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Rafael Franco – publicado originalmente no site Roque Reverso

Sétimo álbum de estúdio do U2, o cultuado “Achtung Baby” completa 30 anos do seu lançamento nesta quinta-feira, 18 de novembro de 2021. Gravado pela Island Records, o disco é o predileto de muitos dos milhões de fãs da banda irlandesa e se tornou o símbolo da primeira maior mudança de rota do grupo. O conjunto então resolveu expandir as suas fronteiras musicais e sair da “zona de conforto” que acabou sendo proporcionada pelos clássicos “The Joshua Tree”, de 1987, e “Rattle and Hum”, de 1988, que foram dois grandes marcos do auge do sucesso do quarteto formado por Bono Vox (vocal), The Edge (guitarra), Larry Mullen Jr (bateria) e Adam Clayton (baixo) naquela década.

Apesar do enorme sucesso que vinha fazendo na segunda metade da década de 1980, na qual deu início à fase dos megashows que lotavam estádios ao redor do mundo, o U2 estava insatisfeito com a qualidade musical que vinha apresentando nos palcos e com a própria criatividade para as suas composições. Além disso, a banda vinha ficando com a imagem um pouco desgastada e sendo alvo de muitos críticos que consideravam que o quarteto irlandês começava a pecar pelo excesso em uma década na qual também gravou os álbuns “War” (1983) e “The Unforgettable Fire” (1984), eternizados, entre outros motivos, pelas excelentes canções de protesto “Sunday Bloody Sunday” e “Pride (In The Name of Love)”.

Foram todos grandes discos os lançados pelo U2 naquela década, sem sombra de dúvida, mas a banda – ou pelo menos uma parte importante dos seus membros – sentia que precisava dar uma nova guinada e se reinventar. Por isso, o grupo resolveu parar com a maratona de turnês e deixar os holofotes de lado por um tempo para mergulhar fundo em um novo trabalho.

Porém, este processo não foi nada fácil para o quarteto, que ficou dividido depois que Bono e The Edge começaram a defender a adoção de uma nova linha musical e Larry Muller Jr e Adam Clayton se mostraram favoráveis a manter o estilo que já havia sido consagrado pelo quarteto. Estilo que até então vinha apostando em um rock mais tradicional e que na produção anterior, o “Rattle and Hum”, contou até com boas versões de sucessos dos Beatles (“Helter Skelter”) e de Jimi Hendrix (“All Along The Watchtower” – escrita por Bob Dylan), além de uma ótima parceria com B.B. King em “When Love Comes To Town”.

Este disco de 1988 gerou, inclusive, um excelente documentário, exibido mundialmente nos cinemas, que tornou ainda mais célebre o U2. Porém, aquela produção também foi alvo de críticos que consideravam que a banda se tornou “pretensiosa e soberba” ao explorar demais alguns ícones da música americana. Em meio a este cenário, o grupo reconheceu que então precisava de menos exposição e protagonismo como estrelas do rock, assim como necessitava refletir sobre o passado e começar a focar os seus futuros trabalhos sem medo de arriscar experimentalismos e um novo estilo musical. E cujo próximo disco não soasse repetitivo em relação aos trabalhos dos álbuns anteriores da década de 1980.

O fato foi reconhecido por Bono em uma entrevista para a revista Rolling Stone, em 2011, quando o “Achtung Baby” estava completando 20 anos. “Ironicamente, ser forçado a olhar para trás neste período me lembra de como podemos ressurgir para a próxima fase”, afirmou o vocalista para a prestigiosa publicação. “E isso não significa que você tenha de usar óculos de soldador maluco ou vestir roupas femininas. A reinvenção é muito mais profunda do que isso”, ressaltou, na ocasião.

Banda cogitou fim antes de gravar disco

Antes de gravar o “Achtung Baby”, porém, a divisão de ideias foi tão grande que até o fim da banda chegou a ser cogitado por todos os integrantes do U2 em meio a este processo, mas isso acabou não ocorrendo principalmente por causa do papel desempenhado pelo produtor Brian Eno, antigo parceiro do grupo, que conseguiu convencer Mullen Jr e Clayton de que a mudança de linha musical seria benéfica para o quarteto. E Eno também atuou como um consultor que refinava o material inicialmente pré-gravado por Daniel Lanois, produtor que trabalhou diariamente com o grupo para a realização deste disco.

