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 Marcelo Moreira

Ano para ser esquecido, ano de aprendizado, ano de reconstrução, ano de renascimento… 2020 foi o ano para todos os gostos, dependendo do nível de otimismo e da quantidade de pessimismo. Foi impossível ficar indiferente a tanta tragédia e a tanta mudança no cotidiano e no próprio modo de levantar e encarar o amanhã.

Nunca perdemos tanta gente em tão pouco tempo. Cada um de nós viu algum vizinho, parente ou conhecido sucumbir por conta da covid-19 ou em consequência da pandemia – suicídio, depressão profunda, morte por falta de leitos para outras doenças…

Nunca estivemos tão reféns da incompetência institucional e da ignorância. A terceira década do século XXI chega e ainda temos que convencer os imbecis da necessidade de vacinação, da importância de zelar pela saúde pública em detrimento da economia, da extrema urgência de assistir os desamparados e de reduzir aceleradamente a desigualdade social.

Nunca o ódio esteve tão presente em nossas vidas cotidianas; nunca a empatia esteve tão ausente em nossa sociedade profundamente dividida. A ciência e a informação se tornaram inimigas da realidade, que sua para ao menos se equiparar à mentira e à ignorância.

Nunca desprezamos tanto a vida; nunca deixamos de nos importar tanto com nós mesmos, com os vizinhos e com nossos pais. 

Não conseguimos tolerar mesmo os mais baixos patamares de isolamento e distanciamento social.  Nunca a vida valeu tão pouco, desprezada por todos, inclusive por nefasto mandatário de um governo que depreda a civilização e que abraça as trevas, em todos os sentidos.

Nos estratos mais destroçados, como o setor de entretenimento, gastronomia, turismo, cultura e artes, o esfarelamento do tecido social e de todas as formas de tolerância ficaram evidentes, com  o crescente desprezo pelos quase 200 mil mortos – em quatro anos de envolvimento na II Guerra Mundial, os Estados Unidos registraram 300 mil soldados mortos ou desaparecidos.

Em um ano em que a classe artística se dividiu e muitos abraçaram as ideias e as atitudes medievais – seja por oportunismo, seja por desespero -, é desalentador perceber que muitos músicos/roqueiros preferiram ficar do lado do vírus e vomitar sandices contra as medidas sanitárias restritivas necessárias e compartilhar muita notícia falsa, além de apoiar o nefasto presidente.

Todos perderam, e muito, com um 2020 tenebroso. Brigar com a realidade e pensar apenas no próprio bolso foram apenas alguns dos inúmeros pecados que essa gente pobre de espírito cometeu. 

E isso vai além de abrir bares de forma irresponsável e permitir aglomerações em centros comerciais variados: o que dizer dos energúmenos que se sentiram confiantes de ira shows com o público presencial, mesmo “com todos os protocolos sanitários e de segurança estabelecidos”? 

Como qualificar os artistas que toparam a irresponsabilidade de tocar para um público “de apenas 30% da capacidade da casa?

2020 foi o ano das lives, que logo saturaram o público e nem de longe conseguiu remediar os problemas trazidos pelo isolamento social. Muita gente trabalhou de casa, mas os músicos ficaram sem trabalho e sem auxílio emergencial, distribuído a diversa fatias da população. 

E o que dizer de você que votou no lixo que aparelhou o governo federal e está dilapidando o que sobrou de um país subdesenvolvido?

No ano em que o desemprego, que já estava em alta por inépcia administrativa bolsonara, explodiu, não sobrou nem o bico de sempre e salvador das piores horas. Aquele boteco aconchegante, a praça ensolarada do final de semana, o festival do shopping da cidade vizinha… e ainda tendo de ouvir os fascistas chamar os artistas de vagabundos…

2021 será o ano da vacina e o ano em refaremos os contatos. Talvez seja otimismo demais falar em recuperação – que tal reconstrução?

Na melhor das hipóteses, os shows de verdade voltam só em maio, quando se vislumbra algum tipo de controle da pandemia, ainda que a  afete apenas pequena parcela da população – graças a mais uma incompetência do governo esdrúxulo de Jair Bolsonaro.

Na reconstrução, teremos de mudar muitas coisas, a começar pelo respeito às leis, à ciência, ao vizinho e ao próprio planeta. 

O show de horrores deste final de ano, com praias, ruas e comércio lotados, mostra o pior do brasileiro, um povo ignorante, mal educado e pérfido, incapaz de solidariedade prolongada e extremamente oportunista e egoísta, tudo temperado com altas doses de vagabundagem e nenhum pudor em explicitar a sua falta de vergonha em passar vergonha.

É pouco provável que esse contexto mude drasticamente em 2021. É pouco provável que consigamos evoluir minimamente pra enfrentar de forma correta e decente a pandemia, que vai matar bem mais de 200 mil por aqui. 

No entanto, a vida já mudou, queiramos ou não. O rock nosso de cada dia ficará confinado por algum tempo em nossas casas e as chatíssimas lives, a maioria caça-níquel e que pouco acrescentam, vão nos assombrar até que as medidas sanitárias e as vacinas surtam efeito.

Será mais um lembrete de que teremos de suportar mais um período terrível de atentados à inteligência, ao bom senso e à civilização. 

Com isso, seremos obrigados e refazer as nossas ligações com todas as nossas vidas, com os nossos mundos, com nossas almas. Será a hora mais do que necessária de rever conceitos e rever relações, rever contatos e rever a própria vida.

2021 será bem diferente. A música continuará a fazer parte da vida da maioria das pessoas, e de uma forma um pouco mais efetiva e necessária. 

O confinamento forçou que o nosso relacionamento com a música, esgarçado e pouco amistoso neste século, tomasse outras proporções. 

O rock e a música em geral voltaram a fazer parte de forma importante nosso dia, recuperando um pouco da relevância que já teve. 

A música ficou muito fácil de se acessada, ficou gratuita e perdeu muito o seu valor agregado. Com esses nov tempos, que ela nos ajude a recuperar a nossa humanidade e nosso apreço pela civilização.

Que volte a fazer parte de nossas vidas de forma integral e indissociável. A vida sem música é o triunfo da mediocridade, exatamente como sonham os fascistas e os burrocéfalos bolsonaristas. É uma vida triste e sem perspectivas. 

Essa reconexão com a música e com as artes é a oportunidade imensa qwue esperávamos para restaurar a nossa crença em dias melhores. É o que nos resta.