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 Nelson Souza Lima – especial para o Combate Rock

Prestes a completar 30 anos o Manifesto Riot Grrrl surgiu simultaneamente ao Grunge, e no mesmo estado de Washington, EUA. Mas, enquanto o estilo imortalizado por Nirvana e Pearl Jam nasceu em Seatle, o Riot Grrrl despontou em Olympia, tendo seu manifesto original publicado em 1991, produzido por Kathleen Hanna, vocalista do Bikini Kill e uma das maiores representantes do movimento.

Não demorou muito para as brasileiras abraçarem o Riot Grrrl, e grupos importantes surgirem como Dominatrix e TPM. Evidentemente que inúmeras outras bandas se juntaram à elas numa atitude punk rock, dispostas a soltar a voz, tocando do jeito que só as garotas sabem.
Passadas quase três décadas o Riot Grrrl e a sociedade mudaram. Muitas bandas ficaram pelo caminho, outras ainda estão ai, dando seu recado em busca de igualdade. 
No Brasil novos grupos formados por garotas têm chamado atenção, evidenciando que a mulherada roqueira não é sazonalidade. Sempre estarão presentes e, enquanto uma garota, empunhar a guitarra ou berrar no microfone clamando por direitos a sociedade seguirá um caminho melhor.
Para Dani Buarque, vocalista/guitarrista da The Mönic as mulheres devem muito ao Riot Grrrl e à todas que vieram antes dele. “A gente sabe que dentro desse movimento principalmente, mas também fora dele, mulheres que estavam na música desde antes, desde a criação do rock (que também foi criado por uma mulher), a gente deve à todas elas”, diz.
Segundo a também guitarrista/vocalista Ale Labelle, independente de movimentos musicais, a luta das mulheres por direitos é constante, principalmente pelos frequentes casos de feminicídio no Brasil.
“O número de denúncias aumentou, o que mostra que as mulheres estão se empoderando mais e indo de fato denunciar. Então é um dado inconclusivo. A gente não consegue saber se as pessoas estão matando mais ou se é porque ele está sendo classificado corretamente e/ou se é porque as pessoas estão denunciando mais também. Sem dúvida o buraco sempre foi mais fundo do que chegou até nós, e continua sendo”, atesta Labelle.

Completam a The Monic a baixista/vocalista Joan Bedin e a batera Daniely Simões. Confira abaixo a entrevista completa, feita por e-mail.

The Mönic (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Combate Rock- Em 2021 o Riot Grrrl completa três décadas. Gostaria de saber qual a identificação de vocês com o manifesto que surgiu em Olympia, Washington, EUA e segue sendo um importante marco na luta das bandas femininas em busca de igualdade e direitos.

Dani Buarque –
Eu acho que todo mundo que toca hoje em dia, que tem alguma participação na cena, e é mulher ou dissidente, deve muito a esse movimento e à todas as mulheres que começaram antes de nós. A gente sabe que dentro desse movimento principalmente, mas também fora dele, mulheres que estavam na música desde antes, desde a criação do rock (que também foi criado por uma mulher), a gente deve à todas elas. Então é uma identificação grande, é um marco importante. Mas acho importante dizer que a gente não deveria falar “bandas femininas”, porque acaba que o gênero fica em evidência. Vamos colocar como “bandas com integrantes mulheres e dissidentes”. Até mesmo porque a gente não fala “banda masculina”, costuma-se só colocar o gênero em evidência quando a banda tem mulher. A gente acredita que o melhor caminho para a evolução é também a naturalização das coisas e acho que o dialeto é uma dessas maneiras.

CR- Vocês se consideram uma banda Riot Grrrl? Sabemos que em 30 anos muita coisa mudou. A sociedade mudou. Como fazem um balanço destes 30 anos?

Dani Buarque – A gente tenta não se apegar a rótulos, até mesmo porque acho que a definição de um movimento difere muito de uma pessoa pra outra. Já ouvi definições de que Riot Grrrl é um movimento político, pra você se considerar uma banda Riot Grrrl precisa trazer em suas letras temas políticos, sociais, etc. Então não sei, a gente nunca parou pra pensar se somos uma banda Riot Grrrl. A gente se identifica 100% com o movimento, somos influenciadas por bandas desse movimento, admiramos muito, mas a gente é uma banda de rock grunge.

CR- Muitas de vocês eram crianças quando o manifesto surgiu. De que forma moldadas pelo Riot Grrrl?

Dani Buarque – Metade da banda ainda não viveu 30 anos, então tudo que a gente sabe é de experiências nossas e de ouvir falar, mas pelo que a gente vê mudou graças à luta que vieram antes de nós. Hoje temos mais espaço, mas ainda assim é completamente fora da proporção. Você ter 12% das músicas que são registradas serem de mulheres mostra essa desigualdade no mercado, não só no lado artístico como também no lado técnico. Se você for pegar as produtoras mulheres elas correspondem a 2% do mercado. Isso é absurdo. A gente sabe bem que é um ambiente intimidador, mas é surreal pensar que as mulheres estavam desde o momento da criação do rock na cena, se inserindo com muita luta, e que mesmo depois de todos esses anos a gente continua tendo que brigar por um espaço que ainda é tão desigual.