Para ganhar inspiração para o “Achtung Baby”, que teve as suas primeiras demos gravadas em Dublin, na Irlanda, o U2 viajou até a Alemanha, onde começou a trabalhar no álbum em outubro de 1990. E isso ocorreu nos estúdios Hansa Ton, localizados em Berlim a poucos metros do muro cuja famosa queda unificou as partes ocidental e oriental do país, então há menos de um ano, em 9 de novembro de 1989.

Acthung é uma palavra alemã que significa atenção. E a nova Alemanha unificada funcionou como um ótimo cenário para uma espécie de renascimento para a banda, que buscava outras influências e novos lugares a serem visitados para criar algo genuinamente diferente em relação ao que já havia produzido anteriormente. Localidades da capital alemã, por sinal, são retratadas em fotos da capa e da contracapa do disco, assim no encarte do mesmo ao lado das letras das músicas.

Após conflitos e até roubo de demos, a obra-prima

Após os conflitos iniciais entre os seus integrantes, que divergiam em relação ao estilo musical a ser seguido pelo grupo, o U2 também sofreu para conseguir produzir as letras e as melodias das canções do “Achtung Baby”, que inicialmente foi marcado por uma série de improvisos em “jams sessions” que resultaram em várias horas de fitas gravadas em cassetes chamados de DAT (Digital Audio Tape). Este material, ainda muito cru em relação ao que se tornaria o produto final do disco, era analisado por Brian Eno, que depois era responsável por lapidar essas demos com sugestões para finalizar as canções.

E quando as coisas pareciam se encaminhar para a gravação do disco, em abril de 1991 chegou a ser anunciado que parte destas fitas DAT havia sido roubada e caído nas mãos de contrabandistas deste tipo de material no mercado negro. Mesmo assim, o U2 seguiu em frente com o que tinha em mãos e encerrou as gravações do “Achtung Baby” em estúdios de Dublin.

O resultado final foi um disco que, para a maioria dos fãs do U2, é uma obra-prima, que traz uma roupagem mais sombria e introspectiva, com uma pegada que misturava pitadas de rock alternativo com música eletrônica dançante e até música industrial. E o que se viu nos palcos a partir da turnê deste disco, a “Zoo TV”, foi um quarteto com postura mais irreverente e descontraída, contrastando com o comportamento de ar mais sério e até sisudo, exibido principalmente por Bono, durante algumas músicas de turnês anteriores. Isso ficou claro, por exemplo, em uma versão clássica de “Sunday Bloody Sunday”, que ele canta com fúria e entrou no documentário “Rattle and Hum”.

E o reflexo para essa mudança de postura foi o lançamento de um disco que rapidamente se tornou um sucesso de vendas e de crítica. Já na primeira música, “Zoo Station”, o U2 chega mostrando aos fãs que os mesmos estavam diante de um álbum totalmente diferente dos outros que já haviam sido produzidos antes pela banda. E isso continua com a segunda faixa, “Even Better Than The Real Thing”, também com uma pegada dançante e uma letra poética, que é um prelúdio forte para uma balada que foi reservada para entrar como a terceira canção do “Achtung Baby”.

Aqui trata-se de “One”, que depois se tornaria um dos principais “hinos” da banda e hit obrigatório em todos os shows do grupo. Tão clássica quanto “With or Without You”, balada maior do álbum “The Joshua Tree”, esta canção traz uma letra belíssima, explorando um relacionamento, suas frustrações e desencontros, que podem ser sintetizados em uma das estrofes principais da música: “We’re one but we’re not the same (Somos um, mas não somos iguais), We get to carry each other, carry each other  (Temos que carregar um ao outro, carregar um ao outro)”.

