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Legião Urbana (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Não era o que queríamos (ou sonhávamos), não era bom, mas era diferente, inegavelmente. Com pouco dinheiro para comprar LPs e com um cenário lamentável nas emissoras AM e FM, a Blitz surgiu como um bálsamo naquele outono de 1982: trazia jovialidade, bom humor e alto astral, ainda que a música fosse ruim. E “Você Não Soube Me Amar” era bem ruim…

Para quem gostava de rock e queria algo diferente, aquele ano era uma pasmaceira de dar nos nervos. O punk tinha morrido, a new wave surgia, mas irritava e o rock no Brasil não existia, estando confinado ao underground do underground, basicamente sobrevivendo graças às bandas punks.

Rádio? Não existia para o jovem que almejava algo instigante. As emissoras FM se dividiam entre a música brega e a música pop sem sal internacional, tipo Antena 1 e Alpha FM. O rock se resumia a alguma “velharia” dos Mutantes ou Secos & Molhados, entremeada por Raul Seixas de vez em quando.

O surgimento de Beatles, Beach Boys e Elvis Presley nos anos 50 e 650 já tinha revelado o potencial de consumo dos adolescentes e jovens pré-adultos, mas isso foi ignorado parcialmente no Brasil. 

A bossa nova surgiu como uma possibilidade de trazer a molecada pra o mercado e de ver o jovem como uma força importante de consumo, mas isso ficou pela metade. Vieram a Jovem Guarda e a Tropicália, mas o nicho continuou marginalizado.

O jovem ainda não era visto como alguém capaz de mudar os rumos do mercado publicitário e consumidor, como se fosse permanentemente tutelado pelos adulto em suas escolhas e suas trajetórias de vida.

Foi necessária uma banda anódina e sem grandes ambições, originada de uma trupe de teatro, para mostrar que o jovem poderia ser responsável pelos próprios rumos e pelas próprias escolhas – e ´pelas próprias compras.

Faz 40 anos que a Blitz surgiu para mudar o comportamento do jovem brasileiro e ressuscitar o rock brasileiro e formatar definitivamente um mercado pop por aqui.

A banda carioca não inventou nada e não nada, mas foi a ponta-de-lança de um movimento jovem importante que transformou o mapa cultural brasileiro. 

Fazia música pop por excelência – não necessariamente de boa qualidade – e se transformou na voz de uma juventude que não via na MPB clássica e classuda um veículo para o sus anseios. 

O rock com viés brasileiro e bem humorado, que ganhou nova vida nos circuitos praianos do Rio e nas rodas de moleques inquietos da zona sul carioca, rapidamente se tornou o veículo dos garotos de todo o país em lena ditadura militar – que estava morrendo. Ainda havia censura, mas que logo morreria junto com o podre autoritarismo militar.

Não há como ignorar ou negar: a Blitz liderou a retomada e a ressurreição jovem de um país mergulhado nas trevas. Foi com o pop superficial e sem a menor propensão à contestação e ao ativismo que o mundo jovem finalmente ganhou voz em um mercado ávido por liberdade e consumo – na verdade, liberdade de consumo.

Ao contrário do que querem fazer crer em 2022, o rock no Brasil não começou em 1982 e nem foi inventado pela Blitz. Os eventos que surgem e surgirão com a marca Rock Brasil 40 Anos são baseados em mentiras e supostas tentativas de “recriar a história” em tempos de extrema ignorância.

No entanto, o jogo virou graças à massificação do pop bem comportado e inofensivo da Blitz em 1982. A banda carioca escancarou as portas para um novo mundo, que aparentemente prescindia de ativismo e contestação, mas que, na verdade, ansiava por novas verdades e novos horizontes.

Tanto é verdade que a Blitz não passaria do segundo disco em termos de relevância, ao passo que as principais bandas que vieram na esteira cravariam seus nomes na história com pelo menos um petardo de cunho sociopolítico. 

Alguém é capaz de negar a mensagem social de “Maior Abandonado”, de Barão Vermelho ainda com Cazuza? Ou que “Inútil”, do Ultraje a Rigor, tirando sarro da nossa incompetência na hora de votar? E o que dizer do deboche de “Simca Chambord”, do Camisa de Vênus, destroçando os “anos dourados” e as trevas da ditadura militar?

Marco cultural que moldou toda uma geração, o rock dos anos 80 transformou nossas vidas e deu um lento a uma geração que parecia perdida e, de certa forma, anestesiada pelo medievalismo e pelo retrocesso autoritário.

O jovem brasileiro finalmente se fazia ouvido e se sentia representado na new wave abrasileirada de RPM, do reggae pop à la Police dos Paralamas, do brega pop dos Titãs (que se tornaria hardcore/heavy metal em “Cabeça Dinossauro”< de 1986), no mod-pós-punk do Ira! e da Legião Urbana, no hard punk de protesto da Plebe Rude e do Capital Inicial, no hard rock puro e rude do Golpe de Estado…

É possível que o movimento fosse inexorável, ou seja, que viria de uma forma ou outra e que a juventude da época encontraria a sua voz e seus “instrumentos” de uma forma ou outra, como a água que transborda de um dique. Bem ou mal, foi a Blitz o veículo que chutou as portas e colocou o jovem como protagonista.

Mutantes, Raul Seixas, Secos & Molhados, Patrulha do Espaço e O Terço, entre outras, construíram lentamente as estruturas que colocaram o rock definitivamente na cultura brasileira – sem as quais não haveria “Rock Brasil 40 Anos”. 

A etiqueta marqueteira mentirosa não é o suficiente para manchar uma data tão importante. Se o mundo pop e a cultura ocidental foram transformadas por completo com os Beatles, o mundo brasileiro pós regime militar foi estremecido e modificado pela música dos anos 80 em que o rock predominava a partir de 1983 e era o principal veículo que falava a língua dos jovens. 

Fomos influenciados diretamente por um movimento que ganhou corpo a partir de uma bobagem como “Você Não Soube Me Amar”, de inegável potencial pop, mas cuja simplicidade/ingenuidade, às vezes, chega a constranger. 

Evandro Mesquita, líder e criador da Blitz, jamais planejou tal coisa e não tinha ideia do “monstro” que criaria à base de batata frita e chope quente, como brada na letra da tal música. Entretanto, foi visionário ao vislumbrar um espaço imenso em que o jovem não era visto como parte integrante da sociedade de consumo. 

Ao falar a língua da juventude, abriu os “portões do inferno” e libertou toda uma geração amordaçada por  um autoritarismo moralista e extremamente conservador, que castrava anseios e ambições e censurava a comunicação.

É óbvio que o rock já existia antes do “evento” “Rock Brasil 40 Anos”, mas inegável que houve uma “libertação” em 1982, responsável por enxergar o jovem como uma força de consumo importante e definitiva dentro da nova ordem social brasileira.