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Marcelo Moreira

Uma parceria de 50 anos que resistiu ao tempo, aos humores e a todo tipo de excesso. Parecia impossível que sobrevivessem – falam o mesmo desde sempre de Keith Richards (Rolling Stones). Entretanto, no caso de Alice Cooper e Bob Ezrin, é realmente surpreendente que ainda esteja de pé e produzindo.
Vincent Furnier j´era conhecido como Alice Cooper em 1970, mas ainda era um artista underground com seu rock pesado, agressivo e extremamente teatral. Mais assustava do que animava, e era considerado perigoso pelos conservadores de plantão, que mal sabiam o que viria pela frente.
Neste momento, o importante era consolidar a hegemonia e a soberania em Detroit e arredores. Furnier e seu personagem já tinham feito isso, mas fazia questão de marcar o território. E eis que surge Ezrin para produzir e ajudar no domínio.

“Eu nasci aqui”, disse Alice Cooper, “e também [nasceu aqui] o Som e o Espírito de Alice Cooper.”
“Detroit Stories” é o novo álbum de estúdio de Alice Cooper, uma bela e moderna homenagem à cena roqueira daquela cidade, que já foi tema de música com o Kiss (“Detriot Rock City”), que nem é de lá.

Detroit, a verdadeira cidade rock dos Estados Unidos, ou pelo menos no que se refere à música pesada, como atestam Iggy Pop, The Stooges, Suzi Quatro, MC5 e muito mais gente graúda.

Em 1970, o jovem produtor Bob Ezrin entrou em uma fazenda nos arredores de Detroit para trabalhar com uma banda chamada Alice Cooper Band. 
 Com um estilo completamente oposto à moda hippie (paz e amor) que predominava em Los Angeles, Alice levou de volta sua sombria gangue para sua terra natal, para a lendária cena de rock que deu origem ao Hard Rock, Rock de Garagem, Soul, Funk, Punk… e muitos outros estilos.

Ezrin trabalhou arduamente com a banda durante dez horas diárias para definir o som que tornou-se uma das suas características principais. E sempre que eles acertavam em cheio com uma nova música, os pacientes do hospital psiquiátrico para loucos criminosos do outro lado da rua gritavam com satisfação.  

“Detroit era a sede central do heavy rock na época”, explica Cooper no material de divulgação do disco. “Você tocava no Eastown [Theatre] por 4 dólares, e você poderia ser Alice Cooper, Ted Nugent, The Stooges ou The Who! No próximo fim de semana no Grande [Theatre] eram o MC5, Brownsville Station, Fleetwood Mac, Savoy Brown ou Small Faces. Você não podia ser uma banda de Soft Rock porque teriam dado um chute na sua bunda.”

Perfeitamente consciente do poder da música da cidade e de como aquela cena era diferente, faz questão de mostrar o orgulho que sente por ser filho de Detroit e produto daquela cena pesada.

“Los Angeles tinha bandas como The Doors, Love e Buffalo Springfield”, ele continua, “San Francisco tinha o Grateful Dead e o Jefferson Airplane. New York tinha The Rascals e The Velvet Underground. Mas Detroit foi o berço do hard rock raivoso”, diz o cantor. 

“Como não se encaixava em nenhum lugar dos EUA (musicalmente ou em termos de imagem), Detroit foi o único lugar que aceitou o som de guitarra do Alice Cooper, seu som Hard Rock e nosso show doido. Detroit era um paraíso para os rejeitados. E quando eles descobriram que eu tinha nascido no leste de Detroit… estávamos em casa”, empolga-se ao descrever aquele pandemônio.

50 anos depois, Alice e Ezrin conseguiram reunir algumas maiores lendas de Detroit em um estúdio da cidade para gravar “Detroit Stories”,d um álbum superior a “Paranormal”, de 2019. 

Não há dúvidas de que o tema ajudou na inspiração. Alice Cooper voltou ao passado, mas de uma forma reverente, acrescentando elementos diferentes à mera nostalgia.

Coisa rara hoje no chamado classic rock, Cooper conseguiu um equilíbrio intenso nas músicas, o que dá uma característica de trabalho conceitual. “Drunk in Love” é um blues pesado encharcado de adrenalina – sóbrio há décadas, o cantor reencarna o bebum de sempre com maestria.

“Don’t Give Up”, um dos primeiros singles, foi uma das primeiras canções a ter a pandemia de covid-19 como tema, em 2020, e é um tremendo tributo ao povo que resiste e traz uma enorme carga de empatia e solidariedade.
“Detroit City 2021” é uma visão mais romântica da cidade, m sua modernidade e suas complicações típicas de megalópoles. É uma canção mais moderna, com paredes de guitarras e baixo pulsante. “I Hate You”, por sua vez, é um rockão básico que remete aos anos 70, e pára isso resgatou todos os membros vivos da Alice Cooper Band original.

Outras boas idéias aparecem na simpática e alegrinha “Our Love Will Change The World”, que apresenta duelos interessantes de guitarra e baixo.   

“Nós gravamos com Wayne Kramer (guitarrista e letrista do MC5), Johnny “Bee” Badanjek (baterista do lendário Detroit Wheels), Paul Randolph (baixista e lenda do Jazz e R&B de Detroit) e também com o Motor City Horns e outros músicos locais”, explica Ezrin.
O produtor também faz questão de salientar outros colaboradores importantes, como John Varvatos, e o apoio do pessoal do Shinola. “Gravamos nos Rustbelt Studios na cidade de Royal Oak. Isto foi feito em Detroit para Detroit por habitantes de Detroit!”.

As versões de “Sister Anne” do MC5, com Wayne Kramer do próprio MC5 como convidado, e de “East Side Story”, de Bob Seger, prestam uma homenagem e ao mesmo tempo se encaixam no legado de Alice Cooper. 

Mesmo a versão de “Rock And Roll”, do Velvet Underground, é um tributo a Detroit. Este clássico foi escrito por Lou Reed e gravado pelo famoso músico Mitch Ryder com o baterista Johnny Bee e o guitarrista Steve Hunter. 
Com produção de  Bob Ezrin, os três músicos reprisaram seus papéis para “Detroit Stories” com a participação de Joe Bonamassa como um bônus mais do que especial.

Também não seria uma autêntica coleção de contos de Detroit se não incluísse algumas músicas com os membros originais de Alice Cooper Band: Michael Bruce, Dennis Dunaway e Neal Smith.

O timaço ainda teve colaborações de Larry Mullen Jr, baterista do U2, Mark Farner, ex-guitarrista do Grand Funk Railroad, Matthew Smith, do Outrageous Cherry e a participação de Sister Sledge e Tommy Henriksen. 

A versão brasileira está disponível em CD+DVD (Digipack) pela parceria earMUSIC / Shinigami Records / Sound City Records.
O DVD traz pela primeira vez em vídeo a incrível performance ao vivo “A Paranormal Evening At The Olympia Paris”.