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 Marcelo Moreira

O documentário “Let It Be”, dos Beatles, completou 50 anos de seu lançamento e deveria mostrar o processo criativo de álbum da melhor de todas as bandas. Entretanto, retratou a dissolução do grupo e como os integrantes não mais se suportavam.

As cenas mais importantes e demonstrativas do esfarelamento dos Beatles envolvem o guitarrista George Harrison. São duas cenas emblemáticas: na primeira, ele responde ironicamente aos “comandos” do baixista Paul McCartney, que se autointitulava líder do barco afundando; depois, em outro ensaio, ignorando as orientações do mesmo Paul, após ter se ausentando deliberadamente dos trabalhos por uma semana nos estúdios Twickenham. Quem o convenceu a voltar e deixar de lado a ideia de sair da banda?

Após a implosão dos Beatles, detonada por McCartney em 10 de abril de 1970, houve troca de farpas entre John Lennon e Ringo Starr contra o baixista “traidor”, já que tinha rompido o acordo que matinha o segredo do fim da banda para que isso não interferisse em lançamentos daquele ano.

Harrison, irado, preferiu o silêncio. E respondeu à altura em novembro com um maravilhoso LP triplo, recheado de canções ótimas rejeitadas pelos colegas de banda.

Ele já tinha investido na composição e trilhas sonoras para cinema quando os Beatles ainda existiam, mas “All Things Must Pass” foi a sua primeira incursão solo, para valer. Foi tão intenso e recheado de boas ideias que é considerado o seu melhor trabalho.

Excesso de criatividade, excessivo, autoindulgente? Até certo ponto sim, mas em muitos pontos de vista, não. Um álbum triplo é excesso por natureza, mas representou, para Harrison, uma “lavagem da alma”, com um jorro de inspiração que surgiu depois de anos de ideias represadas.

A comemoração dos 50 anos de lançamento virá ainda neste ano com uma super edição de luxo em vários formatos, segundo as primeiras informações divulgadas pelo filho Dhani e pela viúva, Olivia, ambos à frente do projeto.

Muita coisa inédita está sendo avaliada, mas o grosso do material mais importante já foi divulgado por décadas em edições piratas de má qualidade.

Em declaração à imprensa inglesa, Olivia afirmou que é o momento adequado para dar um tratamento à altura do que estava em arquivo e que mostrou qualidade suficiente pra ser editado como material adicional.

Para isso, foram contratados especialistas que estão revirando os arquivos em vários formatos na Dark Horse, o selo/gravadora montado por George Harrison nos anos 70.

Uma pista do quem vem por aí foi dada por Dhani: muitas músicas inéditas e versões para músicas de Bob Dylan, que foi um dos convidados originais para tocar em várias canções de All Things Must Pass”. Há inclusive uma música inédita composta em parceria entre os dois, chamada “Window Window”.


A “vingança” de George Harrison é um dos grandes momentos da história da música ocidental e marca a estreia em altíssimo estilo de um artista raro e inteligente na carreira solo depois do turbilhão beatlemaníaco.