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 Marcelo Moreira



A crise  sanitária de proporções colossais aprofundou uma outra crise, igualmente trágica e perigosa para o futuro imediato de nossa sociedade: são 260 mil mortos pesando na conta de uma imensa crise moral que destroça definitivamente a imagem brasileira perante o mundo.

Não bastam apenas as constatações de que vivemos em uma sociedade medieval e pobre em todos os sentidos. É necessário piorar ainda mais as avaliações de que o caráter do brasileiro é baixo, sórdido, bem de acordo com a excrescência que está na Presidência da República.

Não é necropolítica: é projeto de assassinato em massa e de depredação do sistema público de saúde. E ainda assim tem gente que apoia o vagabundo e sua política corrupta de destruição.

Ao contrário do que pregam jornalistas e analistas de vários matizes, não foi Bolsonada que contaminou s política com sua nojeira. Ele apenas destampou os ralos para o esgoto transbordasse.

E o esgoto estava à beira do transbordamento, pronto para ignorar as determinações da ciência para combater a pior tragédia da história do Brasil, que será uma das piores das humanidade. 

Esse esgoto, que tem a cara do bolsonarismo sórdido, empesteou de tal forma a sociedade que não há mais como retornar a um ponto de civilidade. Pode-se imaginar um confronto de civilizações, de certa forma, mas o mais adequado é admitir que a barbárie venceu e está vencendo.

Nenhum tipo de desespero justifica ignorar a ciência em prol de qualquer economia. Mais do que burrice, é total insanidade. Mas é isso que a enorme parcela mau caráter da sociedade brasileira exige.

Um guitarrista paulista estúpido, neste momento, está desesperado porque a mãe está na fila por uma vaga na UTI de um hospital, qualquer hospital. Vomita nas redes sociais contra a superlotação e culpa todos pelo infortúnio, mas o algo é o governo de São Paulo, que não providencia um leito para a mamãe e o impede de trabalhar “decretando o fechamento da economia e levando todos à falência”.

Claro que é bolsonarista, negacionista e dotado de uma indigência intelectual assustadora, mas o que chama mais a atenção é a incapacidade de entender o que está acontecendo e os motivos da falta de leitos. 

Faz todo o sentido se observarmos que o imbecil negava havia pouco a existência de uma pandemia e que seguia bovinamente o nefasto presidente que expele excrementos pela boca. Da pior forma possível, viu a pandemia bater na porta de sua casa, mas não desiste de gritar pelo direito de “trabalhar e tocar, e que não admite ter a sua liberdade tolhida por políticos sujos que ignoram a população”. Será que ele está se referindo ao “mito de estimação” dele, que não para de defecar em tudo no Palácio do Planalto?

Será que só nos resta a resignação, já que não haverá vacina e nem vaga em hospital para nós e nossos familiares? Teremos de suportar calados o estímulo ao genocídio praticado por um incapaz e seus asseclas?

A crise moral em que vivemos sempre existiu, mas parecia estar controlada ou confinada a alguns porões. No transbordamento do esgoto que presenciamos neste momento, com a sociedade “relevando” as mortes em prol de comércio aberto e “vida que segue”, certamente nos igualamos, em termos morais, aos alemães comuns que abraçaram o nazismo e se lixaram para judeus e outras categorias assassinadas sistematicamente. É a extrema valorização do individualismo e o sacrifício do bem comum.

É também a exacerbação do ódio cívico e do total oportunismo social de uma sociedade que detesta pobre e incentiva a desigualdade social, onde pobre odeia pobre e aplaude golpes políticos perpetrados por parlamentares oportunistas e corruptos tão asquerosos quanto seus eleitores.

A crise moral sempre esteve por aí, mas se aproveitou de um momento de extrema debilidade social para empestear tudo e evidenciar o egoísmo e o individualismo de uma sociedade doente. 

Por este prisma, não é novidade que o conhecimento e a ciência estejam sob ataque constante por não se encaixarem no ideal fascista de um governo criminoso e de um povo sem caráter e oportunista.

A crise moral é a valorização de um comportamento abjeto que mistura o que de pior nossa história produziu – colonialismo, patrimonialismo, escravidão, segregação racial e social e profunda desigualdade econômica. São históricas as razões para a sociedade abraçar o autoritarismo e o fascismo.

Caráter deformado? Pode ser, mas as raízes da crise moral são mais profundas, mas que explicam a maneira bovina de como o povo vota neste país infeliz e que tipo de aspiração tem para o futuro. Não é somente contra quem vota, mas pelo que não vota.

Demorou, mas finalmente a crise moral explodiu no Brasil com o segundo agravamento da crise sanitária provocada pela pandemia. E o bolsonarismo nojento é a gasolina que aumenta os incêndios que matam os doentes e incineram o que sobrou de tecido moral e decência em nossa sociedade.