz brasileiro. O palco é aberto e quem estava de fora já conseguia ver e ouvir de boa a banda tocar os temas do show.

De acordo com os protocolos de segurança adotados pelo festival, as pessoas deveriam retirar ingressos por meio de uma plataforma específica e acabavam rápido porque o número era bem limitado. Por isso a direção do festival começou a levar porrada de montão nas redes sociais. 

Mas veja só como brasileiro não é mole. Algumas pessoas que retiraram os ingressos não foram aos shows, deixando as cadeiras vazias enquanto um monte de gente ficou de fora, atrás dos gradis. 

O show começou e a plateia em frente ao palco ficou vazia, impressão péssima, pra quem toca e para as pessoas que estavam lá sentadas. A direção então tomou uma decisão mais que acertada, liberou a entrada das pessoas a partir da terceira música.

O show foi basicamente o mesmo da noite anterior, com Tá (parceria de Hamilton com Thiago da Serrinha), a genial Tamanduá, Samba Blues e finalizando com Chega de Saudade. Esse palco Iriry deixa todo mundo próximo e os caras estavam na febre de tocar. Essa é a mesma banda que gravou o Harmonize, CD de 2019.

O publico ama o Hamilton de Holanda. A banda do Eric Gales chegou bem no hora de o show começar, o Eric sentou na plateia com sua esposa LaDonna até ser descoberto e ter de sair por causa do assédio.

Seu baterista ficou olhando o Edu Ribeiro tocar todos aqueles sambas e o baixista ficava olhando o Thiago marcando o tempo com o pés aquela batucada surreal para os gringos.

Acabando o primeiro show, as pessoas deveriam saír para que as outras que retiraram ingresso para o segundo show entrassem.
Então, quando o Eric Gales ia começar o show soltou essa: “Eu gostaria de saber porque os lugares estão vazios? Eu só vou começar a tocar quando abrirem os portões”, e mandou OPEN THE GATES. Tinha uma galera na frente do palco que começou a gritar de onda OPEN THE GATES, OPEN THE GATES. Eric foi avisado que iriam liberar a plateia a partir da segunda música e se acalmou. 

O show começou com o Eric imitando um berimbau naquela guitarra invocada dele. O público veio abaixo. Aí aquela batida virou um riff de guitarra “paracendo” um berimbau distorcido e muito alto e já engatou a segunda música na primeira. Com cinco minutos de jogo, Eric Gales 1X0.

Terminado o começo: “OPEN THE GATES, OPEN THE GATES, OPEN THE GATES”. Aí não teve jeito, o lugar ficou entupido. 
O show também foi basicamente o mesmo de sábado. Só que com a participação do Roosevelt Collier que já o havia convidado Eric para o seu show. Uma quebradeira só. 

Moving Waters (FOTO: EUGENIO MARTIONS JÚNIOR)

Em determinado momento Eric fez a seguinte afirmação: “Em meu país as pessoas brancas não gostam das pessoas negras. Aqui no Brasil isso não existe”. E soltou um grito no microfone para mostrar felicidade.

Nesse momento, adivinha: “FORA BOLSONARO, FORA BOLSONARO. Não sei qual o motivo, mas nesse ano todas as vezes que o grito contra o genocida apareceu foi quando Eric Gales estava no palco.

Com relação à observação do guitarrista norte-americano, se eu fosse alguém perto do Eric levaria uma ideia com o cara para dizer pra ele que não é bem assim. 

Que ele estava sendo tratado desse jeito porque ele é uma estrela. Que aqui no Brasil há o racismo estrutural que mata muito mais do que o racismo do país dele. 

Mata os negros no berço. E que isso faz parte da formação do Brasil e que hoje isso está sendo contestado pela parte mais afetada da população, enquanto a outra faz de tudo para manter o status quo vigente. 

Que a polícia do Brasil, instituição criada e mantida para proteger o patrimônio, é que mais mata no mundo, principalmente a população negra e periférica. 

Você que está lendo isso agora deve estar pensando, “o que isso tem a ver com música?” Eu digo: “TUDO”. Tem a ver com o blues que você escuta. E se você se incomoda com esse tipo de colocação, ou nunca foi afetado pelo problema, ou faz parte dele.

