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 Marcelo Moreira

 

Era meio arcaico, manual e dava algum trabalho – além de um índice alto de inutilização quando o cabeçote “chupava” a fita. Ainda assim, a fita cassete era um artigo de primeiríssima necessidade para quem gostava de música nos anos 70 e 80.

Lou Ottens, o inventor dessa maravilha tecnológica, morreu aos 94 anos na Holanda, sua terra natal. Engenheiro que trabalhava na Philips em filiais holandesas e belgas, decidiu criar algo mais simples e prático para gravar áudios e músicas sem ter de estar em um estúdio ou registrar em acetato (LP ou compacto). Esse incômodo mudou a forma como o ser humano passou a ouvir música.

Graças a Ottens, o ser humano perseguiu a computadorização e a miniaturização da música até que surgisse o walkman no Japão, nos anos 80. Foi o ápice do desenvolvimento tecnológico que deu mais liberdade às pessoas para ouvir música e rádio em qualquer lugar.

Mais do que liberdade, a fita cassete (ou K-7) deu aos profissionais de várias áreas uma ferramenta importante de desenvolvimentos variados. 

Para músicos de todos os naipes, facilitou, e muito, a divulgação de trabalhos de forma prática, simples e rápida. Para os ouvintes, ampliou as possibilidades de criar suas próprias trilhas sonoras e coletâneas sem depender da imposição das gravadoras e dos artistas a respeito do que ouvir e em que ordem.

Claro que o mercado ficou preocupado com a possibilidade real de aumento da chamada pirataria, pi de sua “legalização”, mas logo absorveu o impacto e adotou o formato.

Entre os impactos gigantescos do surgimento do cassete está a criação de um ramo industrial importante ligado à indústria automotiva, que impulsionou, por tabela, a indústria dos aparelhos reprodutores de áudio. Possuir um “toca-fitas|” no carro passou a ser quase tão importante quanto ter o próprio veículo nos Estados Unidos e no Brasil – um pouco menos na Europa.

A fita cassete foi integrante vital e fundamental da vida cultural do mundo a partir dos anos 70 e explicar a explosão do rock e do mundo do entretenimento ser analisar o impacto do K-7 é um erro fenomenal.

Desde o começo Ottens sabia que as fitas magnetizadas portáteis seriam uma alternativa viável aos LPs e fitas de rolo. A ideia surgiu do desejo do engenheiro de lidar com um produto menos incômodo – em termos de tamanho – das antigas fitas de cartucho e dos LPs.

Para os que acreditam na “liberdade total” e que se opõem a qualquer tipo de comercialismo da arte, a fita cassete se tornou uma experiência “política” extraordinária, já que permitia uma experiência coletiva em várias circunstâncias. 

Não só por isso: permitiu que a disseminação da cultura fosse mais barata e mais rápida, chegando a muito mais gente e oferecendo múltiplas possibilidades de negócios além da própria música. 
Sem o cassete seria muito mais difícil a proliferação das chamadas mixtapes e o surgimento dos artistas de rap e hip hop, criando todo um novo mundo underground.
Lou Ottens (FOTO: DIVULGAÇÃO)
Revolucionária, teve uma vida útil menor do que os LPs de vinil e os CDs. Caiu em desuso nos anos 90, no auge das venda de DVDs e CDs – lembremos também que as fitas de videocassete eram as irmãs mais novas e que foram vitais para que o cinema tivesse uma explosão gigante também nos ano 80.
Desafio qualquer amante de música e de rock a afirmar que nunca tenha feito uma coletânea tosca de clipes da MTV tentando gravar direto e ao vivo da TV, com resultados patéticos, mas importantes em termos de curtição.
Ainda possuo dois aparelhos antigos de som que possuem o chamado duplo deck, ou seja, dois compartimentos para reprodução de K-7, sendo que um deles grava. 
Ainda tenho três gavetas recheadas de fitas com raridades de Beatles, Rolling Stones e The Who que sobraram de um imenso acervo que perdeu o sentido com a chegada do CD e, principalmente, do MP3.
Quase todas as fitas estão em bom estado e reproduzem razoavelmente bem o que foi gravado. Sem saber, fiz de sua preservação uma homenagem a Lou Ottens. Que assim seja.