Escolha uma Página

Marcelo Moreira

Uma das passagens mais fascinantes da história do rock no Brasil passa pelo interior do Bahia em meados dos anos 90. No meio do nada, entre cenários paradisíacos na região da Chapada Diamantina, um astro do rock de primeira grandeza viveu por longos períodos, em alguns anos, quase incógnito, comendo boa comida, bebendo vinho e cachaça e, de vez em quando, tocando violão em botecos.

Foi atração quase à primeira vista. Jimmy Page, ex-guitarrista do Led Zeppelin, de forma discreta, decidiu passar um tempo entre Rio de Janeiro e Salvador a partir de 1993, quando terminou o seu projeto com o cantor David Coverdale e um pouco antes da retomada da parceia com seu parceiro de Led Zeppelin Robert Plant. Já frequentava o Brasil desde 1979, mas se apaixonou mesmo pelo interior baiano mais de 15 anos depois.

Por influência então de uma namorada argentina, Jimena, foi à Chapada Diamantina e adorou pelo lugar, comprando inclusive uma casa em uma cidadezinha. Estava tudo em casa: a namorada tinha uma filha, Jana, com um músico baiano, integrante da banda de Margareth Menezes – ela e o músico ficaram muito amigos do guitarrista.

Essa história foi brilhantemente contada pelo jornal Folha de S. Paulo em 1996, em reportagem do ótimo e saudoso repórter Ari Cipola, então correspondente da Agência Folha em Maceió (AL). Tive a honra de coordenar e editar o texto à época.

Essa e outras boas histórias estão no livro “Jimmy Page no Brasil” (ed. Garota FM, R$ 95). A obra é uma pesquisa exaustiva feita por Leandro Souto Maior, que entrevistou muita gente para traçar um grande panorama das passagens e ligações do guitarrista no Brasil. Os jornalistas Christina Fuscaldo e Bento Araujo estão entre os colaboradores do livro, que teve campanha de financiamento coletivo pelo Catarse –  www.catarse.me/jimmypagenobrasil.  

O livro passa pelas temporadas cariocas de Page, onde se apaixonou pelo samba e pelo carnaval, além de mostrar um pouco do trabalho beneficente da Casa Jimmy, que ele manteve no Rio de Janeiro.

Muito interessado na cultura e na música do Brasil, conviveu com Gilberto Gil, Tony Bellotto, Paulo Ricardo, Herbert Vianna, Frejat, Charles Gavin, Pepeu Gomes, Daniela Mercury e Margareth Menezes, entre muitos outros que deram depoimento e fotos inéditas para o livro – 280 páginas em cores. 
O prefácio é de Ed Motta, um dos maiores conhecedores no Brasil da obra do Led Zeppelin, e o posfácio de Sebastião Reis, o jovem guitarrista, filho do cantor e compositor Nando Reis (ex-Titãs).
 
São os fatos pitorescos vividos na Bahia que se mostram os mais saborosos, com narrativas dando conta de um astro mundial vivendo anônimo em Lençóis, nas imediações da Chapada Diamantina, tomando cachaça, vivendo quase maltrapilho e tocando muito de vez em quando o violão.
Ao contrário do que imaginava em 1996, quando a Folha de S. Paulo “achou” o guitarrista em Lençóis, as temporadas de Page no local não eram um segredo guardado a sete chaves. 
A maioria da população da cidade não sabia quem era, de fato, o Jimmy “Lama”, e não era poucos os amigos no Rio e em Salvador que sabiam de seu “retiro”. Entretanto, ficava desconfortável quando surpreendido na cidade baiana, onde comprou um terreno e construiu uma casa, mantida até hoje.
O repórter Ari Cipola flagrou-o em um boteco e, de início, negou ser quem era. Mesmo não falando inglês e o portunhol do músico ser péssimo, conversaram por cerca de meia hora, com a ajuda providencial de Jimena, uma argentina criada nos Estados Unidos e fascinada pela Bahia.
Caminharam um pouco pela cidade, com Page mostrando-se íntimo do local. Brincou um pouco com um violão de apenas três cordas jogado no seu boteco preferido e Page, abruptamente, levantou-se para almoçar em casa dormir – fazia muito calor à época, outubro de 1996. 
No dia seguinte, Cipola procurou o guitarrista, mas foi informado por vizinhos que ele, Jimena e a filha desta tinham partido para Salvador. 
Restaram outras saborosas histórias, como a dupla de estudantes paulistas que filmou um show em um boteco do lugar e estranharam que um dos violonistas estava de costas e não virava de jeito nenhum.
 Uma das lendas diz que os dois reconheceram Page depois de um tempo e, quando tentaram conversar, o músico escapuliu pelos fundos. Outra diz que os dois só reconheceram o guitarrista assistindo ao vídeo em Salvador. Imediatamente teriam voltado a Lençóis, mas já não encontrando-o na cidade.
Lamentavelmente, estas histórias saborosas não estão no livro porque Cipola, natural de Presidente Prudente e ex-correspondente da Folha de S. Paulo em Maceió (AL), morreu em 2004, aos 42 anos de idade.
Até hoje essas histórias de Jimmy Page pelo Brasil surpreendem e geram desconfianças, coisas que não aconteceram mais graças a esse instigante livro.