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Paul McCartney em São Paulo (FOTO: MARCOS HERMES/DIVULGAÇÃO)

Quando soaram os acordes de “Helter Skelter”, a música mais violenta dos Beatles (e que muitos dizer ser o primeiro heavy metal da história), Paul McCartney reforçou o recado que costuma passar em quase todos os shows: eu comecei quase tudo isso.

Com leveza e sorriso no rosto, ele mostra como criou e disseminou essa coisa do rock and roll e, principalmente, como fazê-lo tão bem e de forma definitiva.

Na segunda noite no Allianz Parque, em São Paulo, McCartney repassou a própria história do rock para uma plateia distinta e variada, mas que soube reverenciar a sua genialidade. Aos 81 anos, entrega muito mais do que promete. É a própria história se desenrolando a nossa frente.

Descontando-se as frases ensaiadas e as tentativas simpáticas de falar português, o músico demonstrou que estava muito à vontade e curtindo estar no palco. Estava se divertindo e isso foi fundamental para que o espetáculo, mais uma vez, fosse inesquecível.

Com vigor invejável, transforou o moderno estádio do Palmeiras em um imenso Cavern Club, o porão em qe os Beatles forjaram a revolução mundial da música pop na Liverpool natal; ´

Sim, era um espetáculo formatado para a família, um rock palatável e nem um pouco ameaçador. E quem liga para isso? Mesmo a porrada “Helter Skelter” soou bem dentro do contexto, em que todo mundo queria “dar uma chance a paz” (uma entre várias menções e homenagens ao ex-companheiro John Lennon, morto em 1980).

Entretenimento puro e simples, era o que ex-beatle pretendia, e fez a música tomar conta de nossas vidas de forma avassaladora e direta. 

Assim como Lennon, McCartney é o artista do nosso tempo, um sobrevivente como os contemporâneos octogenários Mick Jagger, Keith Richards, ob Dylan e o quase Pete Townshend.

Abusando do escapismo e dos truques perfeitos, levou a nostalgia ao auge com os clássicos de toa uma vida, da abertura com “A Hard Day’s Night” ao vaudeville de “Lady Madonna”, passando por “hey Jude”, “I’ve Got a Feeling” (com o dueto com Lennon no telão, imagem do concerto do telhado da Apple em janeiro de 1969), “Love Me Do” (o primeiro single), o reggae ingênuo de “Ob-La-Di Ob-La-Da) e a raridade “In Spite of All Danger”, uma rara composição de McCartney e George Harrison, a primeira gravação dos Beatles, mas nunca lançada oficialmente enquanto o grupo existiu. 

Neste momento, Paul não economizou no quesito emocional e mandou ver as beatlemaníacas “Get Back”, “Something” (homenageando George Harrison), “Getting Better” (outra de “Sgt. Pepper’s”), “Got to Get You Into My Life”, “Blackbird”, “She’s a Woman”…

Teve para todos os gostos. Tem gente que prefere a carreira solo do músico e se esbaldou com “Band on the Run”, clássico supremo e que ganhou arranjos bem interessantes de sopros, e a emocionante “Maybe I’m Amazed”, do primeiro disco solo, uma desesperada canção de amor.

“Live and Let Die”, canção da franquia “007” e que teve versão dos Guns N’ Roses, levantou o estádio, assim como a ótima e positiva “Jet”, além da emocionante e quase esquecida “Here Today”, outra homenagem a John Lennon. E ainda teve outra concessão ao ex-parceiro, a surpreendente versão de “Being of Benefit of Mr. Kite, cantada por John em “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”.

Sintomático, Paul encerrou com parte do medley final do álbum “Abby Road”, acentuando a carga emocional ao entoar “Golden Slumbers” e “The End”, alimentando as especulações de que os shows brasileiros serão os últimos de sua carreira.

Sinônimo de excelência e qualidade, Paul McCartney brindou os paulistanos com um pouco do que de melhor existe no rock. Foi o contraponto ideal, em termos de intensidade e suavidade, ao megaconcerto de Roger Waters (ex-Pink Floyd) no m~es passado. 

Pelas próprias características pessoas e musicas, os concertos de despedida de Waters foram carregados de tensão e atrevimento. McCartney decidiu apenas entreter, por mais que “Helter Skelter” sempre seja um manifesto político. 

Poder desfrutar do privilégio de assistir a tais eventos faz dos paulistanos seres iluminados e abençoados por se despedir de um ano complicado, mas esperançoso, ao som de “Getting Better”, dos Beatles. Não há dúvidas de que as coisas estão melhorado…