E após a balada que remontou aos tempos anteriores do U2, o tom mais sombrio e ousado já volta com tudo na faixa 4, “Until The End Of The World”, cuja letra a um desavisado pode até parecer uma canção de amor, mas na realidade é uma hipotética conversa entre Jesus Cristo e o seu famoso traidor, Judas Iscariotes. A Última Ceia, Judas identificando Jesus com um beijo no rosto no Jardim de Getsêmani e até o suicídio de Judas, após se sentir culpado e triste pela sua traição ao filho de Deus, são capítulos da histórica bíblica abordados de forma figurada na canção.

O tom de letra profunda é mantido na faixa cinco do álbum, “Who’s Gonna Ride Your Wild Horses”, que foi uma das mais difíceis de serem gravadas e que não funcionou como uma boa opção para ser incluída nos set lists dos shows, já que é considerada complicada de ser executada da mesma forma como foi produzida. Embora a canção traga uma bela letra, a própria banda reconhece que não conseguiu extrair o melhor que gostaria dela.

“É uma música que sinto que não acertou muito no disco porque havia outro conjunto de letras que foram descartadas e eu as escrevi rapidamente e lá fomos nós”, disse Bono ao comentar como a mesma foi gravada.

A canção seguinte, “So Cruel”, aborda sentimentos como amor não correspondido, ciúme, obsessão e possessividade, sendo que pode ser considerada uma das mais melancólicas do álbum. No período de sua gravação, por sinal, The Edge se separou da sua ex-esposa, Aislinn O’Sullivan, e o fato acabou tendo um impacto importante no processo de finalização da música. Apesar de triste, a mesma está longe de ser ruim. Conduzida com um piano de fundo como carro-chefe do seu andamento e transcorrida em ritmo bem lento, a faixa funciona como uma espécie de pausa relaxante do disco.

Mas a calmaria de “So Cruel” é interrompida de forma abrupta por “The Fly”, que já começa com uma guitarra pesada executada por The Edge. E com um solo bem elaborado e uma melodia caótica para a condução de sua letra, é um dos principais hits do disco. E a pegada pesada, mas agora mais dançante, é mantida para outro grande sucesso do álbum, “Mysterious Ways”. Esta, além de ser marcada por um refrão pegajoso que se repete algumas vezes (It’s all right, it’s all right, it’s all right/She moves in mysterious ways), traz como ponto alto a sua excelente marcação de baixo, com a linda execução de Adam Clayton gravada com o seu instrumento com o som captado bem alto no estúdio e dividindo protagonismo com a guitarra de Edge.

A partir daí, o disco conta com mais quatro faixas, sendo as duas próximas, “Tryin’ to Throw Your Arms Around the World” e “Ultraviolet (Light My Way)”, baladas honestas. A primeira delas lembra sobre os riscos de querer abraçar o mundo sem antes olhar para trás, enquanto a segunda é mais uma canção de amor com letras mais profundas.

Na sequência, “Acrobat”, de teor político, resgata um pouco da essência das canções de protesto do U2, mas sem a pegada roqueira do passado e agora sim com um ritmo mais sombrio e caótico. Por fim, a lenta “Love Is Blindness”, também com um tom experimental, fecha o disco de maneira um pouco nebulosa, onde Bono diz ter percebido que Edge conseguiu canalizar toda sua angústia do momento de seu divórcio no furioso solo desta faixa final.

Sucesso comercial e reconhecimento da crítica

Para muitos fãs do tradicional estilo musical que vinha sendo consagrado pelo U2, o disco foi uma decepção, mas, com o passar dos anos, ficou clara a importância que o álbum teve para a banda, que soube se reinventar e pavimentou o caminho para uma nova década de sucesso, na qual o grupo lançou também os álbuns “Zooropa” (1993) e “Pop” (1997). E os números de vendagem do “Achtung Baby” falam por si só, pois foram comercializadas mais de 18 milhões de cópias dele no mundo.

Fora isso, o álbum se tornou sucesso de crítica e foi vencedor de uma premiação do Grammy, em 1993, na categoria Melhor Performance de Rock por um Duo ou Grupo com Vocais. Para completar, já estreou na primeira posição das paradas da Billboard 200 e é incluído com frequência na lista dos 500 maiores álbuns de todos os tempos eleitos pela revista Rolling Stone.