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 Marcelo Moreira

A felicidade é poder olhar para a bateria no canto do estúdio e venerá-la enquanto se diverte cantando e gravando algumas músicas com uma “pequena ajudinha” de alguns amigos. E lá se foi o bem-humorado Ringo Starr criar e lançar “Zoom in EP”, um disco bem alto astral com cinco músicas.

Nas várias entrevistas que concedeu recentemente a veículos de comunicação do Brasil, o ex-beatle transbordou simpatia e positividade. Ele devia isso ao mundo, pensou ele, no momento em que a pandemia piora em muitos lugares.

E então tivemos um sobrevivente do mercado musical sangrento, sóbrio há quase 35 anos, se esbaldando em conversas amenas e dizendo para todo mundo como era bom estar vivo e acordar todos os dias com propósitos definidos e conseguir fazer bem o seu trabalho.

Ringo já passou da fase de se importar com os detratores e com aqueles que sempre o consideraram um beatles quase figurante, por mais que muita gente tenha reavaliado suas performances e sua importância dentro da dinâmica complicada da melhor de toas as bandas.

Sempre foi o primeiro a admitir que não era bom cantor e que suas composições eram apenas medianas – e insuficientes na comparação com seus ex-colegas de Beatles.

Mas então sabemos que que ele teve sucesso com canções de apelo e apuro pop, como “It don’t Come Easy” e “Photograph”, que serviram para amenizar o seu complexo de inferioridade.

Seus álbuns venderam pouco e foram destroçados pela crítica? Faz parte da vida de um ex-beatle de quem sempre se espera o melhor. Ou será que nos 50 anos de carreira solo de Paul McCartney tudo foi maravilhoso e supersucesso?  O disco/filme “Give My Regards to Broad Street” nos lembra que não.

Ringo Starr (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Assim como a maioria dos artistas importantes e gigantes do classic rock, Ringo Starr foi entrando no piloto automático com o avanço da idade. Os shows com sua All Starr Band aprofundaram a nostalgia que prometia e os álbuns foram se sucedendo sem que alcançassem qualquer relevância – mas serviam para mostrar que Ringo estava por aí.

“Zoom in EP” pode perfeitamente se encaixar nesta categoria, com a diferença de que seu objetivo – se é quem tem um – é apenas levar esperança e difundir um certo otimismo melancólico, até mesmo bobo. E qual é o problema?

Partindo do pressuposto de que o baterista nunca pretendeu, nem em sonho, cometer uma obra-prima,  coisa de que o amigo Paul jamais abriu mão, por mais que não tenha conseguido muitas vezes, Ringo faz de seu EP uma gostosa aventura em meio à pandemia de covid-19.

Se a festa de seus 80 anos de idade foi toda virtual, bem longe dos filhos e netos e bisnetos, “Zoom in EP” foi a forma como tentou lidar com os meses de confinamento, gravando com a preciosa colaboração de amigos amealhados ao longo dos anos.

É tão querido que ganhou ma canção de presente da multiplatinada Diane Warren, compositora colaboradora assídua de bandas como Kiss, Aerosmith e Bon Jovi, sempre oferendo sucessos estrondosos. Ok, suas canções são bregas, mas e daí? Deve ter sido a última coisa wue Ringo pensou ao cantar e gravar “Here’s to the Night”.

Ringo nunca se desvencilhou de sua infância e da adolescência, e a canção reflete um pouco esse clima, quase uma valsa/vaudeville. O músico recebeu artistas amigos nesta canção como Paul McCartney, Jenny Lewis, Dave Grohl (Foo Fighters), Sheryl Crow, Ben Harper, Eric Burton (Black Pumas), Yola, Lenny Kravitz, Finneas, Corinne Bailey Rae e muitos outros.  

“Este é o tipo de música que todos queremos cantar junto, e foi tão grande quanto os músicos maravilhosos que se juntaram. Eu queria que fosse lançada a tempo para o Ano Novo porque parece uma boa música para terminar um ano difícil. Então, um brinde às noites que não lembraremos e aos amigos que não esqueceremos — e desejo a todos paz e amor para 2021”, disse o baterista no material de divulgação. Alguma dúvida a respeito do que esperar desse novo trabalho?

“Zoom In, Zoom Out” mantém o clima positivo nesta canção de autoria de Jeff Zebar, em que a guitarra de Robbie Krieger (ex-The Doors) faz uma tremenda diferença. Anos 60 puros, com uma interpretação encharcada de bom humor.
“Teach Me Tango”, de Sam Hollander, é um pop meio insosso, onde Ringo parece ter economizado energia e soa pouco convincente. A coisa melhora em “Waiting for the Tide to Turn”, coescrita com o produtor Bruce Sugar. A pegada reggae meio enganadora não traduz logo de cara as boas ideias contidas na canção.
A melhor do EP é “Not Enough Love in the World”, uma parceria do craque Steve Lukather (Toto)
 e Joseph Williams, colaboradores antigos. É rock com energia pop e com arranjos ótimos, que remetem aos bons tempos em que os Beatles soavam cativantes e casuais.
A banda que gravou quase todo o material tem gente da pesada, como Nathan East (baixo, ex-banda de Eric Clapton), Benmont Tench (teclados e vocais, que trabalhou com Jeff Beck) e Lukather nas guitarras. Não tinha como dar errado.
“Zoom In EP” é uma boa surpresa nestes tempos desastrosos de pandemia, já que injeta boas doses de otimo=ismo e esperança e canções que quase são esquecíveis, mas que terão um lugar bacana em nossas lembranças por serem de Ringo e por nos lembrar que a música e a arte salvam vidas.