CR- Independente de serem ou não Riot Grrrl de que forma sua música contribui para uma sociedade mais equânime?

Dani Buarque – Acredito que mulheres estando em cima do palco e fazendo acontecer inspira outras mulheres a se jogarem no que querem fazer também. Mas a verdade é que a nossa intenção ao fazer música é simplesmente fazer música e se conectar com as pessoas que gostam do nosso som da maneira mais verdadeira possível. A gente tem letra política, romântica, sarcástica, etc. Falamos sobre bastante coisas diferentes.

CR- A luta das mulheres em busca de seus direitos vai além da música. Como artistas, como veem a luta das mulheres atualmente, uma vez que a ascensão de Jair Bolsonaro despertou o vírus do ódio numa explosão homofóbica e misógina sem controle, visto o crescimento dos casos de feminicídio.

Ale Labelle – Com certeza vivemos em um momento complicado no país, mas isso só mostra o quão necessário é o feminismo e dá mais motivação e força para a luta. Porém quanto ao crescimento dos casos de feminicídio há controversas, porque o número de denúncias também aumentou, o que mostra que as mulheres estão se empoderando mais e indo de fato denunciar. Então é um dado inconclusivo. A gente não consegue saber se as pessoas estão matando mais ou se é porque ele está sendo classificado corretamente e/ou se é porque as pessoas estão denunciando mais também. Sem dúvida o buraco sempre foi mais fundo do que chegou até nós, e continua sendo.

CR- Muito se fala que o rock é desunido, com muitos “rock stars” egocêntricos e prepotentes. Se entre os homens há muitos atritos gostaria de saber como são as relações entre as bandas femininas.

Ale Labelle – As bandas (que contêm integrantes mulheres ou dissidentes na sua formação) estão se unindo bastante. Uma dando a mão pra fortalecer a outra. Como nos festivais e etc as mulheres ainda costumam ser a minoria no palco (e também fora dele), não existe espaço pra atritos. Unidas somos mais fortes e sabemos disso.

CR- Vocês já tiveram contato ou tocaram com bandas gringas representativas do rock feminino? Tipo o Gossip, da Beth Ditto tocou em São Paulo alguns anos atrás, antes de terminar em 2016. Como é o contato com os grupos de fora?

Ale Labelle – Não temos muito contato com bandas de fora do Brasil. A única que conseguimos pelo menos conhecer algumas integrantes foi a L7, quando vieram tocar em São Paulo em 2018.

CR- O rock em geral encontra dificuldades em conseguir espaço na mídia, isso vale pra bandas masculinas e femininas. Como é a relação de vocês com a mídia e a busca de espaço pra tocar.

Ale Labelle – Acredito que temos uma relação até que boa, em comparação com muitas bandas do underground, mas costuma ser melhor quando estamos com algum lançamento recente. Já tocamos várias vezes em rádios como a Rádio Rock e Kiss FM de São Paulo, além de outras rádios pelo Brasil. Geralmente conseguimos destaques em sites também quando lançamos clipe novo. Mas praticamente tudo que conseguimos vem de nós mesmas fazendo o corre, indo atrás, mandando para as pessoas as músicas/clipes e fazendo acontecer. Importante ressaltar que nada acontece sem bastante suor.

CR- Infelizmente a pandemia paralisou tudo. Como têm se virado com lives e divulgar o trabalho da banda?

Ale Labelle – Temos feito um bom tanto de lives. Alguns dos mais legais que rolaram até agora foram o Super Live Nerd Rock do Omelete e o Festival VIVA Girls Rock Camp, além do Monster Rock Fest no qual tivemos a oportunidade de realmente subir num palco e tocar ao vivo no Hangar 110. Além disso, durante esse período em quarentena gravamos o EP “Refúgio”, no qual fizemos versões acústicas de 4 músicas nossas, a maioria do nosso disco de estreia “Deus Picio”. Gravamos e produzimos todas as faixas do EP nas nossas casas e também fizemos videoclipes para elas.

CR- De que forma as bandas femininas podem ser representativas dos anseios das mulheres em geral por busca de direitos e uma sociedade igualitária?

Ale Labelle – Música é um meio de expressão/comunicação. Portanto, é um porta-voz para o que se anseia, almeja, abomina, sente e pensa de modo geral. Então pode ser um meio de luta, seja por meio do público se identificando e se inspirando, gerando união e dando força ao feminismo, ou seja pra alguém ouvir e possivelmente mudar o pensamento e as ações após entender aquela mensagem.

CR- Quem são suas inspirações dentro do cenário rock feminino/masculino?

Ale Labelle – The Biggs, Violet Soda, Overfuzz, Dominatrix, Disaster Cities, Blastfemme, Pink Roof, Molho Negro, Miami Tiger, Moxine, Far From Alaska, entre de muuuitos outros.