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 Marcelo Moreira

Daniel Santiago (FOTO: DIVULGAÇÃO)


Você coloca o seu mais recente CD para tocar e, logo na primeira faixa, aparecem guitarras maravilhosas em harmonia, com ótimos arranjos. “Muito bom”, alguém disse, lá no fundo. “Você tocou todas as guitarras da música?” “Não”, o autor responde meio como quem não quer nada. “Um amigo meu tocou comigo. Ele se chama Eric Clapton.”

O diálogo soaria como piada de salão, uma zombaria em se tratando de um músico reconhecido entre os pares e com bom público, mas que ainda não chegou à primeira prateleira da música pop. 

No caso do brasileiro Daniel Santiago, a conversa seria a mais pura verdade a respeito de “Song for Tomorrow”, o recém-lançado álbum do guitarrista brasileiro. 

“Open World”, o primeiro single e a faixa que abre o disco, tem simplesmente Eric Clapton duelando com Santiago, em um trabalho de excelente qualidade. Não exatamente amigos, já que houve uma negociação para que o inglês tocasse, mas isso é apenas um detalhe…

Os dois se conhecem, já que Clapton é realmente fã do brasileiro, tanto que o escalou na última edição de seu Crossroads Guitar Festival, por isso não surpreende a sua participação em “Song For Tomorrow”.

Prestigiadíssimo nos Estados Unidos, especialmente quando toca com o parceiro de longa data Pedro Martins, Santiago reúne o que de melhor a guitarra brasileira produziu desde a bossa nova. A sutiliza de Roberto Menescal encontra a versatilidade de Pepeu Gomes e o bom gosto de Baden Powell, a suavidade  de Olmir Stocker, o Alemão, o toque refinado de Luiz Carlini e a explosão de Celso Blues Boy.

Apesar de composto, gravado e produzido nos Estados Unidos, é um disco bem brasileiro. Apenas “Open World” é cantada em inglês. 

Os demais temas passeiam entre o soft rock e a MPB classuda que era feita nos 70 e 80, repleta de referências, como Marcos Valle, Sergio Mendes, Novos Baianos, 14 Bis e A Cor do Som. Não seria exagero enxergar ecos de Mutantes e O Terço aqui e ali.

O próprio artista diz que o CD é uma ode a trilha sonora de sua infância: “o som do Clube da Esquina, as grandes bandas de rock dos anos 60 e 70, o rock brasil dos anos 80, a MPB e até o synth pop infiltrado na programação das rádios naquela época”.

O que chama a atenção é o extremo bom gosto de Santiago e seu toque de classe, que enriquece as melodias suaves e serenas. Nada fica fora do lugar, em uma perfeição que, em vez de irritar, enobrece o trabalho.

A participação de Clapton faz com que “Open World” seja o grande destaque do disco, que acaba sendo a melhor faixa entre várias que também mereceriam o título. Só que há gente graúda participando além do mestre britânico.

Kurt Rosenwinkel é uma das feras que tocam e, de quebra, ainda produziu o disco – foi ele quem conseguiu que Clapton participasse. Excelente guitarrista, toca na faixa-título, outro número extraordinário.

Joshua Redman, um, dos ases do jazz moderno, é outro nome estrelado e que arremata de forma brilhante a singela e suave “O Que Valerá”, uma canção jazz com levada de bossa nova interessante. “Clara Manhã”, outra balada com cheiro de MPB, tem a participação do pianista Aaron Parks.

Pedro Martins, o eterno parceiro que é multi-instrumentista, mas que se destaca no violão e na guitarra, toca em quase todas as faixas, mas deixa a sua marca nas ótimas “How It Should Be”, “Mundo” e “Não Vá Partir”.

Santiago é um dos casos mais do que recorrentes na música brasileira em que o instrumentista precisa ser reconhecido no exterior para ser valorizado por aqui. “Song For Tomorrow” é um disco excelente e que certamente será a porta de entrada para que apreciemos de forma integral esse grande músico.

Com cinco discos solo, já tocou com Milton Nascimento, John Paul Jones, João Bosco, Hermeto Pascoal, Gregoire Maret e Hamilton de Holanda – com este último, gravou vários álbuns e juntos foram indicados a quatro Grammy Awards consecutivos. Santiago se destacou também como produtor e compositor da banda O Teatro Mágico.