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FOTO: REPRODUÇÃO

De música preponderante a gênero extremamente segmentado. O rock no Brasil e em várias partes do mundo segue aceleradamente rumo ao lugar onde estão blues e jazz: arte apreciada por nichos de mercado.

A constatação vem correndo há pelo menos 15 anos, quando os artistas de rock progressivamente sumiram das listas de mais tocadas em emissoras de rádio em vários países. No Brasil, a derrocada foi mis acentuada.

Quando ainda existia no Brasil, a revista Billboard publicava mensalmente a lista das mais tocadas nas rádios em aferição feita pela empresa Crawley Brasil. 

Entre as 100 mais do ranking nacional, apenas duas vezes o rock emplacou quatro músicas, sendo duas de Charlie Brown Jr, uma d Skank e outra do Jota Quest, e sempre entre o 60º e  100º lugares.

Agora surge nova evidência de que o rock está mesmo sumindo das rádios e se tornando música de grupos “nichados” e/ou de iniciados.

A pedido da revista Veja, o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) fez um levantamento nos últimos 13 anos: nenhum rock nacional atingiu o primeiro lugar das músicas mais tocadas nas emissoras.

Na coluna “O Som e a Fúria”assinada por Felipe Branco Cruz, a triste constatação: no Top 10, apenas dois artistas conseguiram chegar até a nona posição: “Sutilmente”, do Skank, em 2009, e Charlie Brown Jr. com “Só Os Loucos Sabem”, em 2011. Com bandas estrangeiras, “Hey, Soul Sister”, do Train, e “Moves Like Jagger” e “Sugar”, ambas do Maroon 5. 

Não se trata de um mundo de terra arrasada neste mês comemorativo do rock no Brasil. Talvez o rock realmente tenha recuado para o seu verdadeiro “tamanho” no Brasil e, de certa forma, no restante do mundo.

Talvez o que tenhamos presenciado nos anos 70, 80 e parte dos 90 tenha sido um espasmo de uma expressão cultural importante, mas que não necessariamente tenho sido predominante da forma como achávamos que era.

Jota Quest resistiu o quanto pôde nas listas de mais ouvidas das rádios – raridade entre roqueiros (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Assim como  jazz, ou parte dele, foi transgressor e inovador nos anos 30 e 50, atraindo uma juventude “descolada” e “rebelde”, sedenta por novidades, o rock representou uma válvula de escape para um número ainda  maior de jovens apelando para as mesmas “armas”, acrescentando mais sensualidade, mis urgência e mais “selvageria”.

Possivelmente, as mesmas “armas” que o rap, o hip hop e o rhythm and blues usaram a partir dos anos 90 para dominar as paradas de sucesso americanas a partir de 1990 e se espalhar para o mundo.

Uma coisa que é impossível negar é que o rock diminuiu de tamanho e perdeu relevância, deixando de ser atrativo ao jovem atual. No Brasil, o gênero não fala mais a língua dos jovens há muito tempo e virou trilha sonora de tiozões.

E nem se trata mais de ser rebelde, contestador e de ter “atitude”, coisas que podem ser encontradas, em algumas doses, no rap nacional. O jovem deste século não buscava esse tipo de coisa a migrar para o tipo asqueroso de sertanejo que predomina nos piores tipos de funk carioca. 

O jovem atual encontrou neste tipo de entretenimento algo que não encontrava mais no rock, com alguma e notória exceção de Charlie Brown Jr, que realmente tinha um bom séquito de adoradores e realmente atingia uma camada jovem expressiva, ainda que não primasse pela excelência musical. 

O que os jovens querem? Essa é a grande pergunta quase todos os roqueiros fazem e não encontram respostas satisfatórias. 

“Não queremos gostar das mesmas músicas que nossos pais gostam e querem nos empurrar”, balbuciam certos garotos e garotas para “justificar” a debandada do rock. Pura bobagem. 

Faria algum sentido se o rap predominasse, mas não é o que ocorre. O sertanejo domina tudo há 30 anos, com algum espaço para pagode e axé, ritmos que os jovens dos anos 90 ajudaram a bombar e que hoje, aos 40, 50 e 55 anos, continuam curtindo essas coisas e vendo seus filhos e netos se fartarem com músicas ainda piores.

Dá para dizer que o rock chafurdou em uma certa arrogância e presunção em um tempo em que ainda era uma usina de criatividade e inovação, quando ainda tinha  que dizer para jovens que viam nas guitarras e nas letras irônicas e fortes uma fonte de inspiração. 

Quando o rock ficou mais maduro e introspectivo e mais sério, mais “intimista” e “existencialista”, deixou de ser “perigoso” e “intimidador”. Ou então perdeu a capacidade de ser “simples”. 

