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Guitarras resplandecentes e dinâmicas explodem neste período em que, ao que parece, a pandemia de covid-19 está em vias de ser controlada no mundo. É quase um renascimento da música e das artes em geral, e dois ótimos trabalhos demonstram um entusiasmo com a vida.

O norte-americano Joe Bonamassa, provavelmente o maior nome do blues deste século, artista incansável e ultraprodutivo, colocou no mercado o aguardado “Time Clocks”, seu terceiro lançamento em 18 meses.

Já faz tempo que o guitarrista entrou para a categoria dos artistas incapazes de lançar coisa ruim, mas o novo disco impressiona porque ele mantém a qualidade ascendente de seus trabalhos. Um trabalho é melhor do que outro há muito tempo, e parece que seu auge se estenderá por muitos e muitos anos.

Se o rock predominou em ‘Royal Tea”, seu lançamento anterior gravado em Londres e dedicado ao rock britânico dos anos 60 – e o mesmo clima predominou em “Now Serving”, o ao vivo com quase todas as canções do disco -, em “Time Clocks” ele volta ao cancioneiro norte-americano, diversificando entre o blues, a country music, o southern rock e a soul music,

A poderosa “Notches” abre o álbum de forma esplendorosa, com seus ataques roqueiros e ganchos pop deliciosos, mas o grande destaque é a faixa-título, uma canção magistral, com um refrão contagiante e um clima épico que evoca um clássico do começo da carreira solo de Bonamassa, a destruidora “Mountain Time”. “Time Clocks” é perfeita do início ao fim e emociona com uma interpretação segura.

“The Heart That Never Waits” e “Mind’s Eye” trazem o que de melhor se pode ouvir na country music misturada com o blues, exaltando traços melancólicos e reflexivos, bem de acordo com o conceito do álbum, que faz observações densas e perturbadoras a respeito da passagem do tempo e de nosso papel nas vidas de quem amamos.

Se “Royal Tea” e “Blues of Desperation”, de 2015, eram os grandes destaques da discografia longa de Bonamassa, “Time Clocks” os suplantou em quase todos os sentidos. Falta um grande hit neste álbum novo, mas isso nunca interessou ou preocupou o nerd da guitarra.

Aos 44 anos de idade, seu desafio maior é encantar e emocionar fazendo um disco melhor do que o outro, apresentando um conjunto de canções que façam sentido e que consigam fazer sentido sem que haja a necessidade de um conceito a uni-las. “Royal Tea” é estuedo dessa forma, e “Time Clocks” é ainda melhor.

Alguns críticos imaginavam que Bonamassa perderia o vigor, a criatividade e a fúria com a maturidade, caindo naquela conhecida zona de conforto que muitos astros encontram após duas décadas de sucesso. Parece que erraram feio, e isso fica evidente quando ouvimos uma música extraordinária como “Curtain Call” com seu clima zeppeliniano e riffs poderosos. Bonamassa está atropelando conceitos preconcebidos e pavimenta a sua eternidade na música pop.

O britânico Danny Bryant é um discípulo, ainda que inconsciente, de Bonamassa. É um instrumentista que reza a qualidade do timbre de sua guitarra, com notas gigantes e longas, capazes de sustentar toda a tensão e a densidade de canções fortes e pesadas, na maioria das vezes.

Seu blues rock também tem origem no que de melhor foi produzido nos anos 70, em bandas incandescentes como Humble Pie, Bad Company e músicos como Robin Trower, Rory Gallagher e Pat Travers.

Bryant valoriza timbres, mas muito mais as canções. É um artista que as esculpe e realça cada detalhe, algo que às vezes se perde por conta da pegada forte e da distorção e saturação que coloca nos fraseados. Em “The Rage of Survive”, encontrou o equilíbrio necessário para tornar este trabalho melhor que o antecessor, o ótimo “Means to Escape”.

O blues está mais presente do que o rock em todo o álbum, com canções que variam das baladas arrebatadoras, como “Invisibe Me”, ao blues mais tradicional de “Rescue Me”, passando pela música mais pop em “Make Me Pay” e Looking Good”.

A cara de rock inglês, no entanto, fica caracterizada por conta de suas músicas emblemáticas: “Rain Stopped Play”, com sua pegada mais americanizada, e o hard rock da faixa-título, a melhor música, que tem uma energia contagiante e um riff sensacional.

Bryant não é tão exuberante quanto Bonamassa, mas compensa com suor e uma carga emocional que não é muito comum entre os bluesmen ingleses. Mergulha fundo nas canções e as transforma em lamentos que cutucam no fundo da alma. É um nome em contínua ascensão na Inglaterra e promete em breve espalhar seu blues pegajoso e pesadão por outras paragens – aliás, isso já deveria ter acontecido.