Vidros quebrados do Bar Brahma (FOTO: REPRODUÇÃO/TV GLOBO)
As cenas são chocantes e desesperadoras: uma horda de pessoas, entre ladrões comuns e usuário de drogas, ataca um carro em uma avenida movimentada. Diante de alguma resistência, passam a apedrejar o carro e os restaurantes das imediações. Tudo isso na esquina mais famosa de São Paulo e uma das mais icônicas do Brasil, imortalizada em versos de Caetano Veloso.
É o auge da insegurança no centro de São Paulo. A tentativa de assalto ocorreu às 16 de um domingo, 3 de dezembro, uma tarde quente, enfrente ao bar Brahma, na esquina das avenidas Ipiranga e São João, em São Paulo, um dos bares mais tradicionais e que recebem turistas de todos os lugares.
Seguranças e alguns pedestres reagiram à tentativa de assalto em ajuda às vítimas, espantando alguns dos agressores, as estes voltaram minutos depois, em maior número, e passaram a apedrejar o carro alvo do ataque, o bar Brahma e o restaurante vizinho, o Salada Record. Apenas um agressor foi preso e vidraças do Brahma foram destruídas.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública disse que a Polícia Militar foi acionada para uma ocorrência de agressão na Avenida São João. No local, os policiais apuraram suposta tentativa de furto em frente a um estabelecimento comercial.
O infrator foi detido por populares, que o agrediram, o que levou outros suspeitos a apedrejar o local até que o homem fosse liberado.
Era apenas uma questão de tempo para que a questão atingisse tamanho grau de gravidade e periculosidade. Desde o final da pandemia que a “migração” da Cracolândia tem afetado a vida cotidiano de várias áreas do extenso centro de São Paulo, espalhando medo e espantando turistas e consumidores do centro da cidade.
Antes confinados no entorno da estação Júlio Prestes, em duas ruas no limite entre o Bom Retiro e Campos Elíseos, os usuários de drogas e os bandidos que se infiltram foram migrando para outros locais, de Sant Cecília à praça da República.
A coisa se agravou a tal ponto que a Cracolândia está desidratando a rua Santa Ifigênia e seu entorno, que é um dos maiores polos de comércio eletroeletrônico do mundo e um ponto turístico do turismo de negócios.
A movimentação de consumidores naquela rua caiu 80% na comparação com os primeiros meses do ano passado, segundo informações da associação dos lojistas da área.
O aumento dos crimes relacionados à Cracolândia e sua intensificação fizeram cair pela metade o volume de visitas na Galeria do Rock de acordo com lojistas do local, entre junho de 2021 e junho de 2023. É mais um cartão postal e ponto turístico importante que sofre com a insegurança do centro da cidade.
A Cracolândia está destruindo a cidade e causando milhões de reais de prejuízo, além de inviabilizar qualquer programa de revitalização e reocupação da área central, independentemente de quem está no governo municipal.
A recusa – que enseja as desconfianças de que seja deliberada – de administrações de direita e extrema-direita em tratar do problema está cobrando o seu preço.
São anos de problemas, notadamente após 2016, quando o PT foi substituído pelo PSDB na administração municipal. Os programas assistenciais a sem-teto e usuário de drogas, que conseguiam ao menos amenizar o problema e apontar algum caminho, foram desmantelados e substituídos por alternativas ineficazes e quase sempre se baseiam na repressão.
O tráfico de drogas continua atuando livremente e sem ser incomodado pelo aparato estadual de segurança, que sempre foi administrado pelo PSDB e, agora, pelo partido Republicanos, ultraconservador e de extrema-direita. É gente que está pouco ou nada interessada em resolver o problema.
É um problema de saúde pública? Sim, e gravíssimo, mas também é de segurança pública, ainda mais grave, e de desenvolvimento econômico, ou melhor, de falta de desenvolvimento econômico.
Várias quadras das avenidas Rio Branco, São João e Ipiranga estão com imóveis abandonados, fechados e depredados, assim como nas ruas dos Timbiras. Conselheiro Nébias e Barão de Limeira, outrora locais de comércio pujante e fervilhante. A vida gastronômica da região sumiu.
Com o agravamento da situação, a segurança pública, infelizmente, ganha precedência atualmente. O crime tomou conta do centro diante da ineficiência do policiamento e da política de segurança lamentável do lamentável governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos). Nem mesmo a repressão, tão cara e pregada pelos extremistas de direita, funciona neste governo. O centro está acabando.
A Galeria do Rock, diretamente afetada, está refém da violência do entorno. Os políticos que sempre bajularam e pediram votos com o apoio dos administradores do local desapareceram. Os canais que o síndico tinha na Câmara Municipal parecem ser insuficientes para ajudar a amenizar a situação. Também estão abandonados.
Das 140 lojas que existiram no local que vendiam música, hoje só restam menos de 30 em meio a um comércio de roupa, bugigangas, bonequinhos e outras coisas que nada têm a ver co música ou rock. Está descaracterizada e muitos acreditam que é questão de tempo que a música suma de vez.
Entretanto, enquanto houver lojas que insistam em vender mídia física e concentrar produtos artísticos, devemos lutar por um espaço que se tornou símbolo cultural e turístico da cidade.
Ver a galeria sitiada pela violência e insegurança e nem ao menos se indignar é capitular diante da indiferença de governos péssimos e desumanos que abandonam até mesmo os comerciantes conservadores que os apoiaram.
Ainda que a população continue votando em incompetentes que desprezam os direitos humanos e desumanizem os pobres e pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, é necessário que haja indignação e resistência.
Por mais que achemos que a população não liga para isso ao votar nessas excrescência, é preciso resistir e lutar para recuperar a cidade e a vida no centro.
Que execremos os inimigos da cultura e que ignoram a humanização das administrações, que se preocupam apenas com privatizações. Temos de continuar pedindo socorro, mas manter a luta para preservar as conquistas de sempre.
Se perdermos a Galeria do Rock, que seja pela profunda crise musical e pela lamentável mudança de perfil comercial do local, e não pela violência que domina a cidade.