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Para uns, a revista Rolling Stone inventou o rock; para outros, tornou-o sério; e, para alguns outros, apenas deu um verniz menos grosseiro a um universo hedonista e cínico movido a dinheiro e drogas. De qualquer forma, a publicação mudou a forma de como se encarava o entretenimento – e sua capacidade de forjar ídolos e de potencializar lucros.

Há 55 anos, uma revista ousou tratar de forma inteligente os jovens consumidores de rock e cultura pop e acertou em cheio, embora não imediatamente.

Cultura pop era coisa séria, já vaticinava o criador da publicação, Jann Wenner, um jovem visionário que enxergava ouro onde todos viam lama. fazer jornalismo de verdade voltado ao rock, com um viés progressista/esquerdista de contestação e questionamento… Como isso podia dar certo?

Credibilidade e ousadia era as palavras certas para edificar uma linha editorial que privilegiasse os artistas, seus pensamentos e seu mundo, ao mesmo tempo em que falasse a linguagem da juventude que se sentia alijada do mercado.

Os jovens consumiam, mas não tinham identificação com os jornalões e as revistas que tratavam da indústria da música, dos negócios da música, mas jamais da própria musica ou de quem a fazia.

Wenner identificou rapidamente asa carências desse mercado aos 21 anos de idade e decidiu que o mundo precisava de jornalismo cultural com ousadia, credibilidade e reportagens aprofundadas sobre assuntos da atualidade que pudessem extrapolar o mundo das artes e da ,úsica em si. Ele estava certo, o mundo precisava disso mesmo.

Ainda que mais tarde uma biografia não autorizada do editor da Rolling Stone o mostrasse como um hipócrita burguês ávido por poder e lucros, 

Wenner sabia desde jovem que “enfrentar o sistema” era só mais uma estratégia de marketing das bandas e gravadoras, e sua, para faturar, nas palavras de Joe Hagan, autor de “Sticky Fingers – The Life And Times of Jann Wenner and Rolling Stone Magazine”. 

“Nós não queríamos ser hippies”, diz Wenner a Hagan (escolhido a dedo) em uma das várias entrevistas concedidas pra o livro – que deveria ser uma biografia autorizada, mas que foi desautorizada pelo editor. “Eu sempre fui burguês. A Rolling Stone é burguesa. Seus leitores são burgueses. Toda essa besteira de contracultura é merda.”

Independente dessa visão distorcida e dos desencontros entre objetivos iniciais e resultados posteriores, o fato é que a Rolling Stone mudou a forma de se comunicar com os jovens no Ocidente. Encontrou a linguagem correta e a carga certa de ataques e críticas para se tornar a publicação mais influente do mundo na área da cultura e do entretenimento.

Para o bem e para o mal, a Rolling Stone escapou do rótulo “alternativo”, já que ela nunca foi alternativa a nada porque não existia nada parecido no mundo editorial da época – 1967, época do flower power, da cultura hippie em alta e das altas experimentações com drogas.

Sem ser alternativa a nada, nadou de braçada em um campo em que o jovem se identificou imediatamente. É claro que dificilmente, ao longo de mais de 50 anos de existência, não resistiria o tempo todo ao status quo. Caiu de cabeça nesse mundo “burguês” da grande imprensa hegemônica e se tornou parte do que antes repudiava.

Contraditório ao extremo, ainda assim a revista se manteve relevante pela maior parte do tempo, conseguindo manter a cabeça acima da água que inundava tudo quando da implosão da indústria fonográfica, a partir de 2001, e da própria indústria da comunicação. Parecia que sobreviveria justamente por conta de sua sobriedade e de fazer algo praticamente inimitável. Só parecia.

Algumas de suas edições licenciadas para o mundo não conseguiram surfar nas novas ondas e acabaram fechando, como a versão brasileira, que atualmente vive de publicar um ou dois “especiais” retrospectivos por ano para manter o contrato na ativa.

A relevância da edição norte-americana já não é mais a mesma, refletindo a dificuldade de a imprensa impressa de sobreviver ao tsunami da internet e ao desinteresse do jovem pela música física. 

Como tudo ficou grátis, ou quase, tanto a própria música como o jornalismo deixaram de interessar a esse jovem da terceira década do século XXI. Desvalorizados, perderam valor agregado. Srr capa da Rolling Stone, portanto, não tem mais importância como nos anos 70 e 80. 

Então por que a edição impressa da Rolling Stone ainda sobrevive/resiste? Há teorias das mais diversas, desde aquela que ainda atribui uma “aura” de contestação/oposição/crítica à publicação à que afirma que foi justamente a adaptação/cooptação ao/pelo sistema capitalismo mais puro e predatório que a manteve viva.

Ainda é referência cultural, mas cada vez menos influente, infelizmente, nos tempos de pulverização da informação eletrônica velocíssima e de conteúdo cada vez mais raso. 

A linha editorial se adapta, de certa forma, aos novos tempos e às novas tendências, mas os críticos mais ácidos ainda identificam o conteúdo como direcionado a uma certa elite cultural branca, abastada e mais velha – exatamente como era nos 70 e, curiosamente, nos anos 90.

Por mais que uma base de assinantes seja o suficiente para ao menos garantir a sobrevivência editorial, ainda assim surpreende a sobrevida que tenha tido e mantido ao longo de seus 55 anos.

Queiramos ou não, a Rolling Stone é um, reflexo importante da era em que vivemos e fomos forjados. Assim como é impossível imaginar um mundo, do ponto de vista britânico, sem as revistas e ou jornais Q, New Musical Expresso, Mojo, Classic Rock, Metal Hammer e mais algumas outras, é inimaginável um mundo sem a Rolling Stone em escala global. É um produto e uma cara de nosso tempo.

Não dá para negar que muito de nossa visão musical e informativa na área de cultura teve influência da revista. A presença quase onipresente desde o final dos 60 é algo quase que único no cotidiano do Ocidente. Ainda hoje é uma publicação que traz muita coisa boa e interessante. Sendo assim, vamos recorrer a um clichê de sempre: longa vida à revista Rolling Stone.