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Houve um tempo em que os gigantes pisavam sobre a Terra e dominavam tudo, e todos. E a maior de suas obras, talvez a definitiva, não tinha identificação, assim como as anteriores. E então “Led Zeppelin IV” capturou quase todos os corações e mostrou que era possível, sim, destronar os Beatles e superar os Rolling Stones.

O quarto disco do quarteto inglês, que completa 50 anos de seu lançamento, é tão bom, mas tão bom, que a sua música mais impactante, a mais dramática, a que simbolizava o grande avanço estético e musical, foi ofuscada por estar encalacrada entre dois grandes hits.

“The Battle of Evermore”, um clássico da discografia e um hino do chamado celtic folk, tem em sua gravação a única participação especial de um músico além dos quatro. Sandy Denny, a musa do Fairport Convention e do Fotheringay, talvez a voz feminina mais importante do folk inglês, faz a segunda voz e chega a ofuscar Robert Plant em uma performance extraordinária.

“IV” sintetiza e resume o que foi o Led Zeppelin, com a agressividade de “Black Dog”, o balanço de “Misty Mountain Hop”, o blues progressivo de “When the Levee Breaks”, a energia atômica de “Rock’n’Roll”, na delicadeza dramática de “The Battle of Evermore”…

Não é à toa que superou os insuperáveis “Sticky Fingers”, dos Rolling Stones, “Who’s Next”, do Who, “A Nod as a Good as a Wink… to a Blind Horse”, dos Faces, “Fragile”, do Yes e toda a sorte de concorrentes pesadíssimos que fizeram de 1971 o ano sagrado da música pop.

Naquele tempo, em que os gigantes pisavam na Terra, a guitarra de Jimmy Page derrubava paredes e preconceitos. Estabelecia que a energia do rock poderia ultrapassar fronteiras sem necessariamente recorrer a inovações estilísticas. O blues era a base de tudo. Era só energizá-lo com tonelada de riffs e solos lancinantes. Incandescentes. Destruidores.

“Led Zeppelin IV” resume em toda a sua grandeza o que se convencionou chamar “álbum clássico de rock”. Está tudo lá: genialidade, inteligência, rudeza, sutileza, violência, agressividade, contestação, afronta. É o símbolo de uma era, de uma geração e de uma face importante da cultura ocidental, que é transgressão.

Muita coisa viria logo em seguida, mas naquele final de 1971 quase todos se perguntavam o que poderia ser mais pesado e intenso do que aquilo? Quem poderia confrontar aqueles gigantes que teimavam em dominar aquela Terra?

A concorrência se mexeu, e Deep Purple e Black Sabbath logo tratariam de ombrear o time de Jimmy Page, mas as bases foram estabelecidas ali, naquelas oito canções do quarto disco do Led Zeppelin.

Se “Who’s Next”, com sua iconoclastia, sarcasmo, ironia e amplo cinismo/ceticismo (“Não Seremos Enganados Novamente”, bradava Roger Daltrey em “Won’t Get Fooled Again”), enterrou os anos dourados da década anterior, reforçando o “sonho acabou” de John Lennon, “Led Zeppelin IV” demoliu o que restava de inocência na música pop. Flower Power? Paz e amor? Então tomem hedonismo, rock pesado e alguma dose de violência.

Por outro lado, foi o álbum que expandiu as possibilidades em todos os sentidos na música pop, estabelecendo a s bases de quase tudo o que ouvimos hoje, levando além toda a inovação estética surgida com os Beatles. Ainda hoje é um disco cuja importância é quase impossível de ser medida ou quantificada.

Alguns ainda tinham dúvidas a respeito do tamanho do Led Zeppelin em 1971. O quarto disco acabou com todas elas.