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Marcelo Moreira

Um dos principais enigmas do rock a partir dos anos 80 é o porquê de o Van Halen ter acabado assim depois dos últimos shows da turnê de suporte de “Van Halen III”, o único disco com o cantor Gary Cherone (Extreme), em 1999.
É verdade que, cronologicamente, dá para dizer que a banda existiu até 2015, data da última turnê norte-americana, ou até 6 de outubro de 2020, data da morte de Eddie Van Halen, o mágico guitarrista, vítima de um câncer na garganta aos 65 anos de idade.
Mas a verdade é que a banda acabou mesmo em 1999, e por vontade de Eddie, que não viu entusiasmo no irmão Alex para manter vivo o grupo criado na Califórnia no início dos anos 70.
Ao que tudo indica, foi mesmo a (falta) de vontade de Eddie Van Halen, mais do que qualquer outra coisa, que colocou a banda em estado de constante hibernação.
Houve espasmos de atividade em alguns momentos neste século, como a turnê que quase reuniu o grupo de vez em 2004 com Sammy Hagar, mas cuja turnê terminou melancolicamente em mais brigas feias entre o guitarrista e o vocalista, que definitivamente os afastaram.
Contracapa do CD ‘Balance’, o último co Sammy Hagar (no fundo, à esq)

A briga foi tão feia que sobrou até para o baixista Michael Anthony, amigo de Hagar e que fez questão de dizer que nada tinha a ver com as desavenças. 
O resultado é que foi ignorado quando finalmente David Lee Roth aceitou voltar para o que seria apenas uma reunião de velhos amigos em uma turnê, em 2007, substituído por Wolfgang, filho de Eddie e guitarrista de origem. 
A turnê não foi curta, mas teve menos shows do que todos gostariam. O grupo só voltaria a se reunir em algumas datas em 2010 para gravar o que seria o disco “Different Kind of Truth”, o primeiro de inéditas desde 1998, mas que na verdade era um catadão de sobras dos anos 80 cheio de remendos, como denunciou em entrevistas Sammy Hagar.
Uma rápida turnê de suporte para o disco e então mais um hiato de quatro anos até a derradeira turnê de 2015, com shows nos Estados Unidos e só. Ou seja, muito pouco para os 21 anos seguintes após o fim, da turnê de “Van Halen III”.
A verdade é que a banda, como força inesgotável de criatividade e inovação, deu os últimos suspiros em “Balance”, de 1995, o último com Sammy Hagar. 
O decepcionante “Van Halen III” parece ter convencido Eddie e os companheiros de que o passado poderia ser mais lucrativo que o futuro.
Mais uma vez a fonte é uma das inesgotáveis entrevistas de Sammy Hagar, agora uma de 2006 dada à revista Rolling Stone: “Tudo estava bem estranho nesta turnê [de 2004]. Eu senti que todos estavam dispostos a fazer dar certo no começo, mas depois alguma coisa, ou muitas coisas mudaram, e o humor de Eddie estava bem ruim na maior parte da turnê. De repente, tudo pareceu ser um fardo, um estorvo, e muitas vezes percebi que Alex e Eddie não queriam estar ali. Era um sinal, na verdade, que não queriam fazer coisa alguma.”
Por que o Van Halen perdeu a alma? Por que Eddie foi tomado por uma letargia de tal forma potente que sugou sua criatividade e força para empurrar banda para um futuro menos decepcionante ou mais digno?
Formação de ‘Van Halen III’: da esq. pra a dir., Gary Cherone, Eddie Van Halen, Michael Anthony e Alex Van Halen (FOTO: DIVULGAÇÃO)

O AC/DC, agora sabemos, passou por poucas e boas neste século e espaçou cada vez mais os seus lançamentos, tanto que ficou oito anos sem disco novo até o surgimento de “Black Ice”, bom CD de 2009, e conseguiu ir em frente até mesmo quando a saúde tirou o chefão Malcolm Young de combate a partir de 2013. “Rock or Bust”, de 2014, manteve o bom nível do álbum anterior e as chamas para que Angus Young, agora sozinho, conduzisse a banda para um novo álbum em 2020.
Os Rolling Stones pareciam viver do passado neste século XXI, já que apenas “A Bigger Bang”, de 2005, foi lançado com material inédito. Após um CD de covers de blues e faixas inéditas esparsas em coletâneas, o grupo finalmente deve lançar um disco novo até o começo de 2021.
The Who, por sua vez, só lançou dois CDs com músicas novas desde 1982, mas “WHO”, do ano passado, surpreendeu por trazer um vigor novo ao grupo, que se manteve antenado com o som da terceira década do século XXI.
Outros gigantes, como Metallica, Kiss e U2 espaçaram os novos álbuns, mas se mantêm firmes e mostrando coisas novas (o Kiss nem tanto, vai…) de tempos em tempos.
E o Van Halen? Além da doença e da aparente recuperação de Eddie no começo dos anos 2000, outras coisas pareciam não ir bem e David Lee Roth, desde a sua volta ao grupo, em 2007, nunca escondeu isso de tempos em tempos. 
Assim como Hagar, ele estranhava o ritmo que os irmãos Van Halen imprimiram ao grupo. Tudo estava bastante devagar e Roth demonstrava insatisfação com a aparente falta de interesse em coisas mais efetivas. 
Mesmo com “Different Kind of Truth”, de 2011, com sua receptividade boa no começo, não espantava os ares de que faltava alguma coisa que tudo deslanchasse.
A verdade é que o Van Halen deixou de ser uma força avassaladora do rock quando Sammy Hagar saiu, em 1996. Eddie e Alex aparentemente não sabiam o que queriam e jogaram no lixo parte da credibilidade com o fraco “Van Halen III”.
Última formação da banda: da esq. para a dir., David Lee Roth, Alex Van Halen, Eddie Van Halen e Wolfgang Van Halen (FOTO: DIVULGAÇÃO)
Comodismo e falta de interesse explicam parte do problema, mas a impressão que fica é que não é só isso. Faltam peças neste quebra-cabeça. E algumas pistas indicam que a questão musical é predominante neste caso, ou seja, Eddie perdeu seu interesse na música, no rock e na profissão. 
 
Não houve nem mesmo álbuns solo ou colaboração digna de nota com outros artistas. O guitarrista “acabou” com o Van Halen e não teve interesse em colocar nada no lugar, com o beneplácito e a conivência do irmão baterista.
Praticamente não existem livros que investiguem em profundidade a obra do Van Halen desde os primórdios, lá nos anos 70. 
O enigma do desmoronamento da banda, assistido de camarote pelos irmãos fundadores, ainda carece de muitas informações, mas não errará quem apostar que, na realidade, assim como a banda, Eddie Van Halen estava morrendo fazia bastante tempo.