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Metallica em San Francisco (FOTO: JEFF YEAGER/DIVULGAÇÃO)

Flavio Leonel – do site Roque Reverso

O Metallica fez dois shows especiais comemorativos de 40 anos de carreira nos dias 17 e 19 de dezembro nos Estados Unidos, mas o verdadeiro presente foi recebido pelos fãs de todo o planeta em transmissões gratuitas e ao vivo. Com apresentações realizadas na cidade de San Francisco, berço do thrash metal e local onde fincou raízes logo no início de sua existência, o grupo norte-americano não somente trouxe clássicos de toda a carreira como tocou músicas pouco executadas ao vivo em quatro décadas.

Ambos os shows foram exclusivos para membros de fãs clubes da banda em todo o planeta que se deslocaram até São Francisco para presenciar as apresentações na arena Chase Center, local onde a equipe do Golden State Warriors joga como mandante na NBA, a liga de basquete norte-americana.

Com capacidade para cerca de 20 mil pessoas, os dois shows ficaram lotados. O Brasil foi muito bem representado por grupos de fãs, que podem ser considerados heróis nacionais, com a cotação do dólar beirando os R$ 6 e transformando viagens internacionais em objetos distantes para a maioria da população. Chamou a atenção a presença de membros do Brazilian Militia, fã clube oficial do Metallica no País cujos componentes ficaram nos dois shows colados ao palco e perto dos microfones do vocalista e guitarrista James Hetfield.

Como conta com integrantes da maioria esmagadora que não tem condições financeiras para viajar a São Francisco nos tempos atuais, o Roque Reverso conseguiu assistir às duas apresentações como outros milhões de fãs graças à transmissão ao vivo e gratuita que foi feita pela Amazon Prime e pela Amazon Music, tanto pelo app como pelo canal no Twitch.

Com imagens e som espetaculares, foi possível acompanhar muito bem as apresentações, que começaram, pelo horário brasileiro, já na madrugada do sábado, 18, e após o horário de 1 da manhã da segunda-feira, 20.

Para quem ficou acordado, foi gratificante ver a banda voltando aos poucos ao normal dos shows depois de tanto tempo parada por causa da pandemia. Ela trouxe alguma consequência para a maioria das pessoas do planeta e não seria diferente para as bandas de rock, mesmo as espetaculares como o Metallica.

Sim, era necessário dar um desconto aos músicos, que voltaram com tudo às apresentações, mas claramente vão retomando a rotina pesada que uma banda de thrash metal exige de senhores beirando os 60 anos de idade – o guitarrista Kirk Hammett completou 59 anos no dia 18, Hetfield tem 58, o baixista Robert Trujillo tem 57, mesma idade do baterista Lars Ulrich, que competa 58 no dia 26 de dezembro.

Exigir do Metallica a mesma intensidade dos Anos 1980, como alguns poucos fãs de heavy metal brasileiros que nem gostam mais da banda exigem, é beirar o ridículo e esquecer que o contemporâneo e também endeusado Slayer, por exemplo, já pendurou as chuteiras justamente porque alguns dos membros, como o vocalista Tom Araya, de 60 anos, sofre de dores crônicas nas costas e no pescoço, como reflexo de anos praticando o headbanging, o popular bate-cabeça.

Ironicamente, um dos membros mais regulares em ótimas apresentações da banda, James Hetfield, foi o que pareceu mais sentir os efeitos da pandemia, especialmente no primeiro show, quando o grupo trouxe músicas pouco tocadas e que exigiram demais da garganta do vocalista, como “Trapped Under Ice”, do segundo álbum “Ride The Lightining”, “The Shortest Straw”, do disco “…And Justice For All” e até mesmo a surpreendente “Fixxxer”, do álbum “ReLoad”, que foi tocada pela primeira vez ao vivo na história da banda.

Mesmo com este detalhe, James ainda sabe conduzir show e plateia como poucos e, driblando esses percalços, entregou duas apresentações dignas de quem é considerado por muitos o Rei do Thrash Metal.

O Metallica adotou estratégias opostas entre os dois shows. No primeiro, desfilou sucessos da carreira dos primeiros álbuns para os mais recentes, começando com nada menos que “Hit the Lights” e terminando com “Spit Out the Bone”. No segundo, fez o caminho contrário, começando com “Hardwired” e terminando com simplesmente “Whiplash” e “Seek & Destroy”.

