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Uma banda liderada por um brasileiro que surge nos Estados Unidos, mas com maioria de integrantes suecos. E a Northtale nasce – ou renasce – grande e em altíssimo estilo. 

Legítimo produto da pandemia, “Eternal Flame”, o segundo disco recém-lançado do grupo, é uma surpreendente obra de power metal em um momento em que o subgênero pesado não está tão em evidência, seja por um certo esgotamento do estilo, seja pela predominância de outros subestilos. 

Não é original, e nem era esse o objetivo, mas o projeto foi muito bem recebido em sua segunda encarnação entre produtores musicais e de shows do estilo nos Estados Unidos e na Europa, o que reforçou os laços profissionais com a gigante gravadora Nuclear Blast.

“Olhando em perspectiva, eu queria que esse fosse o nosso disco de estreia, e não ‘Welcome to the Paradise’. Na comparação, parece que o primeiro é uma gravação demo. Os processos de criação e gravação para o segundo foram, diferentes e muito menos complicado”, afirmou o guitarrista brasileiro Bill Hudson.

Sem vergonha de admitir, ele assume que o Northtale é a sua banda, na qual é o líder e dá o direcionamento musical e artístico. Sim, é uma banda, mas com o toque de seu criador e um direcionamento para um som que sempre quis fazer.

Músico experiente, Hudson está há quase 20 anos nos Estados Unidos e se tornou um instrumentista renomado e requisitado, com passagens pela banda U.D.O., do ex-vocalista do Accept Udo Dirkschneider, pela Trans-Siberian Orchestra e pelo grupo de apoio da cantora alemã Doro Pesch, no qual ainda toca.

Feliz da vida com “Eternal Flame”, Hudson festeja os ótimos resultados obtidos com a parceria com o cantor brasileiro Guilherme Hirose, o novo vocalista da Northtale e nome conhecido do público brasileiro com a banda TraumeR. Completam a formação o baterista Patrick Johansson, o baixista Mikael Planefeldt e o tecladista Jimmy Pitts.

“É uma parceria que deu muito certo e que é baseada na confiança e no pensamento na mesma direção em relação a nossas carreiras”, celebra Hudson. “Fiz dezenas de audições de gente do mundo inteiro para a vaga. Eu estava entre um cantor sueco e outro italiano, mas aí apareceu o Guilherme e tudo mudou.”

Os dois conversaram com jornalistas sul-americanos nesta semana e festejaram a retomada da vida artística ainda que a pandemia não tenha terminado. “É um alívio que possamos, de alguma forma, retomar a vida com nossas bandas. Foi um período de muito aprendizado”, diz Hirose.

Nas palavras de Hudson, a surpreendente parceria coloca o DNA brasileiro que se sobressai na Northtale, o que fica claro na canção “The ãoLand of Mystic Rites”, que resgata a tradição de bandas brasileiras de inserir elementos da cultura nacional no heavy metal.

“Essa canção é especial porque tem orquestrações e elementos afro-brasileiros, como parte da letra no idioma africano iorubá. Casou quem com a ideia que o Bill tinha de agregar elementos da cultura brasileira. Foi um desafio elaborar as letras dentro do conceito que estabelecemos”, explica Hirose.

Northtale: da esq para dir, Mikael Planefeldt, Bill Hudson, Guilherme Hirose, Patrick Johnsson e Jimmy Pitts (FOTO: DIVULGAÇÃO)

A canção, que é destaque do álbum, foi totalmente absorvida pelo produtor Dennis Ward, experiente músico radicado na Europa desde os anos 90 e com passagens pelas bandas alemãs Pink Cream 69 e Unisonic. É um profissional querido pelos músicos brasileiros, como reforça Bill Hudson:

“Ele já trabalhou com o Angra e quando escutou ‘The Land of Mystic Rites’ sacou na hora o que queríamos. Inteligente e muito competente, foi o cara certo na hora certa para produzir o nosso disco. Ainda bem que eu não assumi essa função. Foi uma sugestão do jornalista Thiago Rahal Mauro, de São Paulo. Eu já o conhecia quando ele tocou baixo com o meu amigo Gus G e foi a escolha certa.”

As conexões de Hudson com o mundo do rock também o levaram à participação especial de Kai Hansen (Helloween e Gamma Ray) e seu filho Tim na canção “Future Calls”, uma das melhores do disco.

“Kai Hansen é um dos meus heróis de infância e, há alguns anos, tivemos a chance de nos tornar amigos”, empolga-se o guitarrista. “Fez total sentido para mim tê-lo como convidado no álbum, e quando ele sugeriu que seu filho Tim Kanoa Hansen viesse também, achei que adoraria organizar uma reunião de família.”

“Future Calls” parece ter sido feita por encomenda, já que é Helloween puro em todos sentidos. Homenagem ou pura imitação? Não importa, é uma grande canção e um power metal de qualidade.

“Não há como fugir de algumas influências, e elas são fortes”, reconhece o guitarrista Hudson. “Eu imaginava fazer um som como os que eu ouvia no anos 90, como Hammerfall ou Stratovarius e., é claro, Helloween.”

“Only Human” vai na mesma linha, com um clima de anos 80/90 que caberia perfeitamente em qualquer disco da época do Helloween ou mesmo Sonata Arctica. É veloz e com solos de extremo bom gosto. 

Originalidade? Já que estamos falando no primeiro disco do Northtale de verdade, deixemos isso para quando a banda estiver consolidada.

Enquanto, vamos saborear a progressiva “Midnight Bells”, onde o trabalho vocal de Hirose é excelente, mostrando versatilidade em uma base muito pesada e veloz. 

No lado experimental e progressivo, é necessário citar “The Land of Mystic Rites”, que consegue misturar bem o lado pesado e o lado world music na melhor tradição brasileira de Sepultura e Angra.

Entre as bandas mais recentes surgidas em tempos de pandemia (não é exatamente o caso aqui, mas tá valendo), a Northtale é uma das mais promissoras e capazes de inovar.