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 Marcelo Moreira 



Na era da superexposição e da ultrainformação, como captar a atenção do ouvinte e expandir a base de fãs com a concorrência cada vez maior – e, de forma inversamente proporcional, com um respeito cada vez menor pelo produto?

 O dilema é imenso para músicos que encaram a carreira solo em tempos de pandemia. Será que vou revolucionar a música? O que farei farei de diferente para ganhar algum espaço? 

Os guitarristas Kiko Shred e Jaeder Menossi ainda não descobriram as respostas definitivas, assim como milhões de músicos ao redor do mundo, mas construíram carreiras sólidas e internacionais que os permitem sonhar com boas perspectivas. Ambos são artistas vinculados ao selo Heavy Metal Rock, de Americana (SP). 

“Rebellion” é o recém-lançado disco de Kiko, que mergulhou mais fundo no hard’n’heavy que despontava no álbum anterior, “Royal Art”, um trabalho bem característico de instrumentista virtuoso e veloz. 

No momento em que anuncia sua entrada na veterana banda de metal americana Savage Grace, o guitarrista curte a boa receptividade do CD. Experiente e com bom arsenal de riffs e solos, criou um trabalho coeso e interessante. 

A banda que formou é o destaque – Ed Galdin nos vocais, Tagliari na bateria e Will Costa no baixo. Com entrosamento e garra transbordando, “Rebellion” é orgânico e flui com naturalidade, deixando espaço para todos os músicos, ainda que Kiko predomine e conduza com firmeza todas as músicas.

Kiko Shred (FOTO: DIVULGAÇÃO)


Em trabalho de muito boa qualidade, sobressai-se a música que traz um convidado de peso. “Thorn Across My Heart” cresce muito com a presença do excelente cantor escocês Doogie White (ex-Rainbow e Tank, entre outros). É heavy tradicional na veia, com espírito oitentista e um ritmo contagiante. 

“The Hierophant” é um tema instrumental típico do metal deste século, onde Kiko Shred consegue expandir os seus limites. “Mirror” e “Rebellion” dão as cartas do que é o disco, pesadas e intensas, canções especiais para tremer casas de shows, enquanto a ótima “Rainbow After the Storm” passeia por melodias fortes e guitarras mais explosivas. “Honour to the Fallen Berothers” também merece destaque, já que é um tema épico, que não pode faltar em CDs do gênero. 

Jaeder Menossi, por sua vez, envereda por um caminho mais clássico, mas também pesado. Sua empreitada solo, que leva o nome de sua banda – “Jaeder Menossi Interstellar Experience -, incorpora elementos de 30 anos de guitarra rock. 

Experiência lhe sobra, já que seu trabalho com a banda Pop Javali (que depois virou apenas Javali) estabeleceu-o como um pilar do rock no interior paulista. Com a banda, fez uma vitoriosa turnê europeia e é presença constante em feiras musicais da indústria nos Estados Unidos. 

“Há um bom tempo eu vinha compondo material para um trabalho solo, com experiências musicais que não caberiam no Javali”, diz o músico. “Juntei essas ideias à músicas que seriam lançadas num futuro disco do Javali, e outras composições não aproveitadas em discos anteriores, e fiz um blend para o que é esse primeiro disco do Jaeder Menossi Interestellar Experience”, explicou o músico que ainda esclarece que o Javali permanece ativo. 

O estilo é limpo e cristalino, mas tem algo com que todo músico sonha: um timbre próprio, que certamente vai se tornar reconhecível neste novo projeto. Já era assim no Javali/Pop Javali, que faz um hard rock mais tradicional.


Gravado no Pepperstudio, em Nova Odessa (SP), teve a produção de Rodrigo Barros, o baterista da banda, e reúne 12 faixas. “Este foi o trabalho mais prazeroso e mais tranquilo que já realizei, desde a captação e mixagem até a masterizacão”, conta Jaeder. 

Segundo ele, “O desafio maior foi de compor as faixas instrumentais, uma situação nova para mim. Claro que tanto as faixas vocais quanto as instrumentais, em termos da construção musical, não são tão diferentes. Porém, há necessidade de se criar contextos e tessituras mais amplas, que se conectem entre si, e gerem uma sensação de continuidade, com dinâmicas que façam com que a música soe interessante do início ao fim”. 

O álbum é conceitual, com uma tema que mergulha na ficção científica, umas das paixões de Menossi. Uma decisão arriscada, ate porque mistura canções instrumentais e com vocais, mas a experiência falou mais alto e o resultado é muito bom. 

A ideia foi criar uma trilha sonora para uma viagem de 90 dias até o planeta Netuno, um dos mais afastados do planeta Terra. “Pensei no disco como um todo, como se fosse uma única música, uma espécie de trilha, com movimentos que se correlacionam, tal qual as partes de um filme ou um quadro que pintamos.”

Há um fundo filosófico no conceito, que embute uma espécie de jornada ma interior, em busca de um resgate de si mesmo a partir de um acerto de contas definitivo com o passado. 

“Imaginei uma projeção, em outras dimensões, dessas respostas em perspectiva, muitas vezes sob condições totalmente adversas, sobre um futuro renovado, pleno de libertação de limites mentais e padrões de sentimentos pré-estabelecidos”, acrescentou o guitarrista.

“Interstellar Experience” é um trabalho diferente do usual e merece uma audição bem atenta para que certas nuances sejam percebidas em sua totalidade. 

Há aqui e ali um pouco de exagero no virtuosismo nas guitarras, mas nada que comprometa – em “Landing at Mars”, por exemplo, temos a impressão de que se trata de um imenso solo na música inteira, mas ouvindo com calma fica claro que as linhas melódicas são necessárias dentro do contexto, já que é uma faixa instrumental.

As comparações com o Pop Javali são evidentes e inevitáveis, mas apenas para constatar que esse trabalho solo difere totalmente de sua banda principal – aqui temos metal na veiaheavy , enquanto que o Javali é hard rock trabalhado e encharcado com blues.

“Space Pirates” e “Andromeda” são bons exemplos do que a banda é capaz, muito peso, guitarras bacanas relembrando o heavy tradicional por excelência e bons arranjos ao longo de seu desenvolvimento.

Ainda que as guitarras estejam bem mais altas por todo o CD, o que não surpreende, a mixagem da bateria parece destoar um pouco em algumas canções provavelmente por conta da escolha da microfonagem, como em “Space Pirates”. 

A situação melhora bastante nas duas partes de “Starshade”, que são verdadeiras aulas de heavy metal de bom gosto, com energia de sobra e boas soluções em termos de arranjo. Provavelmente são as melhores do álbum. 

É um disco de guitarrista, mas é muito mais de autor, o que elimina, de certa forma, aquela preocupação com excesso de virtuosismo ou solos e riffs na velocidade da luz. É uma das boas surpresas do rock nacional deste ano.

 

 

 

 

 

 

 

 

https://youtu.be/F7UK6lnthGY 

 

– Lucio Moryama