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O telefone de Eric Clapton toca cada vez menos, e os amigos, por enquanto, preferem manter distância, o que agravou a rabugice e a solidão do guitarrista inglês na pandemia. Já o conterrâneo Rod Stewart viu o período de isolamento com outros olhos, e pareceu ter lidado melhor com os efeitos da pandemia de covid-19: olhou para frente e optou por canções mais ensolaradas, digamos assim.

“The Lady in the Balcony – Lockdown Sesisons” é um trabalho bem feito, mas melancólico. Eric Clapton retorna ao formato acústico e ao violão, com a ajuda ocasional de piano e percussão jazzística aqui e ali.

O estúdio é caseiro, montado na imponente Cowdray House, no interior da Inglaterra. Em uma sala, frente a frente, em Clapton, Steve Gadd (bateria), Nathan East (baixo) e Chris Stainton (teclados) mostraram um entrosamento assustador e tocaram como se estivessem apenas ensaiando, em clima intimista e tranmquilo.

Foi uma tentativa de revisitar seu próprio catálogo e homenagear amigos, como Santana e Peter Green (Fleetwood Mac) na emblemática “Black Magic Woman”, que aqui aparece em versão chorosa e sem alma.

O guitarrista se sai melhor em “Layla”, em execução semelhante ao tremendo sucesso de “Unplugged”, de 1992, mas com acento de jazz que enriqueceu o trabalho. Foi reverente também com a triste “Tears in Heaven”, dedicada ao filho Conor, que morreu em 1991 em um acidente trágico.

A melancolia é a tônica do trabalho, gravado basicamente em seu estúdio caseiro. Para quem ignora as posturas negacionistas e antivacina do músico, o passeio pela longa carreira de 58 anos em formato intimista pode ter parecido mais um hobby, já que não há nada que soa diferente ou mais ou menos inovador.

Clapton pareceu querer mandar um recado para acentuar que a fase não está boa para ninguém e que um passado idílico é a única coisa que dá alento. Seria o caso da interpretação suave e mais contida da excelente “Nobody Knows You When You’re Down and Out”, curiosamente a que abre o disco? É coincidência começar com esse clássico da melancolia blues norte-americana?

Há tentativas de mudar o astral com “After Midnight”, clássico em sua voz nos anos 70, com um piano certeiro e sacana tentando fazer uma base mais fresca para que Clapton soe mais animado. Mas a vontade parece desaparecer quando ele revisita clássicos máximos do blues, como “Key to the Highway” e “Bell Bottom Blues”, muito reverentes às originais e com pegada frágil, evidenciando seu estado de espírito.

Não é um disco ruim, é fruto do período em que vivemos, mas Clapton soa como um músico desolado e em busca de uma redenção em um mundo onde demonstra estar isolado e deslocado. Como se trata de “deus” da guitarra, sempre esperamos muito mais, ainda que o negacionismo tenha colado indelevelmente em sua vida.

Rod Stewart preferiu outro caminho. O cantor buscou forças para exalar otimismo em “Tears of Hercules”. O termo ensolarado é o adjetivo adequado para descrever a veia pop por excelência que explode desde as primeiras nota de “One More Time”, que abre o disco com ares de anos 80.

Stewart olhou para frente mesmo ficando os dois pés no passado. Mesmo com zero de inovação e surpresa, o novo trabalho é cativante em vários aspectos, flertando com ritmos dançantes, como em “Gabriella”, ou resgatando influências mais folk, como na festiva “All My Days”, recheada de violinos e rabecas.

Entre as versões escolhidas, o clássico “Some Kind of Wonderful”, dos Soul Brothers Six é o destaque, com metais dignos dos sons da Stax. Experiente, imprimiu uma personalidade exuberante e transformou positivamente a canção, da mesma forma que fez em “Born to Boogie”, do amigo Marc Bolan, morto em 1977. “These Are My People”, clássico de Johnny Cash, virou uma canção folclórica tipicamente inglesa, com gaitas de fole e uma interpretação mais tradicional, digamos assim, com ares de hino religioso.

Dificilmente “Tears of Hercules” vai se destacar na discografia longa dos quase 60 anos de carreira do cantor escocês, mas se torna uma obra importante em 2021 por sinalizar, entre tantas obras, que a pandemia pode e tem de ser vencida por meio da esperança e e da força de vontade de mensagens otimistas. Rod Stewart espantou a melancolia e o baixo astral e tem de ser elogiado por sua coragem nestes tempos tão sombrios.