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Marcelo Moreira


Uma moça bem relacionada e cercada de amigos que sempre estão dispostos a dar um ajudinha. Com bela voz e uma vontade imensa de fazer as coisas darem muito certo, a chance de desastre não existe.
E lá foi mais uma vez Imelda mergulhar no sonho de ser diva da música pop.
“11 a Past Hour” é o mais recente trabalho da irlandesa Imelda May, que desde 2017 rivaliza com Adele e Joss Stone como a grande voz feminina do pop rock britânico. Dessa vez o arsenal é pesado.
Versátil e com domínio do palco e do estúdio, a irlandesa de voz sensual e aveludada transita com segurança entre o rock, o pop, o soul e o blues sem os excessos às vezes bregas de Adele ou na forçação de barra que avança na pasteurização do som poderoso de Stone. Imelda tem o dom de deixar as coisas equilibradas, em qualquer resquício de artificialismo.
Com perseverança, ela conseguiu chegar longe ainda que tenha demorado mais do que previa. Ao lado do ex-marido, o guitarrista Darrel Higham, chamou a atenção do mercado como crooner de uma grande banda especializada em rockabilly e em músicas autorais que remetiam a todo tipo de rock clássico.
Foi assim que atraiu os olhares de Jeff Beck, impressionado com a qualidade dos vocais de Imelda e com a classe e a sofisticação do combo liderado por Higham. 
O entrosamento foi tanto que rendeu um DVD/CD ao vivo, o que bastou para que ela engatasse uma sequência ascendente de álbuns a partir de 2010, com destaque para “Mayhem”.
De forma gradual o rock clássico e básico foi cedendo lugar para algo mais experimental, quase punk, até que Imelda encontrasse o seu lugar no panteão das divas britânicas. 
“Life. Love. Flesh. Blood” foi um marco em sua carreira, seja pela ousadia em mudar de forma abrupta  radical, seja por mergulhar de cabeça em um pop classudo e de referências variadas, explorando sua linda voz e sua competência em interpretar canções suas e dos outros.
 

Neste álbum, de 2017, a diva elétrica e candidata a pin up do século XXI deu lugar a uma cantora e madura, romântica e inspirada. 

O bom gosto predominou com o investimento no jazz e no blues, com canções fortes e letras diferenciadas. Quem deu as cartas na produção conjunta é o veteraníssimo T-Bone Burnett, guitarrista lenda norte-americano.  
Em “11 a Past Hour”, mas mudanças se consolidam e mais influências são incorporadas com o luxuoso auxílio de Ron Wood (Rolling Stones) e Noel Gallagher (ex-Oasis). 
O resultado é um álbum ainda mais maduro e sofisticado, que transborda elegância nos arranjos e na interpretação soberba da maioria dos temas.
Os dois primeiros singles são canções grandiosas e grandiloquentes, que trazem uma exuberância que extrapola o simples rótulo de música pop, mas que a coloca bem longe das principais concorrentes, para sua própria vantagem.
“Just One Kiss” é um dueto com Gallagher e tem a guitarra principal nas mãos de Ron Wood, pareceiro recente de shows e apresentações e na TV inglesa antes da pandemia de covi-19. É um rock sensual e audacioso, como o clipe provocador, em que Imelda incorpora uma Joan Jett mais refinada.
“Made For Love” é um pop perfeito por excelência, em que sua voz transita por vários tons sem cair no exagero ou na grandiloquência estéril. É a música para incendiar plateias e fazer todos dançarem. Eu diria até serve como uma trilha sonora de felicidade para momentos trágicos em que vivemos atualmente.
“Breathe” e “Different Kinds of Love” reforçam a tendência de elegância ao colorir letras boas com arranjos modernos e serenos, longe de qualquer excesso.
A versatilidade é o grande trunfo de “Don’t Let Me Stand on My Own”, uma canção pungente que remete às origens folk celtas da moça. O dueto com Niall McNamee é revestido de um tradicionalismo doce que encantará certamente os fãs de Sandy Denny e do Fairport Convention, gigantes do folk britânico dos anos 60 e 70.
Não é de hoje que Imelda May chama a atenção pelo seu pop sofisticado, a ponto de ser frequentemente comparada com Peter Weller, seja pelas melodias acessíveis e de bom gosto, seja pelas boas letras ora confessionais, ora reflexivas. 
Ela consegue falar de amor sem os exageros às vezes adolescentes de Adele ou sem a luxúria empoderada de Joss Stone. Assim como Lisa Stansfield foi um dia a voz britânica da elegância pop, a irlandesa mostra-se apta a ocupar a posição.