Paul McCartney em seu estúdio caseiro (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Peguemos o caso de Paul McCartney, compositor pop por excelência. Seus dois mais recentes discos, “Egypt Station” e “McCartney III”, nada ficam a desejar aos discos dos anos 70 e 80 – são ótimos. Mas são mais “sofisticados”, sem a aura de urgência de “Band on the Run”, “Silly Love Songs” ou “no More Lonely Lights”, mais simples e com uma pegada mais pop.

Essas canções falava m mais rápido e de forma mais direta a uma juventude que buscava novas formas de entretenimento em um mundo menos complexo e com menos opções de lazer. Havia foco e mais empo para saborear a mensagem. E o rock ainda tinha uma mensagem poderosa.

Hoje a velocidade da informação é estonteante, oferecendo milhares de alternativas. Há mais urgência, menos foco e menos paciência, com o agravante de que a mensagem dos artistas de hoje, jovens ou veterano, perdeu o poder.

Em 1984, os fãs de heavy metal vibraram com uma canção de 13 minutos baseado em poema do final do século XVIII (“Rime of the Ancient Mariner”) sobre as aventuras de um marinheiro. Também amaram saber mais sobre um imperador macedônio da Antiguidade (“Alexander, The Great”, de 1986).

 Havia potencial para esse tipo de canção, assim como para “Crusader”, de 1984, o clássico do Saxon que fala das Cruzadas católicas nos séculos XI e XII sob o ponto de vista de um guerreiro católico. O mesmo Saxon, em 1986, lançou o hino antibelicista “Broken Heroes”, em uma época ainda conturbada pela Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética.

Trinta e cinco anos depois, a paciência para canções mis elaboradas e profundas é nenhuma. Em “Book of Souls”, de 2015, o Iron Maiden abordou a depressão e o suicídio baseando-se na morte do ator Robin Williams em 2014. “Tears of a Clown” é ótima, mas passou quase despercebida.

No mesmo disco, a última música é um clássico progressivo de 18 minutos com várias suítes e presença de naipe de cordas e muitas mudanças harmônicas. 

“Empire of the Clouds” é uma obra-prima que narra o acidente com um zepelim na Inglaterra nos anos 20 que deixou dezenas de mortos. Teria potencial para se tornar um clássico como “Rime of the Ancient Mariner”, mas foi ignorada por uns e desprezada por outros.

O jovens acham que não faz sentido o tema e o tipo de som mais ambicioso, enquanto os fãs mais antigos querem (ou queriam) Iron Maiden tivesse estacionado em 1984, na época do álbum “Powerslave”…

Iron Maiden (FOTO: DIVULGAÇÃO)

E quem faz sucesso hoje no rock, se é que há sucesso para o rock? A cada semana surge uma nova sensação, que é descartada na semana seguinte. Greta Van Fleet chamou  atenção mesmo copiando Led Zeppelin descaradamente (com competência, é verdade), mas logo perde o pódio para uma banda pop de inspiração setentista como os italianos do Maneskin, infinitamente superiores. 

Campões de vendas de ingressos para estádios, U2, Coldplay, Radiohead e Muse envelheceram e já não são mais relevantes. Inglorious e Wolf Alice ganharam alguns segundos de atenção, mas foram superados nos últimos dois meses por outra atração indie fraquinha, Wet Leg. Esta banda, por sua vez, começa a ser acossada por uma banda pop esquisita chamada A Void… E então surge a pergunta: alguém se lembra de Adele e Joss Stone?

Não vamos cansar de repetir: qualquer surto novo de crescimento de interesse pelo rock passará pelo público jovem. Sem conseguir atraí-lo com um discurso que o empolgue, com contestação e rebeldia – ou não -, o rock caminhará rápido para ser música restrito a certos grupos de aficionados sem maiores laços que os unam.

Mas realmente o rock precisa/precisou do rádio algum dia? Bom, é melhor do que nada, certo? Ainda mais quando se sabe que as pouquíssimas emissoras que se dedicam ao gênero estão fossilizadas e congeladas, reféns do classic rock e de programas de gosto duvidoso cm falatórios intermináveis.

Execução em emissoras de rádio atuais é um termômetro ainda para se fazer algum tipo de medição? sim, por mais que o streaming, os podcasts e as web rádios cada mais segmentadas tenham avançado no gosto do consumidor. 

O rádio continua sendo um meio massivo de execução, exposição e consumo no Brasil, e o será por muito tempo. Não pode ser desprezado e é um veículo que proporciona uma medição minimamente confiável, por mais que tenhamos a incidência evidente do chamado “jabá” (pagamento para que uma música e/ou artista seja massivamente tocado) no país inteiro. 

Se rebeldia e contestação são atributos desde sempre do rock, a resistência também é. Em tempos difíceis em termos sociopolíticos, como as trevas da atualidade, é uma chance de ouro para recuperar um pouco o tempo perdido junto à moçada que ainda tem curiosidade. 

No entanto, o rock está desperdiçando mais essa oportunidade enquanto a cantora Anitta se torna a referência de rebeldia, oposição e resistência. Sinal dos tempos…