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 Marcelo Moreira


Maradona celebra mais um gol (FOTO: REPRODUÇÃO/YOUTUBE)

Ele não foi capaz de parar uma guerra, como supostamente teria feito outro supercraque, mas fez mais do  que isso: jogou para o quinto subsolo um conflito infame, ofuscado por um mero gol ilegal, mas que valeu por um sonho. 

Diego Maradona foi top, foi divino e quase deus, mas era o mais malandro e mais mortal dos ídolos, como bem representaram diversas letras tristes de tangos de sua amada Argentina.

A vergonhosa malandragem que protagonizou na Copa de 1986, no México, virou sinônimo de esperteza do bem, algo que é para ser reverenciado e relevado, para ficar nos anais do folclore do futebol. Algo que transcende a legalidade e a decência para marcar definitivamente a história. A correlação com a vida de Mané Garrincha é total.

O gol com a mão na Inglaterra serve de consolo para uma existência trágica dentro de um mundo que não o merecia. Maradona era um bardo que levava alegria para as pessoas driblando a tristeza e ignomínia de um mundo que despreza gente como ele: favelado, inquieto, genial, falastrão, incômodo e debochado.

Driblou e venceu quase todos os inimigos, mas perdeu para ele mesmo. Se fosse um roqueiro, certamente seria uma figura errática e libertária como Jim Morrison, ex-vocalista dos Doors morto em 1971 de overdose.

Mais adequado seria fazer a correspondência com Tommy, o personagem central da ópera-rock homônima do Who, lançada em 1969.

Diego certamente cairia bem no papel do menino cego, surdo e mudo traumatizado por um crime em família. De um garoto com múltiplas deficiências, transforma-se um fenômeno esportivo ao se tornar campeão de fliperama.

A capa de ‘Tommy’, de The Who

Após um milagre, recupera os sentidos e arrebata uma legião de fãs e seguidores; cria uma seita e se torna um líder espiritual até que tudo desmorona diante da corrupção e ganância humanas. Quer algo mais Maradona do que isso?

Com malandragem e ingenuidade, mesclando Tommy com Carlitos, de Charlie Chaplin, Dieguito personificou muitas de nossas tragédias diárias, seja ao som do bandoneon, seja ao som da mais melancólica balada irlandesa.

Ele queria ser um superstar e tentou ser um superstar, mas os demônios internos não deixaram. Superou quase tudo, menos as drogas, que cobraram um preço altíssimo por sua rebeldia e prepotência. Personagem trágico da própria história, sucumbiu ao desafiar os próprios limites. Foi de uma coragem insana, ingênua e intensa, como Tommy, como Garrincha, como Carlitos.

Foi o maior de todos dentro de campo – se considerarmos que Pelé não era desse planeta, assim como Jimi Hendrix – e se despede da vida como o personagem mais fascinante de nossas vidas. Que sorte a nossa poder desfrutá-lo.