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Elis Regina nos anos 70 (FOTO: DIVULGAÇÃO)

A maior defensora do legado da cantora Elis Regina é uma cantora brasileira de sucesso – “coincidentemente”, Maria Rita é filha dela. Em um programa de rádio, na CBN São Paulo, em uma chuvosa noite de sábado, a filha coruja disparou: “No exterior, falam que eu sou filha da Madonna brasileira, e não tenho como discordar”.

Nos 40 anos que marcam a morte trágica de Elis, a maior de todas as cantoras brasileiras na opinião de muita, mas muita gente (a maioria?), Maria Rita contou uma história saborosa: “Nos anos 90 eu estudava nos Estados Unidos e já cantava. Uma colega minha, norte-americana de origem grega, sabia tudo de pop americano e ouvia muita música grega atual como tradicional. Ela sabia que eu era filha de uma musicista, mas não sabia nada da Elis. Não se se foi uma tarefa do curso, e ela foi pesquisar sobre minha mãe – uma época em que a internet engatinhava e tinha de pesquisar mesmo, na mão. E então ela veio com essa ‘você é filha da Madonna brasileira’. E assim parece que a coisa pegou.”

Estrangeiros que desconhecem a história da maior/melhor de nossas cantoras ficam assombrados quando a escutam ou a veem em vídeos de shows. “Como pode essa diva nunca ter explodido internacionalmente?

Desde que eu a ouvi nas primeiras vezes, nos anos 70, nos discos de meus pais, a dúvida que ficava era a seguinte: toda aquela exuberância interpretativa no samba e no MPB caberia no rock? E se ela cantasse rock?

Em 2012, em resposta a uma provocação, tentei responder a essa pergunta. E ouvi, de forma série, a seguinte ex´plicação. “Seria uma das melhores de todos os tempos, colocaria no chinelo Janis Joplin e qualquer outra. Isso como brasileira. Se nascesse na Inglaterra ou nos Estados Unidos, seria deusa.” 

A provocação partiu de um guitarrista bem-sucedido na música brasileira, então sentado na calçada do Centro Cultural São Paulo, na capital paulista, após um show em 1987. 

Comendo cachorro quente e tomando cerveja – igualmente quente -, o músico fez a explicação como se fosse a coisa mais normal do mundo.

A conversa foi longa e o cidadão calmamente desfiou uma série de argumentos pertinentes para concluir que o mundo perdeu a maior cantora de rock de rock de todos os tempos – primeiro para a MPB, depois para a morte propriamente. 

Dois momentos da carreira de Elis Regina corroboram tal afirmação: uma apresentação em 1965 em um festival de música, transmitido pela TV, e a série de shows “Falso Brilhante”, entre 1976 e 1977.

Tentando me recordar da conversa com o músico há quase 35 anos, tenho de concordar que ela daria uma roqueira maravilhosa. Se fosse britânica ou americana seria uma “rock godess” ou uma verdadeira “queen of rock”? Muito provavelmente sim.

O comportamento errático e rebelde já seria um grande requisito para mostrar que ela poderia, quem sabe, se tornar um misto de Keith Moon (baterista de The Who, morto em 1978) e Janis Joplin (morta em 1970). 

Irascível, meio cabeça dura, bocuda e de opiniões fortes, espantava e surpreendia em um momento complicado da vida brasileira, época brava do regime militar ditatorial. 

Como cantora, sem entrar no mérito do repertório – não são muitas as músicas que cantou que me agradam –, era uma potência, tanto em volume como em consistência.

No palco, a pequenina Elis Regina crescia e dominava todos os espaços, criando ressonâncias e atingindo níveis de extensão vocal nunca vistos no Brasil e raramente vistos no cenário internacional.

Usando a voz como instrumento, foi a melhor cantora que existiu no Brasil, na minha opinião. Em uma rápida comparação no cenário internacional, quase nenhuma chega perto: Janis Joplin, Patti Smith, Joan Baez, Debbie Harry (Blondie), Chryssie Hynde (Pretenders), Joan Jett (Runaways), Tarja Turunen (ex-Nightwish), Angela Gossow (Arch Enemy), Anneke van Giesbergen (ex-The Gathering), Maggie Bell (Stone the Crow), Sandy Denny (Fairport Convention), Mama Cass Elliott (Mamas and the Papas), PP Arnold, Grace Slick (Jeff (Jefferson Airplane), Imelda May, Amy Winehouse…

Daria uma disputa boa se a comparação fosse com Tina Turner, Aretha Franklin, Nina Simone, Billie Holiday, Doro Pesch… 

Mas não é que Elis deu uma passeadinha pelo rock que tanto ignorava, ainda que tinha sido o soft rock? Ela cantou na TV “Yesterday”, dos Beatles, com o então marido César Camargo Mariano ao piano, em uma versão interessante, bem jazzística. 

Os Beatles voltaram a merecer a sua atenção na dobradinha “Golden Slumbers”/Carry That Weight, que fecha “Abbey Road”, álbum dos ingleses de 1969, em uma versão muito boa. E, no limite, a maravilhosa “Como Nossos Pais”, de Belchior, se transforma em um folk blues poderoso na voz dela.

Elis Regina teve concorrentes fortes no Brasil (Gal Costa, Maria Bethânia, Nara Leão…), e sorte de Rita Lee, Cássia Eller, Paula Toller e Fernanda Takai, entre outras, que a cantora gaúcha tenha ignorado o rock – tanto é verdade que liderou um estapafúrdio protesto-passeata contra a guitarra elétrica nos anos 60.

Elis Regina escolheu a MPB por todas as razões mais óbvias do mundo. O rock era desconfortável para ela, embora o blues lhe coubesse perfeitamente. Entretanto, no rock, seria estrela internacional e uma das maiores de todos os tempos – com chances de ser a maior de todas. Azar de Elis e azar do rock.

P.S.: O jornalista Tom Cardoso, um dos biógrafos de Nara Leão e fã ardoroso da cantora, fez um texto polêmico nas redes sociais. Embora reconheça as qualidades artísticas de Elis Regina, que sempre via Nara como rival, relativiza a postura supostamente engajada da gaúcha, questionando a verdadeira posição dela nos anos de chumbo da ditadura militar. “Elis nunca será Nara. E Nara nunca será/foi Elis. Elis nunca teve a consciência política e cultural de Nara. E Nara nunca cantou no nível de Elis. E cagava pra isso. Como não avalio os artistas pelo gogó, fico sempre com Nara. Chico Buarque também.” A discussão é muito boa, hein? Veja mais no post dele aqui https://www.facebook.com/tom.cardoso.7/posts/10224158698547327