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Ira! hoje é Edgard Scandurra (esq.) e Nasi (FOTO: DIVULGAÇÃO)

 Na esteira de várias celebrações que vão ocorrer neste ano, duas datas neste começo de ano passaram De forma discreta. Nasi e Edgard Scandurra, os líderes do Ira!, completaram 60 anos de idade e caminham para a marca de 40 anos de parceria.

Foram dias de luta e sabedoria, mas encharcados de suor, raiva, ira e muita música boa. Se os Titãs, também paulistanos e amigos, superaram a suposta barreira local e se tornaram um nome gigante e acima dos regionalismos, o Ira! tem orgulho de sua origem paulista, o que não impediu que também se tornasse um nome nacional.

Os dias de luta continuam e o legado é colossal. Mod, punk, pop e acentuadas influências de música pop e afro forjaram o som poderoso de um grupo que teve música em novela – com arranjo orquestral e tudo -, mas que pelejou muito em busca de uma sonoridade característica e poderosa. Conseguiu de forma triunfal.

Os sete anos de separação dos amigos, após uma ruptura traumática da banda, serviram para serenar ânimos e rever posturas. Os dois agora sessentões decidiram reativar a banda sem o baterista André Jung e o baixista Ricardo Gaspa e amainaram os ânimos.

Menos furioso e mais reflexivo, o Ira! dos sessentões apostou forte em uma sonoridade folk, semiacústica, e atingiu outros públicos. 
Os jovens do século XXI aprenderam a curtir canções icônicas e emblemáticas de uma forma menos incisiva, enquanto que os mais velhos ainda relembram os tempos de tardes vazias e de muita luta. Acertaram em cheio.

O mais recente álbum da banda, “Ira!”, traz uma carga pesada de aprendizado e sabedoria, além de mensagens poderosas e atuais a respeito de como nos portamos em termos de sociedade. 

Nasi está mais certeiro nas interpretações, mais poéticas, ao mesmo tempo em que não economiza na ironia e no sarcasmo. A fúria punk e pós-punk deu lugar a um rock ainda enérgico, mas sereno e menos agressivo.

“Não dá para escrever outra ‘Dias de Luta’ aos 60 anos, pois eu não tenho mais a cabeça dos 20 anos”, teria dito Scandurra parafraseando o ídolo Pete Townshend, guitarrista e líder da banda inglesa The Who.

O mundo de 2022 às vezes coloca o Ira! em perspectiva, como tem feito com as outras bandas e artistas dos ano 80 neste século XXI. Com o rock relegado ao underground, muita gente insiste em colocar o gênero no canto da sala, como peça de museu. 

Inquietos, Nasi e Scandurra se recusam a não incomodar. Relegados a um canto? Esqueceram de avisá-los. Os brados da dupla nos lembram todo dia é dia de luta, ainda mais nos tempos de trevas dominado pelo orgulho de ser ignorante – característica marcante dos tempos bolsonaros. 

Não esperemos mais hinos dos astros roqueiros que chegam aos 60 anos – ou aos 70, como Evandro Mesquita, da Blitz. A tarefa deles hoje não é essa, por mais que não tenham passado o bastão. Queremos que lutem o bom combate e tenham a dignidade de nos representar, como sempre o fizeram.

É um rock maduro, mas jamais velho, antigo ou anacrônico. O Ira! de 2022 é o reflexo de sua trajetória e coerente com sua história. O rótulo de “classic rock” não lhe cai bem, assim como nos casos dos concorrentes contemporâneos. É esquisito ouvir “Núcleo Base” ou “Vivendo e Não Aprendendo” e apontar o dedo: “é classic rock nacional”. Não é, ou não é só isso. É o rock que nos acostumamos a amar, simples assim.

Nasi e Scandurra chegam com dignidade aos 60 anos de idade e mostram que o rock é perene, resiliente e resistente, principalmente quando costuma estar do lado certo. 

As palavras são poderosas, a música é poderosa as canções importantes do último disco mostram isso. Deixemos que o Ira! se torne clássico, mas cada vez mais importante e relevante. Os dias de luta não vão acabar tão cedo.