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 A trajetória da banda carioca Dorsal Atlântica, de metal extremo, pode ser tomada como um retrato dos músicos que se dispõem a transitar no underground com grandes expectativas e reconhecimento, nem tanto. São quase 40 anos de idas e vindas, pancadas diversas e muitas boas histórias, mas quase sempre sem sustentabilidade.

Carlos Lopes, o guitarrista, compositor e vocalista (também é professor, jornalista e escritor, além de um quadrinista admirável), interrompeu algumas vezes essa trajetória por conta das inerentes dificuldades de fazer rock pesado e incômodo – ora optava por outros projetos de música, como usina Le Blonde e Mustang (voltados ao hard rock e à música negra), ora se dedicava aos outros projetos musicais.

Em longa conversa com este jornalista em 2018, após uma entrevista bacana ao programa Combate Rock, Lopes contou algumas dessas dificuldades que o levaram a ampliar os hiatos da Dorsal, principalmente após à volta oficial, ocorrida em 2012 com o disco homônimo.

“Por mais que eu quisesse que fosse diferente, fazer rock pesado no Brasil com engajamento e mensagem social é muito complicado”, disse o músico durante o jantar. “Nunca reivindiquei um reconhecimento que eventualmente eu acho que a Dorsal Atlântica merecia, mas sempre houve uma expectativa de que houvesse alguma evolução depois de 35 anos de música em um cenário que prometia ser vivo e intenso. Hoje, para muitas bandas, só é viável gravar e lançar um disco com um mínimo de qualidade via financiamento coletivo.”

E assim foi com os dois mais recentes discos da Dorsal, “Canudos” (2019) e “Pandemia” (2021), dois dos melhores trabalhos do rock brasileiro recentemente. 

Sem shows – por causa da pandemia de covid-19 e por dificuldades de mercado antes dela -, os custos de produção de uma obra como o mais recente CD, mesmo com financiamento coletivo, quase inviabilizam o trabalho artístico. É o que ele contou em entrevista publicada na edição 263 da revista Roadie Crew. E sentenciou que “Pandemia” é o último trabalho da banda.

“Eu me sinto exausto criativamente e não vejo um novo lançamento da banda por conta de muitas razões”, afirmou Lopes à publicação. Ele já tinha decretado o fim da banda outras vezes, mas reconsiderou, para sorte de todos, e compôs e lançou discos indispensáveis. Mas será que o fim agora é inevitável?

“Não me vejo gravando outro disco”, comentou o guitarrista. “Estou muito desgastado psicológica, física e mentalmente. Mesmo sem shows, assumi a tarefa pesada de cuidar de todo no último lançamento, de administrar as gravações, cuidar do financiamento, da infraestrutura, divulgar e tudo o mais. Como arranjar disposição para fazer isso aos 60 anos de idade e ainda ter de continuar trabalhando com outras coisas?”

Em recentes entrevistas ao Combate Rock, Lopes não dava indicações de que poderia novamente parar com a banda. Estava empolgado com “Canudos” e “Pandemia”, principalmente pela repercussão artística positiva e pela procura dos fãs. 

No entanto, não escondia a insatisfação por conta das dificuldades em manter a locomotiva nos trilhos. Não o agradava manter um legado sem poder subir aos palcos, e isso bem antes da pandemia. Artisticamente, já apontava para uma solução definitiva a respeito da continuidade da carreira musical.

Carlos Lopes é um artista raro que mantém uma curiosidade intelectual incessante e uma noção clara de seu posicionamento enquanto artista underground e de contestação. É uma voz das mais relevantes na discussão política e social em um Brasil cada vez mais atolado nas trevas do bolsonarismo predatório e lesivo ao país.

O eventual fim da Dorsal Atlântica (mais um) é um golpe pesado dentro da cultura depredada deste país infeliz dominado por milícias políticas de todos os tipos. 

O rock brasileiro perderá parte de sua contundência – que anda bem fraca ultimamente – se o fim da Dorsal Atlântica for confirmado.