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 Marcelo Moreira

Uma das coisas que Max Cavalera sente falta, morando nos Estados Unidos, é do futebol e do seu Palmeiras, mas também dos jogos da seleção. Várias vezes comentou como era difícil ficar longe do ambiente que respira futebol, em que grande pate da vida gira em torno de uma bola.

Não foi à toa que contou com orgulho que tocou com energia redobrada, vestindo a camisa amarela da Seleção Brasileira, no dia em que ocorreu o tetracampeonato, em 1994, nos Estados Unidos. Com satisfação, naquele show em terras americanas, contou inúmeras camisetas amarelas na plateia. 

Que artista brasileiro hoje teria coragem de subir ao palco trajando a amarelinha em tempos de polarização exacerbada e parte da população ainda inebriada pela incompetência bolsonara e flertando com o autoritarismo, fascismo e espalhando o ódio? 

Se hoje as pessoas evitam passear com a camisa das seleção com medo de algum tipo de hostilização, o que dizer então de subir ao palco?

A discussão surgiu em torno da apropriação de símbolos, coisa tão corriqueira ao longo da história, principalmente na deturpação de seus significados – vai da suástica da antiguidade, roubada” pelos nazistas”, até a bandeira dos Estados confederados do sul norte-americano, tomada como propriedade de supremacistas brancos e racistas.

Bons amigos, inteligentes e espertos, fizeram a provocação justamente por conta da bandeira confederada, usada e hasteada largamente nos Estados sulistas durante a atual eleição norte-americana por apoiadores de Donald Trump. 

Essa gente nefasta se sentiu empodeirada quando o lixo Trump foi eleito e seguidamente se recusou a condenar as ações de grupos supremacistas – o mesmo tipo de gente nojenta que apoiou todas as polícias que mataram negros ao longo dos últimos anos e que atacaram todos os movimentos antifascistas e as variantes do “Black Lives Matter” (Vidas Negras Importam).

Desde os anos 70 a bandeira confederada tem sido, lentamente, banida de vários círculos, inclusive no sul americano, a ponto de uma instituição do rock, o Lynyrd Skynyrd, decidir bani-la de todo e qualquer material ou referência da banda – seria o equivalente de o Iron Maiden desistir de usar o mascote Eddie, por exemplo.

“A camisa amarela da seleção foi sequestrada pelos fascistas e pelos direitistas da pior espécie, a ponto de parte da população rechaçá-la como símbolo”, argumentou o exaltado professor de matemática que um dia sonhou em viver em Cuba (para depois pensar melhor e sonhar com Barcelona).

A comparação com a bandeira confederada foi inevitável. E, para relacionar a questão com o rock, lembramos, todos os participantes da conversa, que era a coisa mais comum nos anos 80 e 90 bandas brasileiras e gringas tocarem vestidas com a amarelinha, hábito que foi se perdendo ao longo dos anos 2000 – até se tornar algo quase proibido, de ambos os lados, a partir de 2013.

Como dissemos, não foi só no rock que a camisa da seleção ficou marcada. Em qualquer circunstância, hoje, a vestimenta é associada ao gado bolsonarista, ao golpismo, à falta de ética em tudo, à deformação de caráter de gente que sonha com a volta da ditadura militar, do restabelecimento da censura, do fechamento do Congresso, do terraplanismo, da campanha antivacina, da disseminação do ódio, da burrice generalizada, do orgulho de ser ignorante…

Ainda é cedo para saber que se a camisa da seleção terá um destino trágico como o da bandeira confederada ou da suástica, mas as perspectivas não são das melhores. 

A quantidade de ressentimento é grande e está contaminando qualquer tipo de debate ao ponto de debiloides de esquerda proporem a mudança das cores do uniforme da seleção brasileira de futebol e até da bandeira nacional. 

São os efeitos danosos de uma polarização absurda onde um dos lados optou pelo retrocesso e pelas ideias medievais, esticando a corda a tal ponto em que não há mais volta, não há condições para qualquer tipo de acordo ou entendimento.

Se o mundo pop e os artistas em geral sempre abraçaram a camisa da seleção como um genuíno símbolo nacional e digna representante da brasilidade, a política conseguiu fazer o oposto: afastar qualquer sentimento positivo em relação aquela indumentária.

A má vontade transbordou para o esporte, em que a falta de entendimento do que representa o futebol e de sua geopolítica atual faz com que a própria existência da seleção seja questionada, principalmente por conta da convocação de jovens jogadores que saíram cedo para a Europa. 

A seleção paga pelo mau humor e azedume que transformaram a sociedade brasileira em um ambiente rancoroso, de amplo ressentimento e com fartas doses de ódio e desfaçatez. 

Portanto, seria natural que, mais cedo ou mais tarde, fosse apropriada por um grupos de vândalos e vagabundos dispostos a tumultuar, a dividir e a espalhar excrementos ideológicos e forçar um retrocesso de tal monta que vai envergonhar muito os brasileiros por algumas décadas.

Hoje a camisa amarela representa o ue á de mais retrógrado, insano e medieval em termos de pensamento sociopolítico. 

O rock sempre abraçou a amarelinha e foi, também, o primeiro setor a perceber a apropriação indevida do símbolo por gente da pior espécie e por grupelhos cuja intenção sempre foi empestear o mundo. Sendo assim, os roqueiros rapidamente escantearam a camisa e trataram de escondê-la no fundo das gavetas.

A condenação é definitiva? Talvez seja, com consequências ruins para um os símbolos da nação brasileira. Hoje evoca muitos sentimentos ruins quando mostrada ou mencionada, da mesma forma que a bandeira dos Estados confederados. 

A camisa nos remete quase imediatamente às aglomerações de gente que defende o indefensável, que clama contra a democracia e a volta da ditadura. 

Serve de símbolo de pessoas que relativizam o estupro, que apoiam políticas e medidas racistas e que desprezam o meio ambiente e o respeito aos adversários. 

Virou uma marca de gente fascista que odeia a democracia e que atenta o tempo todo contra as liberdades fundamentais e contra qualquer discurso que resvale em políticas a favor da redução da desigualdade econômica e social. Quem a veste geralmente é uma gentinha que apoia qualquer tipo de exclusão social e que tem ojeriza a pobres e mendigos.

O diagnóstico hoje é que a camisa amarela não tem salvação e que está umbilicalmente ligada aos esgotos sociais que vomitam contra a democracia. Devemos abandoná-la?

De jeito nenhum. Da mesma forma que não deixaremos os fascistas sequestrarem a democracia, é nosso dever lutar por um dos símbolos mais caros de nossa nação, ainda que esteja pra sempre marcado pela infâmia e ignomínia. Não vamos dar esse gostinho de vitória para a escória autoritária.

O rock sempre celebrou a camisa amarela e a relação íntima com o futebol. Esse sentimento precisa ser resgatado para que consigamos reabilitar o símbolo e resgatá-lo das mãos indevidas. 

Se foi um símbolo da perversão e da imundície política, pode perfeitamente voltar a ser uma marca da união e da alegria que um dia significaram excelência e qualidade de um povo sofrido, mas altivo e orgulhoso. Que a derrota de Donald Trump, nos Estados Unidos, seja um alento para essa caminhada de resgate.