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Ele foi o primeiro artista a conseguir um feito assustador: tocar ao mesmo tempo em 22 das 24 rádios populares de São Paulo. Com fato inacreditável para o sucesso, cansou de ser comparado a Elton John, o que lisonjeava. Entretanto, vibrava também quando alguém identificava toques de Rick Wakeman em suas canções “sinfônicas”.

Por qualquer ângulo que se analise, Guilherme Arantes é um fenômeno musical de primeira grandeza. Quase septuagenário, provavelmente ele é incapaz de enumerar a quantidade de hits pop e românticos que teve, e fica orgulhoso a respeito de um reconhecimento, ainda que tardio, ao talento e importância.

“A Desordem dos Templários”, seu recém-lançado álbum, reforça essa percepção. Peara a Folha de S. Paulo, por exemplo, o álbum vai agradar aos “amantes do rock progressivo”. Seria esse um defeito, ou o maior defeito?

Em recente conversa com o jornalista André Barcinski, no podcast que está no site dele, Arantes deu de ombros a respeito dessa suposta preferência. “Pode até ser que minhas influências mais progressivas, mas eu enxergo mais outras coisas, como referências eruditas e também da MPB clássica. E, ao contrário do que diz a Folha, não estou me lixando para o mercado. Estou é seguindo para onde ele vai.” 

O cantor e tecladista está morando em Ávila, na Espanha, pego de surpresa pela pandemia de covid-19. Ele e a mulher estão aprofundando estudos culturais e o ambiente histórico e culturalmente riquíssimo impactou diretamente na nova obra.

Arantes evita o rótulo de obra conceitual, mas reconhece que um tema se sobressai ao longo do ótimo disco, quase todo cantado em português – o encerramento do CD é cantado em inglês, em bela canção que lembra bastante as suas obras icônicas dos anos 80 e também ecos de Elton John.

Guilherme Arantes mora há um ano na Espanha (FOTO: DIVULGAÇÃO)

“Desordem dos Templários” não foi concebido para ser um disco de rock, mas se tornou, e dos bons, a começar pela faixa-título, uma suíte orgânica que tem bons momentos no teclado e arranjos orquestrais grandiosos, para não falar de uma linha melódica bacana feita na guitarra.

Gravado em Ávila, São Paulo e Nova York, é um típico trabalho dos tempos de pandemia, colaborativo e, ainda assim, orgânico. Há momentos pop e acessíveis, como não poderia deixar de ser, mas predominam os arranjos elaborados e sofisticados.

É o caso de “El Rastro”, impregnada de sonoridades ibéricas e orientais, em um trabalho soberbo de piano e cordas. “Nenhum Sinal do Sol” é emblemática, já que simboliza a discussão e reflexão da vida em terras estrangeiras e também o impacto cultural que recebemos da cultura que tentamos assimilar.

“Toda a Aflição do Mundo” condensa uma visão que permeia toda a obra, seja pelo cosmopolitismo, seja a inadequação de se viver em um mundo em constante mudança e em aceleração quase incompatível com nosso cérebro. As guitarras e violões aqui chamam novamente a atenção.

Não é um CD de rock progressivo, mas vai agradar em cheio aos apreciadores do gênero. Se demorou para que Guilherme Arantes fosse reconhecido como um cidadão do mundo e um compositor prolífico capaz de transitar por muitos gêneros, agora é inevitável reconhecer o seu talento e seu brilhantismo. 

“A Desordem dos Templários” é uma obra de grande porte, estupenda e necessária nestes tempos em que o orgulho de ser ignorante está em alta e o conhecimento é desprezado por uma visão político-ideológica medieval – o que não deixa de ser uma ironia.