Legal saber que a nossa música tem essa moral. A nossa cara, o nosso DNA. Valeu Hamilton e banda vocês são um patrimônio nacional.

O show acabou e eu tinha um tempo para comer decentemente e com calma pela primeira vez. Fui ao restaurante e pedi filé mignon com arroz com alho e ervas.

Perdi o show do Segundo Set e não fiz questão de ver o da garotinha Sofia Farah.

Ugo Perrota (FOTO: EUGENIO MARTIONS JÚNIOR)

O penúltimo show do Rio das Ostras Jazz e Blues com o guitarrista carioca Alamo Leal com a Blues Groovers, banda formada por Ugo Perrota (baixo), Beto Werther (bataria) e Otavio Rocha (guitarra). Os dois últimos também formam na Blues Etílicos. Alamo e banda fizeram um show de blues clássico. 

O Alamo é um veterano no blues que morou no Reino Unido por décadas e conhece como poucos os segredos do blues. Encantou com seu fraseado elegante os heróis da resistência que estavam na plateia. O show teve ainda a participação do gaitista Jefferson Gonçalves, sempre brilhante. 

A Moving Waters é uma banda idealizada pelo guitarrista Lancaster e conta com 09 elementos em cima do palco, o que garante um show cheio de nuances. Lancaster é um criador de bandas, foi os responsável pelas montagens da Blues Beatles e Serial Funkers.

E não me pergunte o motivo de o cara sair dos grupos quando eles começam a tocar por aí e ganhar grana. Pois bem, um dia antes do show, o Lancaster sofreu um mal súbito e teve de ser internado.

Ele não pôde estar no show da Moving Waters, mas a banda cumpriu seu papel apresentando músicas autorais: Sweet Invasion, Love is My Protection, Free Thinking People, Tell Me, In The Land of Thunder, Thought You Were Here, Turn on the Power e The Last One to Know. Finalizando em alto astral com um bailão Bob Marley, Three Little Birds, I Shot The Sheriff e Get Up Stand Up.

Desafios de 2022 

Pelo que sei o festival do ano que vem já está programado para acontecer em sua data tradicional, o feriado de Corpus Cristi. Vai ser pedreira organizar um festival desse porte em oito meses. 

Mas a equipe do Rio das Ostras Jazz e Blues acaba de superar o desafio de montar o festival com uma pandemia em andamento. Claro que ainda há alguns ajustes a se fazer para o ano que vem, por isso esse foi um evento teste. E o público tem de fazer sua parte, fazer sua própria segurança usando a máscaras de proteção.

O evento não teria acontecido sem o comprometimento da equipe do Stênio Mattos, a Andrea (logística), Márcia (comunicação), Bill (gerente palco), Jerubal (técnico responsável pelo som).

E também por conta de Ugo Perrota (um salve pro Ugo que aguentou firme no show do Alamo após ter passado mal na mesma tarde), Jefferson Gonçalves e Kleber Dias (passagem de som das bandas) e pela equipe do Cezar Fernandes, que cobre o festival como fotógrafo desde o começo e esse ano deu um show nas mídias sociais, com entrevistas, resumos em vídeo, fotos, imagens de drone e várias câmeras. Muito mais pessoas estiveram envolvidas, mas essas foram as que eu tive mais contato ao longo desses anos.

Dica de ouro

Se você adora piscina com criança gritando o dia inteiro e bicando a tua porta, dormir ao lado da caixa de som tocando Barões da Pisadinha o dia inteiro, ficar sem internet e não é chegado em banho, recomendo a pousada Maresias. Implore pelo quarto 2. Gostaria de agradecer as pessoas que me colocarem lá. Que Deus as elimine.

Conclusão

Após cinco dias perambulando pelo Rio de Janeiro em busca do bom e velho blues, do show perfeito, peguei estrada de volta pra casa. Dez horas de viagem ao volante, com direito a usufruir do engarrafamento mais chic do mundo, com vistas ao meu lado esquerdo para a Urca e o Corcovado, o da Ponte Rio Niterói. Como diria Buika ao final, jodido pero contento. Que venha 2022.