Eugenio Martins Júnior – do blog Mannish Blog
Com canções escolhidas a dedo pela cantora Bia Marquese, “Let Me In”, seu trabalho de estreia, é um apanhado bacana de clássicos da canção norte-americana.Trata-se de seu primeiro álbum solo pelo selo Chico Blues, com músicos que orbitam a cena blueseira do ABC e São Paulo.
Eugênio Martins Júnior – Como foi a tua infância musical e quando você começou a cantar?
EM – E o blues e o soul, quando apareceu?
BM – O soul veio primeiro pra mim. Passei um muito tempo da minha infância tentando imitar cantoras e cantores que constantemente me apaixonava. Nem sabia que aquilo era soul music, era só algo que me fascinava ouvir. Já o blues veio um tanto mais tarde. É claro que as coisas se misturam, e o blues e a soul music se mesclam em muitos pontos. Então, diria que o blues, de forma mais consciente e num formato mais tradicional, entrou na minha vida por volta dos meus 18 anos.
EM – Você gravou um CD com alguns clássicos da soul music. Como foi a escolha desse repertório? Tem tanta coisa boa.
BM – Na verdade meu disco é uma mistura de blues, R&B , soul, ragtime e início do rock’n roll. Acho difícil dividir a música em estilos tão delineados. Como disse antes, determinados estilos musicais se misturam, modificam e influenciam um ao outro e, entre eles, existe uma conexão muito forte. Diria que o repertório do meu disco possui, na sua essência, uma unidade sonora que conecta aquilo que também pode ser separado, para funções mais didáticas, em estilos musicais. Já a escolha do repertório foi algo bem natural, sabe? Bem baseado naquilo que naquele momento eu estava conectada musicalmente. Mas, apesar de natural, não foi nada aleatória, foi muito bem pensada e, em algum nível, uma tentativa de homenagear aquilo que me desafia e me transforma musicalmente. Fora isso, pude contar com algumas maravilhosas sugestões do Rodrigo e Chico Blues na empreitada da escolha do repertório. Ah, fico feliz demais que tenha gostado do repertório.
EM – Essa galera do Igor e do Rodrigo era ligada ao jump blues e ao Chicago blues, mas de uma época pra cá deram uma virada pra soul music e o teu disco foi gravado nessa época, né? Teve esse influência do momento ou era uma coisa que você já pensava em fazer?
BM – Na verdade não. Minhas escolhas musicais e de repertório não tiveram influência do som que eles faziam. Apesar de eu ser uma grande admiradora do trabalho que eles fizeram juntos e ter afinidade por grande parte das escolhas musicais deles, não foi algo que teve influência nas minhas escolhas do disco. O disco foi resultado do que fui desenvolvendo ao longo dos anos.
EM – A produção foi do Rodrigo e os músicos que tocam são aquelas figurinhas carimbadas do blues nacional. Essa parte ficou com ele ou vocês fizeram juntos?
BM – Tudo que envolveu o disco, nós fizemos juntos e em parceria com o Chico Blues, até porque, eu não conseguiria não participar da produção do meu próprio disco. (risos)
EM – Ok. Falei merda. A pergunta foi burra mesmo.
BM – Mas, independente disso, o Rodrigo tem uma musicalidade surreal e, como produtor, ele vê detalhes e enxerga coisas que teriam certamente passado batido por mim. Tive muita sorte e aprendi coisa demais assistindo ele, tão de perto, como produtor musical. Quanto aos músicos, eu tenho um carinho absurdo por todos que fizeram parte desse projeto. Fora a qualidade musical de cada um, são pessoas que realmente tem lugar importante na minha vida.
Bia Marchese (dir.) com a amiga guitarrista Kate Moss (FOTO: ARQUIVO PESSOAL) |
BM – Não foi uma transição simples sair do Brasil, mas, ao mesmo tempo, era um movimento que a gente já planejava fazer em algum momento pela vontade de viver e desenvolver certas coisas dentro do blues e também da música de forma mais ampla. A contratação do Rodrigo pela Nick Moss Band apareceu como uma oportunidade de fazer esse movimento. Mudamos pra Chicago um ano e alguns meses antes da COVID -19 e toda essa nova situação pegou a gente no meio. Acho que foi um período bem intenso e a adaptação foi relativamente rápida. Para mim, por ser um começo do zero, já que não fui com nenhum trabalho garantido, foi mais desafiante, mas as coisas foram fluindo e pude fazer alguns trabalhos musicais que foram incríveis pra mim. Sem contar a satisfação de toda uma vivência num contexto de tanta informação musical nova.
EM – E para mulher é sempre mais difícil. O cara sai pra tocar e a mulher muitas vezes fica sozinha.
BM – Na verdade isso nunca foi uma questão na minha vida e tenho esperança que, algum dia, possa não ser mais uma questão na sociedade. Estar num relacionamento é uma opção que, para mim, não tem ligação com nenhum tipo de dependência. Somos indivíduos antes de tudo. Então, eu diria que ninguém nessa relação fica sozinho esperando o outro voltar da gig. (risos). Se ele sair pra tocar, eu certamente estarei envolvida com meus projetos individuais, assim como, se eu sair para tocar ele certamente estará envolvido com os dele. E esses momentos são tão bons quanto os momentos que estamos envolvidos no mesmo projeto ou trabalhando juntos. A ida para os Estados Unidos não foi uma decisão tomada em função de acompanhar o Rodrigo na sua entrada na Nick Moss Band, foi uma decisão que envolveu muitas outras coisas e interesses individuais de ambos dentro das oportunidades que essa mudança poderia proporcionar.
EM – Certamente cada um terá a sua vida e seus projetos. O que eu quis dizer é que as coisas poderiam ter ficado difíceis justamente pela falta de uma atividade inicial. Por outro lado, pode ser uma oportunidade. Você está arrumando um jeito de entrar no circuito, ou ainda é muito cedo? Teve alguma experiência cantando na terra do blues?
EM – Tem conseguido ir a alguns shows de blues? Nos locais legais de lá?
BM – Te falar que ir em shows de blues foi o que eu mais fiz em Chicago, virei a louca dos shows, não perdia um. (risos). Lá ainda tem uma cena de blues bem viva rolando e muitas opções de lugares pra ir.
EM – Tem gravação à vista? Quer dizer, pós pandemia.
BM – Tenho sim. Nunca desejei tanto ter um estúdio em casa como nesse momento de pandemia. Seria lindo passar a quarentena dentro de um estúdio, né não? (risos). Mas sim, já estou trabalhando nas ideias do próximo disco e espero, em breve, começar a agitar isso.
EM – Você gravou uma música com o Willie Walker. Ele participou ao vivo da gravação? Como foi essa parada?
BM – Sim! Amo tanto que ele tenha gravado no meu disco. Não foi ao vivo, ele gravou num estúdio nos Estados Unidos e me enviou. Quando ouvi a gravação, pensei: “o que vou cantar depois disso?” (risos). Ele era uma pessoa maravilhosa né? Não sei se você chegou a conhecê-lo, mas acabei ficando bem próxima, tanto do Willie quanto da esposa dele, e quando o convidei para gravar comigo essa canção, ele deu um sim com aquela risada maravilhosa e, então, gravamos.
Bia Marchese com Dennis Grueling (esq.) e o marido, Rodrigo Mantovani (FOTO: ARQUIVO PESSOAL) |