A execução inédita de “Fixxxer” acabou sendo o fato mais comentado dos dois shows, já que era um desejo antigo dos fãs de carteirinha. Com efeitos de palco sensacionais e uma execução muito bem feita, a música, originalmente de 8 minutos e 14 segundos saciou a massa de seguidores do Metallica.

Do primeiro show, “Trapped Under Ice” também merece registro, pois foi tocada apenas 22 vezes em toda carreira do Metallica, nunca no Brasil. Outro destaque da noite foi a sempre maravilhosa instrumental “Orion”, tocada apenas 69 vezes ao vivo e que os fãs que acompanharam o show do grupo no Rock in Rio de 2011 jamais vão esquecer naquela apresentação monumental da capital fluminense. Por sinal, a execução de “Orion” naquele Rock in Rio foi superior à do show de São Francisco e carregada de emoção, por ter sido feita dias antes dos 25 anos de morte do saudoso baixista Cliff Burton.

Também chamaram demais a atenção no show de São Francisco as execuções de “The Shortest Straw”, “Breadfan”, que abriu as apresentações do Rio, São Paulo e Porto Alegre em 1999, além de “No Leaf Clover” e “Frantic”, do tão criticado disco “St. Anger”.

“No Leaf Clover”, pra quem gosta do peso do Metallica, talvez tenha ficado melhor do que as execuções que o grupo fez com orquestra.

“Frantic”, por sua vez, foi praticamente uma redenção de Lars Ulrich, cujo som de bateria gravado no álbum desagradou 10 entre 10 fãs do Metallica. Com um peso gigantesco, ela, talvez, tenha sido a melhor música executada da primeira noite e seria muito interessante a banda incluí-la nos próximos shows previstos para 2022 no Brasil.

Vale lembrar que São Francisco não apenas foi palco dos dois shows históricos do Metallica como contou com diversos eventos de homenagem à banda no fim de semana, como festival de cinema, exposição de fotos e outras apresentações de bandas menores tocando Metallica.

Num dos acontecimentos do fim de semana metallico na Bay Area, Kirk Hammett e Robert Trujillo saíram do primeiro show no Chase Center, seguiram para a lendária casa de shows Fillmore e tocaram um conjunto de covers com a The Wedding Band, que além deles, traz os amigos Whitfield Crane (Ugly Kid Joe), Mark Osegueda (Death Angel), Jon Theodore (Queens Of The Age Stone) e Doc Coyle (Bad Wolves).

Se o primeiro show comemorativo de 40 anos trouxe surpresas marcantes, o segundo show trouxe músicas mais tradicionalmente tocadas pela banda, como “The Memory Remains”, “Fuel”, “The Unforgiven”, “Enter Sandman”, “Harvester of Sorrow”, “Master of Puppets”, “Fade To Black”, “Whiplash” e “Seek & Destroy”.

Nem por isso, a banda deixou surpresas de lado, já que tocou faixas não tão executadas, como “Dirty Window”, “I Disappear”, “Wasting My Hate” e a sempre maravilhosa “Bleeding Me”, tão marcante no show que o grupo fez em São Paulo em 1999.

Se fosse possível uma comparação (não é porque um show complementa o outro), o primeiro levou uma ligeira vantagem sobre o segundo pelas raridades, já que, no segundo, foram tocadas faixas que os fãs estão mais acostumados.

O fato indiscutível, porém, é que o que aconteceu no Chase Center nessas históricas apresentações é algo para se guardar pra sempre na memória, especialmente para os felizardos que estiveram em São Francisco. Após os shows, em meio à gigantesca distribuição de palhetas, o que se viu foram os membros do Metallica, acima de tudo, satisfeitos com a festa, que, na verdade, era para eles.

Figura determinante e imprescindível para a história do thrash metal e para o próprio heavy metal, o Metallica atravessou as barreiras do estilo mais pesado do rock para explodir mundialmente e invadir o gosto até de pessoas que não gostam de música pesada, mas reconhecem a qualidade da banda. Sem medo de críticas e dono de suas ações, o grupo não se transformou numa das maiores bandas da história por acaso. Para o bem do rock e do heavy metal, é sempre importante ter o Metallica como protagonista. Que venham mais décadas da banda representando o bom e velho rock and roll.